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CAPÍTULO 3 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES: A PROGRESSÃO DO ENSINO DE

3.6 A ANÁLISE LINGUÍSTICA: O ENSINO DO SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA

3.6.3 A prática do Sistema de Escrita Alfabética na turma de 3º ano

Na sequência de observações, a professora priorizou momentos assimétricos de ensino das propriedades do SEA (27), conforme já esperado, visto que a maioria dos estudantes

estava consolidando a alfabetização. Houve dias para a escrita de palavras (3), partição escrita de palavras em sílabas (3), leitura de letras (2), leitura de palavras (2), leitura de frases (2), escrita de frases (2), cópia de textos (2), contagem de sílabas em palavras (2), dentre outras. Nesse caso, a proeminência incidiu sobre a escrita de palavras e partição escrita de palavras em sílabas. Uma curiosidade que nos chamou a atenção foi a aproximação com a turma do 1º ano, no que concerne à exploração de rimas (1), distanciando-se do 2º ano (7).

Os estudantes utilizavam a letra cursiva, ainda que o aluno não alfabetizado fizesse uso da letra caixa alta. A professora acentuou que, ao 3º ano, cabia a consolidação da alfabetização. A propósito de como alfabetizar, discorreu sobre a necessidade de apropriação da escrita alfabética, já que, em sua concepção, a criança lê textos se houver atividades sistemáticas com as unidades menores:

[...] acho que a gente falhou durante um tempo na questão da sistematização minuciosa. Vejo que no Currículo a questão da escrita está bem separada da oralidade e da leitura. Só que hoje não está tão especificada essa questão mesmo assim inicial da alfabetização: Como começar? Acho que isso acontece mais da nossa prática, mas não está assim estabelecido lá. Fala muito amplamente da leitura e da escrita. Mas assim, talvez para quem esteja chegando e não tem experiência, não vai saber! Por onde que eu começo o processo de alfabetização com a criança? Eu parto de quê? Do som? Da letra? Do texto? Como eu posso? Eu acho que ajudaria se estivessem mais especificadas essas questões! (P3 - 3º ANO, 26/ 06/2018).

Em seu entendimento, o documento curricular expõe amplamente a leitura e a escrita de textos, mas alega que, para docentes iniciantes, a compreensão de como iniciar o processo de alfabetização não é fácil e, por isso, tem ocorrido mais pela experiência do que pelo instituído (CHARTIER, 2007). Sobre a existência ou não de metas para o 2º e 3º anos, ela confessou não ter observado concretamente; por esse motivo, acreditava que a alfabetização era prolongada até o 3º ano:

[...] vejo essa questão do primeiro ano estar alfabetizado, mas do segundo para o terceiro, assim a não ser das nossas leituras das Diretrizes, mas, não existe algo assim determinante. Se não conseguir interpretar, acho que até se prolonga um pouco. Essa questão da alfabetização ainda é como se ficasse assim... Não tem, no 3ª ano não tem, mas é para estar alfabetizado no 1ª ano. Porém, dá para esticar e ir até o terceiro, mais ou menos isso (P3 - 3º ANO,

26/ 06/2018).

Entretanto, constatamos que, mesmo com a falta delas, as docentes procuravam fomentar a progressão do que ensinavam, guiando-se pelos objetivos e conteúdos prescritos no Currículo em Movimento (DISTRITO FEDERAL, 2014b) e nos Direitos de aprendizagem do

PNAIC. Todavia, a definição melhoraria a compreensão do que esperar dos estudantes em cada ano. Assim, a P3 conjecturou que:

[...] do segundo para o terceiro é estar avançando mais na leitura, para não só decodificar porque geralmente quando sai do primeiro do ano, ele está mais decodificando, não está entendendo. O trabalho do terceiro é de consolidar

(P3 - 3º ANO, 26/ 06/2018).

Para Morais (2012), a ausência das metas não favorece a compreensão do que ensinar/aprender. Nesse contexto, o Currículo em Movimento (DISTRITO FEDERAL, 2014b) endossa a alfabetização ao final do 1º ano. Ao estudante compete ler, compreender e escrever pequeno texto com encadeamento de ideias, sem as exigências das complexidades ortográficas, mas não especifica o que denomina pequenos textos, além de expor a ampliação e consolidação nos 2º e 3º anos para que, ao final do BIA, o educando fosse capaz de ler e produzir textos orais e escritos de forma proficiente, na perspectiva do letramento.

As perspectivas apontadas por Morais (2012) sugerem como adequado, para sistemas organizados em ciclos de aprendizagem, que ao final do 1º ano o aluno apresente apropriação do SEA e inicie a aprendizagem de algumas convenções. Seus estudos incluem o que dispõe o documento supracitado em relação ao 2º ano; porém, especifica que esse período “deverá ser dedicado à consolidação das convenções grafemas-fonemas” (MORAIS, 2012, p. 127). Em relação ao 3º ano, sustenta a necessidade de se ter “superado problemas com diversos casos regulares de nossa ortografia, e que consigam, sozinhos, ler com fluência e compreender pequenos textos, assim como produzir os gêneros escritos que puderam aprender na escola, com autonomia” (MORAIS, 2012, p. 127). Dessa maneira, a progressão continuada das aprendizagens ficaria inequívoca para o alfabetizador.

