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CAPÍTULO 3 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES: A PROGRESSÃO DO ENSINO DE

3.2 A LEITURA TEXTUAL NAS TURMAS ACOMPANHADAS

3.2.1 A prática da leitura textual na turma de 1º ano

Na turma de 1º ano, as habilidades de leitura textual foram desenvolvidas. Entretanto, conforme realçamos anteriormente, houve uma nítida discrepância dessa turma com as de 2º e 3º anos (12/25/28). Como já realçado, predominou a leitura realizada pela professora (6), com tímidas oportunidades de leitura coletiva (2), com e sem a sua participação. Das 12 aulas observadas, somente em um momento os estudantes foram oportunizados a lerem individualmente, assim como foram solicitados a realizarem uma leitura silenciosa. Atestamos, mais uma vez, que ao prevalecer a leitura realizada pela professora, não houve, no período observado, uma contribuição sistemática na/para a formação de alunos leitores, mas, sobretudo, ouvintes.

Consideramos oportuno enfatizar que, quando os estudantes saem da condição de ouvintes, aprendem a utilizar a leitura em seu contexto social de maneira efetiva. Sobre esse assunto, Brandão e Leal (2011) sublinham que as crianças pequenas, ao fazerem de conta que leem, mesmo não realizando de forma convencional, bem como ao imitarem os modos como os adultos a exercitam, desenvolvem habilidades culturais que as práticas de leitura dos diferentes gêneros discursivos proporcionam, apropriando-se da linguagem oral e escrita.

A despeito das orientações expressas nas Diretrizes Pedagógicas e no Currículo em Movimento (DISTRITO FEDERAL, 2014a; 2014b) para o ensino de língua portuguesa, a P1 discorreu da seguinte forma, na primeira entrevista de grupo focal,

[...] pede para trabalhar muito é em cima dos gêneros textuais, é isso. Fala que a sequência didática é muito boa para trabalhar nos primeiros anos. Porque ali você trabalha tudo interdisciplinar e você consegue deixar tudo amarradinho, para não trabalhar solto, né? (P1 – 1º ANO, 26/06/2018). Por meio desta informação, a docente demonstrou estar fundamentada sobre o trabalho com as sequências didáticas e em concordância com o prescrito nos textos do saber (CHEVALLARD, 2005), a exemplo dos documentos oficiais citados anteriormente,

dialogando com as orientações teóricas de Dolz e Schneuwly (2011). Em suas aulas houve um investimento na utilização do texto como unidade de ensino. Isto possibilita avanços significativos nos processos de alfabetização e letramento das crianças do 1º ano, ainda que, em alguns momentos, seu uso recaísse em atividades para a apropriação da escrita alfabética, exploradas por meio de palavras retiradas do gênero textual trabalhado.

A P1 relatou que, “na leitura, tenho fichas de leitura, eles gostam de ler na frente, eles pegam o texto e lê para a turma” (P1 – 1º ANO, 26/11/2018). Entretanto, nos dias cumpridos, a docente valeu-se de textos do caderno de apoio à aprendizagem9, por vezes, textos xerografados e literários, mas as fichas de leitura asseveradas por ela e o Livro Didático (LD)10 distribuído pelo Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) não foram utilizados, ainda que revelasse ter gostado do livro.

[...] no primeiro ano começamos com uma historinha, por exemplo, né! Leio para eles, e depois fazemos a interpretação na rodinha, mesmo! Eu acho interessante, tem hora que eles mesmos já pedem: tia deixa ler? (P1 – 1º

ANO, 26/06/2018). [...] eu gostei porque era um livro que tinha mais a ver

com a realidade deles, os que vinham antigamente eram totalmente fora da realidade deles (P1 – 1º ANO, 26/11/2018).

Cabe observar que o caderno de apoio ganhou espaço em suas aulas, em detrimento do LD. Sobre como liam os estudantes no início e término do ano letivo, ela descreveu melhorias significativas. Assegurou que eles não haviam passado pela Educação Infantil, isto justificou nenhum deles iniciarem o ano lendo, embora alguns terminassem o ano com uma leitura fluente. É interessante frisarmos que parecia existir essa expectativa quanto à primeira etapa da escolarização básica em relação à leitura e escrita. Embora não declarassem, pairava uma ideia de que o estudante que foi inserido no sistema educacional no 1º ano do Ensino Fundamental apresentava desempenho distinto do que aquele oriundo da Educação Infantil.

