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CAPÍTULO 3 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES: A PROGRESSÃO DO ENSINO DE

3.4 A PRODUÇÃO TEXTUAL NAS TURMAS ACOMPANHADAS

3.4.2 A prática da Produção Textual na turma de 2º ano

A frequência no investimento em produção de textos, conforme sinalizado na introdução desta subseção, realça que, contrariamente à turma de 1º ano, a de 2º contou com cinco momentos em que aquela atividade foi priorizada. Interessante destacar que, desses, três

ocorreram na modalidade escrita e somente em uma ocasião priorizou a produção oral. Computamos um momento em que houve a atividade de reescrita textual.

Ainda que tenhamos esse desenho da turma de 2º ano quanto ao eixo de produção textual, defendemos, assim como Brandão e Leal (2005), um ensino sistemático da escrita de textos. A P2 relatou que, no início do ano, os estudantes tinham dificuldade em formar frases, mas que ao focar nesta prática, foram melhorando na produção de pequenos textos e interpretação de diversos gêneros:

A gente nota que eles têm muita dificuldade na produção textual (P2 - 2º

ANO, 26/06/2018). [...] desde o início, trabalhei muito leitura com eles,

gêneros textuais variados, até mesmo através do livro de português deles que traz textos bastante legais, gêneros variados. Trabalhei, estou trabalhando, a produção de texto, vendo a evolução deles, até porque não produziam textos, escreviam uma linha. Eles tinham dificuldade até mesmo de formar uma frase, fui trabalhando formação de frases para depois partir para produção de texto, e foi isso (P2 - 2º ANO, 26/11/2018).

Assim, a turma de 2º ano surpreendeu a professora, pois, ao focar nesse eixo desde o início do ano letivo, ainda que não escrevessem convencionalmente, suas escritas tinham coerência com o que era proposto, momento em que não tinham consolidado a apropriação do sistema de escrita alfabética (SEA):

Eu me surpreendi, até com os alunos que tem dificuldade, porque esses alunos até querem produzir, porque eu não foco muito com eles esta questão, porque sei que eles não estão escrevendo nem palavras ainda, da forma correta, mas eles pedem. [...] até na última avaliação que teve agora, do Programa Mais Alfabetização, na parte de produção de texto eles fizeram. Os alunos que mais têm dificuldade na sala estão no nível silábico alfabético, e mesmo com a escrita neste nível, teve coesão, mesmo com as palavras faltando letras, eu entendi, compreendi e teve coerência com o que foi proposto para eles escreverem (P2 - 2º ANO, 26/11/2018).

Curioso que, embora ressaltasse a necessidade de os estudantes se envolverem em trabalhos de produção textual, para ela, a questão de estrutura dos textos, a exemplo da paragrafação e pontuação, deveria ser desenvolvida a partir do 3º ano, e o empenho carecia estar relacionado ao assunto a ser tratado no texto.

Todavia, para produzir textos de qualidade, os alunos têm de saber, além do que desejam dizer, para quem escrevem e qual é o gênero que melhor exprime suas ideias. Embora tenha realçado esses aspectos na entrevista, nas aulas observadas ela procurou, além do conteúdo, orientar os alunos quanto ao gênero textual e estruturação, ainda que o interlocutor e o suporte não tivessem ganhado destaque. Entendemos que, ao ser conduzido nesta perspectiva,

trazendo todos estes aspectos, o trabalho contribui para a formação de produtores de texto proficientes e capazes de atuar com eficácia nos diferentes espaços sociais.

Após o trabalho de leitura e exploração do SEA com a cantiga Eu vi uma barata, a docente solicitou à turma que escrevesse um acróstico com a palavra BARATA. Percebemos que eles, ao realizarem individualmente e por escrito a atividade, desenvolveram-na sem dificuldades. Na verdade, a maior parte da turma realizou a produção sem esperar que a professora a explicasse. Liam e iam respondendo. Demonstraram autonomia e segurança. Um aluno me perguntou, anteriormente às explicações da professora, “O que é um acróstico?” (leu sem pronunciar o acento). Expliquei a ele que, “para cada letra, precisaria escrever uma nova palavra”.

Em outra ocasião, a professora, após desenvolver um sarau de poemas com os estudantes em sala de aula, solicitou a eles que fizessem a releitura do poema A chuva, de Maria Dinorah, no LD:

P2: No poema, fala sobre duas personagens. Quem são? Todos: Chica e Sheila.

P2: O que resolveram fazer nesse dia de chuva? Todos: Tomar chá.

P2: O que você gostaria de fazer em um dia de chuva?

A1: Ficar em casa, ver televisão, mexer com o celular, tomar banho de chuva; dormir; comer pipoca na casa da vó.