Ao se remeter ao início do ano letivo, quando percebeu que havia alunos em diferentes momentos no processo de alfabetização, revelou preocupação em fazê-los avançar. Esclareceu que a existência dessa diversidade a deixou ansiosa, porque precisou dar atenção a ambos os grupos: os que estavam bem e os que caminhavam em um ritmo particular. Deste modo, caso não apresentassem os conhecimentos tencionados ao iniciarem o ano letivo, costumava dar continuidade de onde pararam:

[...] foi o maior susto, perceber que tinha aluno que não sabia o processo inicial da alfabetização, com alunos da sala que já estavam praticamente consolidados na alfabetização. Aí você fica: aí meu Deus, será que eu vou dar conta de ajudar? Quem está avançado a avançar e quem está mais no seu ritmo ali? Sempre é a maior ansiedade, no começo. Eu vejo que cada dia a gente vai percebendo que, não adianta mais fingir que a criança não está ali,

melhor fazer as adaptações necessárias às atividades (P3 - 3º ANO, 26/

06/2018).

Portanto, para o atendimento à heterogeneidade, ela apontou como apropriado o trabalho diversificado, diariamente, em sala de aula. Reconheceu que os estudantes estavam em diferentes momentos de aprendizagem e assinalou, como parâmetro para o diagnóstico da alfabetização, o teste da psicogênese34. Considerou árduo o trabalho com a heterogeneidade, pois a quantidade de alunos dificultava as mediações. Assegurou que, para cada atividade, arriscava novas adaptações, e que o maior desafio foi lidar com essa situação.

Todavia, ao final do primeiro semestre, avaliou o avanço da turma: “teve um bom avanço; as ações que fizemos ajudaram bastante” (P3 - 3º ANO, 26/ 06/2018). Ao identificar o que a criança sabia, atestou realizar atividades diferenciadas no grupo-classe para atender às especificidades de aprendizagens e alfabetizar os estudantes; entretanto, arrazoou que poderiam ter avançado mais.

Ao se remeter às estratégias, ela referiu-se às atividades de reagrupamentos e projeto interventivo, defendidos pelas Diretrizes (DISTRITO FEDERAL, 2014a). Para a docente, os Reagrupamentos estimulam a melhoria das aprendizagens, sendo planejados nos períodos de coordenação pedagógica face ao diagnóstico dos estudantes. Para Silva (2012), ao desenvolver o Projeto Interventivo, atuações diferenciadas são desempenhadas com vistas à aprendizagem significativa, contextualizada, lúdica e prazerosa.

Embora tenha exposto a dificuldade do trabalho docente com a diversidade nos níveis de aprendizagem dos estudantes, fez um depoimento que possibilitou perceber que, apesar das dificuldades, a organização em ciclos estava sendo favorável para o progresso dos estudantes: [...] eles estão melhores. Acho que quando começou o ciclo, eu percebi mais dificuldade, muita dificuldade. Foram chegando ao terceiro ano, estava gritante [...] mas acho que fomos percebendo que era possível, fomos nos apropriando mais das estratégias para ajudar as crianças. [...] o BIA, contudo, cada dia me surpreende; o aluno que a gente reprovaria no 1º ano, por que ele não alcançou a meta, em poucos meses, consegue melhorar e avança! [...] Antes ele ficava repetindo e costumava repetir mais de uma vez. Então, acho interessante ter esse tempo, e esperar para a criança consolidar

(P3 - 3º ANO, 26/06/2018).

Para a P3, houve melhoria significativa, uma vez que os estudantes têm iniciado o 3º ano com mais autonomia e maior apropriação dos conteúdos exigidos, a exemplo da leitura e da

34 É um ditado individual, por meio de uma lista de quatro palavras com as seguintes características: a 1ª palavra

polissílaba; a 2ª trissílaba; a 3ª dissílaba e a 4ª monossílaba e, por último, uma frase. Constitui-se em uma sondagem diagnóstica, por meio da análise dos níveis de escrita das crianças em processo de alfabetização, a partir da Teoria da Psicogênese da Língua Escrita, postulada por Ferreiro e Teberosky.

escrita. Atribuiu a esse avanço o fato de que, como docentes, começaram a olhar mais para os estudantes, suas diferenças, tentando ajudá-los a progredirem em suas aprendizagens.

Comentou que havia um grupo de seis alunos que ainda estavam se apropriando do SEA. Afirmou, na ocasião da pesquisa: “hoje já conseguem, dentro do ritmo deles, caminhar junto”

(P3 - 3º ANO, 26/11/2018). Apenas um dos estudantes não conseguiu se apropriar do sistema alfabético; porém, concluiu o ano reconhecendo “alguns sons, algumas letras, [...] avanços que são frutos deste trabalho diversificado” (P3 - 3º ANO, 26/11/2018). Ainda sobrepôs que, se não houvesse olhado por ele, não teria progredido. Para ela, aproximadamente 90% dos 25 estudantes, conquistaram os objetivos definidos no planejamento para o ano.