Nessa circunstância, em uma das aulas observadas, ao recorrer a um texto não verbal: O camelo, o burro e a água11, fez a leitura no momento em que poderia ter permitido que as crianças a fizessem. Tratava-se de uma fábula sobre o consumo consciente da água. Foi apresentada em datashow e facilmente compreendida pelos estudantes. Eles se divertiram com as cenas curiosas que traduziam o uso consciencioso da água.

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Material didático complementar, elaborado como apoio ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). SOUSA, Maria Alice Fernandes de. ALMEIDA, Cristina Vieira Osler de. SANTOS, Marilene Xavier dos. BERTONI, Nilza Engenheer. OLIVEIRA, Raimunda. Pensar, fazer e aprender. Caderno de apoio à aprendizagem. Língua Portuguesa e Matemática. 1º ano/iniciando. PNAIC. Org. Vera Aparecida de Lucas Freitas. Brasília: UnB/ CEAM. NEAL. CFORM. SEEDF, 2018.

10 TRINCONI, A. BERTIN, T. MARCHEZI, V. Letramento e Alfabetização. 1º ano. Editora Ática. PNLD, 2016. 11

À medida que as cenas eram mostradas, a professora narrava as ações aos estudantes, conforme trecho que segue:

O burro está na casa dele. O camelo também está na casa dele. Agora estão tomando café. Ambos estão escovando os dentes. Com a torneira fechada? Depois tomaram banho [...]. O camelo com o chuveiro fechado, o burro com o chuveiro ligado, mais de cinco minutos com o chuveiro ligado. Vejam a caixa d’água cheia na casa do camelo! Na casa do burro, a caixa d’água está quase vazia! Ficou sem água. O burro não tinha mais água, nem para tomar! Quem são os personagens dessa história? Quando é uma história de animais, chamamos de fábula. Então é um gênero textual. (P1 – 1º ANO, 8º DIA –

10/09/2018).

Realçamos a boa escolha do texto pela docente, pois atendia às peculiaridades do leitor iniciante. Entretanto, neste episódio não houve a leitura realizada pelos estudantes, em um momento propício para a participação deles, já que o texto trazia uma linguagem visual, não verbal. Entendemos que a prática da leitura realizada pelos estudantes ativaria a fluência, ajudando-os a ler com qualidade, desenvoltura, entonação e ritmo.

De acordo com o que já acenamos, acreditamos que a baixa frequência da leitura do estudante para a turma ocorreu por conta de a professora estar centrada em uma compreensão de que eles ainda não tinham autonomia para ocupar esse espaço. Entretanto, autores como Morais (2012) destacam as várias alternativas didáticas possíveis para inserir o estudante nos momentos de leitura, compreensão e produção textuais.

No mesmo dia, a mestra não explorou as características do gênero e, em uma informação genérica, em nossa compreensão, trouxe uma informação equivocada ao fazer alusão a aspecto do texto explorado, mas que não se aplica somente àquele gênero: “Quando é uma história de animais, chamamos de fábula”, pois nem sempre o texto que menciona animais é uma fábula.

Entretanto, em outro episódio, mostrou que os saberes podem ser construídos em uma parceria docente-discente. Na ocasião da semana da inclusão, trabalhou o poema: Diversidade, da autora Tatiana Belinky, no caderno de apoio à aprendizagem. Após ter solicitado que abrissem o livro na página do texto, a P1 conversou com os estudantes acerca da temática:

Cada um tem sua beleza, cor da pele, nariz, cabelos, olhos... Isso que é bonito! Estamos na semana da diversidade. Têm pessoas que nascem não enxergando, não ouvem, falta algum membro: braço, perna, etc. Mas são pessoas com suas diferenças, sua individualidade. Vamos trabalhar hoje com um texto que está no livro de vocês [...]. Não é para copiar. Viram como a tia escreveu? É a estrutura de um poema. Cada linha, chamamos de verso, juntamos quatro versos e formou-se uma estrofe. Entre uma estrofe e outra,

damos um espaço. Vamos ler? A autora do poema é quem? [...]. A tia vai ler para vocês e vocês. Vão observando o que tem em cada estrofe de diferente que podemos analisar. Vou ler a primeira estrofe, a segunda estrofe, etc.