A2: Nada, apenas observar a chuva. Tomar banho de chuva. P2: Onde?

A2: No quintal, na rua... Comer pipoca e assistir TV. Jogar bola no meio da rua.

P2: Na chuva?!

A3: Tia! E você, gostaria de fazer o quê?

P2: Gostaria de ficar com minha filha assistindo desenho, porque ela só assiste desenho. Escrever no caderno todas as coisas que vocês falaram que gostariam de fazer num dia de chuva.

(P2 – 2º ANO, 8º DIA – 22/10/2018).

Escreveu, no quadro, o cabeçalho em letra cursiva e a proposta de produção de texto: Pense e escreva no caderno o que você gostaria de fazer em um dia de chuva. “Em dia de chuva, gostaria de...”. Seguiu explicando:

P2: Vocês vão escrever no caderno o que falaram em voz alta. As crianças fizeram silêncio para registrarem no caderno.

P2: Vamos terminar essa primeira parte antes do lanche? Depois daremos continuidade. Temos nosso horário de biblioteca, vocês se lembraram de trazer o livro?

A4: Tia, eu esqueci o livro.

P2: Quem esqueceu não pode pegar outro. Vai poder ler apenas na biblioteca. Vocês vão escrever como? Precisa explicar que é um dia de chuva, senão ninguém entende. Sobre o dia da chuva. O que vocês fariam

em um dia de chuva – tem que ter rimas. (Chamou a atenção. A turma é muito tranquila!). Escrevemos DORME ou DORMIR? (O menino quis escrever dormir, mas escreveu dorme).

(P2 – 2º ANO, 8º DIA – 22/10/2018).

Foi conferindo as escritas das crianças. Percebi que todas elas já escreviam em letra cursiva. Quem ia terminando, levava para a professora olhar. Corrigiu de todos os estudantes em sua mesa. No dia seguinte, cada aluno teve a oportunidade de ler em voz alta para os colegas suas produções realizadas no dia anterior. Na verdade, seus poemas reduziram-se a versos, obedecendo à orientação da professora a respeito do uso de rimas. A princípio, a professora deu o comando, em seguida, acenou para a rima, mas não definiu o gênero. Assim causou equívoco na definição de poema.

Algumas crianças não quiseram ler. Em dia de chuva: A1: Eu vejo televisão comendo mamão. A2: Assisto televisão e como pão. A3: Jogo futebol e tomo sol. A4: Como banana a cama.

A5: Assisto novela comendo pão com mortadela. A6: Gosto de tomar banho na chuva e comer uva. A7: Fico no sofá comendo uva.

A8: Eu assisto televisão comendo arroz com feijão.

A9: Assisto TV e como pavê. (Nesse momento, começaram a falar mais sobremesas, como: mousse de maracujá, etc.).

A10: Vamos continuar lendo os poemas, senão não dá para todos lerem. A11: Eu gosto de mexer no celular sentada no sofá.

A12: Eu sempre vejo TV e vejo você.

P2: Parabéns! Muito bem! Começa assim, escrevendo pouco...

(P2 – 2º ANO, 9º DIA – 23/10/2018).

Como gênero, o poema apresenta algumas características que o diferem dos demais, pois possui particularidades que facilitam sua identificação, embora nem todo poema compõe-se por versos e estrofes, visto que existem os poemas em prosa, bem como os que reúnem informações visuais à linguagem verbal. Assim, mesmo que não se prendam a regras como as rimas, a exemplo do A7, os demais se deliciaram, rindo com elas, pois facilitaram o aprendizado, fazendo do exercício de ler e escrever uma excelente estratégia para alfabetizar.

Afinal, o principal objetivo dos poemas consiste em despertar diferentes sensações, sentimentos e emoções no leitor. Frisamos, entretanto, que o comando inicial dado pela professora foi muito amplo. Só depois sinalizou que teria rimas, mas não explorou suficientemente características do gênero textual, a fim de clarificar para os estudantes a estrutura do poema. Do mesmo modo, sinaliza que escreveram poemas, mas, na verdade, os estudantes construíram versos. Assim como Kato (2003), entendemos que habilidades como a

reescrita perpassam as mesmas etapas que compõem as estratégias de produção textual, como o planejamento, a escritura e a refacção.

Ainda que o objetivo da reescrita de um conto conhecido não seja uma nova criação, também não exprime reproduzi-lo de memória. Com este argumento é que concebemos a reescrita de textos como componente deste eixo de ensino.

Assim, após trabalhar, por alguns dias, uma sequência de atividades com o texto A galinha ruiva, rememorou oralmente a história com as crianças. Em seguida, os estudantes concretizaram, conforme sugeria o LD, a reescrita individual do conto, revelando o final da história. Em um primeiro momento, orientou a produção:

P2: Na semana passada vocês apresentaram o teatro de fantoches de varas. Hoje vocês vão reescrever a história. O que a galinha fez primeiro?