(P1 – 1º ANO, 10º DIA – 19/09/2018).

Como vimos, após explicação do tema, avançou desenvolvendo, com os estudantes, algumas características do gênero em questão, incluindo estrofes, versos e rimas. Em seguida, propiciou aos estudantes a leitura coletiva do título e do nome da autora. Então, no momento em que percebeu que as crianças continuaram lendo em voz alta, pediu que prosseguissem, mas com sua colaboração. Ela lia o primeiro verso e as crianças o seguinte:

P1: Um é feioso. Todos: Outro é bonito. P1: Um é certinho.

Todos: Outro, esquisito [...]. P1: Um é tranquilo.

A1: Outro agitado (tentou adivinhar, depois corrigiu). A1: Outro é nervoso [...].

(P1 – 1º ANO, 10º DIA – 19/09/2018).

Ao selecionar o gênero, houve a intenção de comunicar o respeito às diferenças, já que estavam trabalhando com o tema. As crianças se divertiram no momento da leitura, uma vez que o poema ocasionou o gosto em ler. Ao constituir-se de estrofes, versos curtos e simples, facilitou a memorização e a fluência leitora. A repetição regular dos versos propiciou prazer nas crianças, que seguiram lendo com a professora. As rimas conferiram ritmo especial.

Nesse episódio, a P1 demonstrou ter se apropriado das mudanças de ensino da leitura, permitindo que a alfabetização e o letramento caminhassem lado a lado durante o processo de aprendizagem, assim como defendem Soares (2008) e Morais (2012). Quando escolhemos um texto para ler, já antecipamos ou levantamos assuntos que pretendemos encontrar, ou questões a serem resolvidas pelo texto. Assim, ao realizarmos este trabalho, propiciamos aos estudantes levantarem expectativas sobre o conteúdo do texto. Antecipar ou prever o que será lido costuma acontecer, também, durante a leitura, o que a torna mais eficaz.

Em outra oportunidade, a P1, após conversar com os alunos sobre o texto: Festa no céu,12 propôs que acompanhassem, por meio da leitura silenciosa, enquanto escrevia o texto no quadro. Alguns estudantes, ao lerem, balbuciavam alto, outros, liam com mais fluência. Durante esse tempo, fui recortando em versos um trecho do poema (texto fatiado), a pedido da docente. Organizei em envelopes, conforme orientação.

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Ao concluir o registro das cinco estrofes no quadro, a professora convidou a turma para ler em voz alta. Apontava com a régua e as crianças a acompanhava lendo. Em seguida, realizaram leitura por fila. Havia três filas de carteiras, agrupadas em duplas. Cada fila leu na sua vez. Exigiu que as demais filas acompanhassem a leitura, silenciosamente. Contudo, embora tenha ocorrido a leitura silenciosa anteriormente à leitura em voz alta, cabe citar, conforme acentua Kleiman (2016), o caráter avaliativo que, por vezes, o encaminhamento desse formato de leitura pode assumir, pois acabam produzindo grandes quantidades de leitores capazes de decodificar qualquer texto; porém, com dificuldades para compreenderem o que leem.

Determinados estudantes apresentaram dificuldade na leitura de sílabas, a exemplo da palavra ESCONDEU, onde a primeira sílaba (ES) é formada por vogal e consoante; e a segunda (CON), por consoante, vogal e consoante. Muitos fatores podem ter interferido nesse momento, por exemplo, o tempo destinado para a leitura silenciosa; se a leitura acompanhada foi pausada; se a professora fez uma leitura individual, em voz alta, para a turma, até o próprio estágio dos estudantes.

Ao dar continuidade, solicitou a leitura individual de alguns. Cada aluno leu um verso escolhido por ela. Não houve critérios de escolha dos estudantes para a realização dessa leitura. Como já estavam em duplas, ela os instruiu para a atividade seguinte:

P1: Cada dupla vai receber um envelope. Vamos organizar as frases de acordo com o que aconteceu na história. Vocês se lembram da história? Grupo: Não.

P1: O que aconteceu nessa história? Todos: Uma festa.

P1: O jabuti queria ir à festa no céu, mas ele não voa. O que ele fez? Todos: Se escondeu dentro do violão do urubu.

P1: O que tinha na festa? Todos: Doces.

P1: Ele comeu pouco? Todos: Comeu muito. P1: Como ele ficou? Todos: Pesado.

P1: Como ficou o violão? O que aconteceu com o urubu?

Todos: O jabuti tem um casco duro nas costas. Com a queda do violão, seu casco quebrou em pedacinhos.

P1: O que ele fez? Todos: Colou os pedaços.

P1: Por isso, o casco dele é assim. O que aconteceu primeiro? Qual é o título da história? Vamos organizar de acordo com a sequência dos acontecimentos. Esse trecho que está nos envelopes, recortados em versos, não está igual ao do quadro. Prestem atenção! É para fazer sozinho ou em duplas?

Em duplas, as crianças principiaram a ordenação dos versos, conforme os acontecimentos da história (poema). Igualmente à professora, fomos passando e observando como as duplas negociavam para realizarem a atividade. Às vezes, um tomava a frente e resolvia. Muitos cobiçaram adivinhar. A P1 chamou a atenção: “Precisa fazer a leitura dos versos”. Tiveram problemas para ordenar o texto, quiçá pela estrofe que foi entregue a eles não estar idêntica à notada no quadro. O assunto girava em torno da festa no céu, onde entrariam, apenas, os animais que voassem. Os outros bichos, revoltados, principalmente o jabuti, resolveu ir de carona no violão do urubu.

Assim, ela seguiu realizando intervenções com cada dupla. À medida que questionava, os alunos respondiam corretamente: “Primeiro o título. [...] o que o jabuti fez para ir à festa? Quem tocou a noite toda? No dia da festa o urubu estava cansado? Como ficou o violão? O que aconteceu com o violão? De onde ele caiu? O que aconteceu com o jabuti? O que ele fez? Como ele fez com o casco?”. Ao disponibilizar tempo para a realização da leitura textual e ao articulá-la à compreensão textual, a P1 possibilitou a construção de sentido na interação autor- texto-leitor (KOCH; ELIAS, 2014), desenvolvendo uma prática voltada para o alfabetizar- letrando (SOARES, 2008). Assim, contribui para a inserção do estudante no contexto cultural da sociedade, que está fundamentalmente relacionado à leitura.

Ao mesmo tempo, acompanhamos com a intenção de auxiliá-la, visto que obstáculos desafiaram as duplas para a concretização da leitura e ordenação dos versos. A maior dificuldade recaiu pelo fato do trecho disponibilizado aos estudantes não estar equivalente ao registrado no quadro; outro fator foi em relação à fluência leitora, às vezes um tomava a frente do outro e resolvia sozinho. Para finalizar, ela entregou o poema completo, como fora registrado no quadro, para desenvolverem atividades voltadas para o SEA, como identificação de palavras e contagem do número de sílabas.

Em relação às maneiras de fazer da professora, imersa na cotidianidade, suas ações apontaram para a carência, face à leitura realizada individual pelo aluno. Não houve uma prática sistemática que priorizasse a construção dessa autonomia, exceto em escassas circunstâncias, conforme demonstrado anteriormente. As práticas recaíram mais na formação de alunos ouvintes, e não de leitores.

O processo de apropriação da professora, acerca da leitura textual, pareceu-nos relacionar à sua coerência pragmática (CHARTIER, 1998), por não conceber que os estudantes, nessa fase da escolarização, pudessem ser inseridos em uma prática autônoma de leitura, já que ambicionava uma leitura fluente para que isso sucedesse. O usuário, nesse caso, a P1, às

vezes, coloca em ação um jogo sutil de táticas, quer seja pelo controle do tempo, das oportunidades ou porque se opõem às estratégias (CERTEAU, 2014).