A1: plantou o grão de trigo. P2: Em 2º lugar, o que ela fez? A2 e A3: Colheu o trigo.

P2: Em 3º lugar, o que foi que ela fez? Todos: Levou o trigo para o moinho. P2: E por último, como terminou a história? Todos: Fez o pão.

P2: Agora, sim, podem reescrever a história [...].

(P2 – 2º ANO, 11º DIA – 30/10/2018).

A professora passou pelas mesas observando como estavam realizando. Os estudantes reescreveram individualmente em espaço indicado em seus livros e ela leu de cada um, por vezes, fazendo alguns apontamentos. Em um terceiro momento, ela unificou as informações em uma só produção, registrando a história no quadro com a ajuda das crianças, explorando determinadas convenções, ou seja, realizou a refacção coletiva:

P2: [...] Como vamos continuar a história, não vamos iniciar com a letra maiúscula, por quê?

Todos: Porque o parágrafo já está iniciado. P2: Depois que ela plantou, o que foi que fez? Todos: Colheu o trigo.

P2: Agora estou começando um parágrafo, vou utilizar letra maiúscula ou minúscula?

Todos: Maiúscula.

P2: E depois que ela colheu o trigo? Pronto, podemos continuar? Agora novo parágrafo. Depois que ela colheu?

A4: Tia, nós vamos continuar?

P2: Não, vamos começar outro parágrafo. Ela levou o trigo para o moinho. Ao começar o parágrafo, usamos letra maiúscula.

A5 e A6: Tia, o meu tem só duas linhas! P2: Uso letra maiúscula no meio do texto? Todos: Não.

P2: Só se for nome de pessoas. A7: Se for cidade, país, rua.

P2: Isso mesmo! E depois que ela moeu o trigo? Por último, o que aconteceu? Pronto, não?

Todos: Não.

P2: Falta muito ainda? Então, depois que plantou, colheu, em seguida, levou para o moinho. E depois fez a farinha que virou pão.

A8: Acabou, tia? Acabou?

P2: Foi assim que terminou a história? Todos: Não.

A9: Tia! Faltam quantos minutos para o recreio?

P2: Faltam dez. Na última linha, está escrito NO FINAL. A história terminou com a galinha fazendo o pão?

Todos: Não.

P2: O que aconteceu no final, então? Grupo: Comeu sozinha, o pão.

(P2 – 2º ANO, 11º DIA – 30/10/2018).

Essa atividade significou para os estudantes contar, com as próprias palavras, uma história conhecida. Ao criar a possibilidade de reconto nas modalidades oral e escrita, a P2 assegurou o percurso das três atitudes enunciativas: ouvir, ler e recontar, além da refacção. Conquanto, estaria completo quando os estudantes produzissem os próprios contos, com direito a lê-los para alguém. Neste caso, a docente, de acordo com Silva e Tenório (2015), abordou a estrutura narrativa, sequência dos fatos e os elementos necessários para narrar. Deste modo, ela explicou a tipologia, ou seja, os elementos básicos da narração.

Ao colaborarem com a reescrita do texto, os estudantes mobilizaram e coordenaram, respectivamente, um conjunto de conhecimentos linguísticos, tais como: o conhecimento do SEA, aspectos discursivos presentes ou não no conto, a exemplo do conteúdo temático e da forma composicional e/ou organização textual. Ao mesmo tempo, durante o procedimento de refacção coletiva, ela instigou os alunos a refletirem sobre estes aspectos, garantindo uma escrita mais aprimorada, favorecendo a formação de escritores competentes e autônomos.

Neste sentido, Koch e Elias (2014) afirmam que, ao escrever um texto, são ativados conhecimentos, tais como o linguístico, ligado aos recursos linguísticos disponíveis (questões gramaticais e a forma de organizar as palavras, conservando a coesão de sentidos); o enciclopédico, que compreende as informações de experiências que cada sujeito carrega consigo (conjunto de informações que permite ao sujeito expressar e compreender o que ouve ou lê); e o interacional, que abrange os propósitos e intenções do escritor (sobrevém do aspecto de interação com o meio e com o texto).

Assim, ao explicitar questões como essas aos alunos, os docentes contribuem significativamente para a sua autonomia na produção de textos. Vale ressaltar que os procedimentos didáticos de reescrita não garantem, por si só, o aprimoramento dos conhecimentos gramaticais. O mais importante são as intervenções realizadas durante esse

processo, de forma coletiva, em dupla ou individual, retomando a sua escrita, passando a limpo, revisando termos utilizados e reescrevendo trechos, se necessário.