Na turma de 3º ano, em uma das aulas observadas, após trabalho com o poema O Pato, de Vinícius de Moraes, no LD, no dia anterior, a P3 solicitou aos estudantes que abrissem os cadernos:

P3: Olha só, vocês já tinham contado o número de versos. Não vou poder gritar, não vou poder falar alto, vocês devem prestar atenção! Esse tem os versos que juntos formam a estrofe. Tinha versos e estrofes? São parecidos? A1: Tinha verso, estrofe e rimas.

P3: O que é rima?

A1: Duas palavras que terminam com sons parecidos.

P3: Os dois têm rimas. Não vamos ler o texto todo, apenas as duas últimas estrofes.

A2: Pode falar as rimas, tia?

P3: Aguardem que vou escrever no quadro. (Escreveu as duas estrofes finais em letra cursiva no quadro, em seguida, pediu que lessem juntos).

A3: PEDAÇO, POÇO e MOÇO. (A professora gostou, mas explicou que iriam localizar as palavras na mesma estrofe).

P3: O que vamos fazer agora? Pintar as rimas das duas estrofes. A3: Tia! É para achar quantas?

P3: Pedi para pintar com lápis da mesma cor. Vamos fazer juntos? Estamos identificando algumas características do texto. JENIPAPO rima com qual palavra?

Todos: PAPO.

P3: Nem sempre precisam terminar igualzinho. (Apontou ENGASGADO e pediu para que localizassem a palavra que rimava com essa). Nem sempre termina igualzinho, com as mesmas letras não.

Todos: TIGELA - PANELA; POÇO - MOÇO.

(P3 - 3º ANO, 2º DIA – 26/04/2018).

A P3 permitiu aos alunos, a partir do poema, refletir sobre as palavras e sobre suas partes orais e escritas. Desta forma, as atividades possibilitaram, aos estudantes, a identificação de palavras que rimavam, procedendo algumas habilidades de consciência fonológica. Assim, Morais (2012, p. 91), alerta que “o desenvolvimento de habilidades fonológicas é uma condição necessária, mas não suficiente, para uma criança atingir uma hipótese alfabética”. Isto porque o aprendizado e a apropriação do alfabeto implicam em uma série de propriedades

do SEA, e o principiante não dispõe, em sua mente, de início, de unidades como a palavra ou o fonema para analisar os enunciados orais que pronuncia. O contato com a escrita é que vai viabilizar esse tipo de reflexão.

Em outro encaminhamento didático, as professoras dos 3º anos realizaram reagrupamento interclasse35, conforme orientam as Diretrizes Pedagógicas (DISTRITO FEDERAL, 2014a). A P3 ficou com 11 estudantes, procedentes das duas outras turmas, incluindo alguns de sua turma. Eles ainda estavam ampliando e/ou consolidando o processo de alfabetização. Entre eles havia o aluno dela, apropriando-se do processo. Entregou a cada aluno uma ficha quadriculada para que escrevessem seu nome próprio. Escreveu no quadro o nome dela.

Logo após, desenvolveram uma brincadeira: Quem preenche o nome primeiro. Reforçou que quem tivesse nome composto, deveria escrever os dois. A brincadeira realizada foi o Bingo do nome. Ela foi convidando os alunos para sortearem as letras, organizadas em uma sacolinha. Começou sugerindo que cada um se apresentasse, já que não eram colegas de uma mesma classe:

P3: Com que letra começa meu nome? Qual a próxima letra? Agora vocês vão se apresentar para os outros falando e mostrando o nome escrito na ficha. (Cada um se apresentou). Vocês já brincaram de bingo, não é? Só que nosso bingo não será de números. Ele será de quê?

Todos: de letras. (Iniciou sorteando a primeira letra).

P3: Quem tem essa letra? R é de RATO? (Fez o som da letra R para eles ouvirem). Que palavras têm R?

Todos: URSO; RATO; BARATA. P3: BARATA tem R?

A1: Tem no meio [...].

P3: Tem gente que tem essa letra três vezes no nome. Vai ganhar! Que letra é? A4: P. A5: P de PEITO. P3: Se juntar P+A Todos: PA. [...]. P3: Que letra é? Todos: W. P3: W de quê?

Grupo: WILSON, WAGNER.

Todos: O de OVO, de OVELHA. (Antes de a professora perguntar, eles já respondiam).

Todos: V. V de VACA, de VOVÔ. P3: Que mais?

Todos: VELA, OVELHA no meio da palavra. P3: Letra...

Todos: U. U de URSO, de UVA.

35No reagrupamento interclasse “são formados grupos de estudantes de diferentes turmas, do mesmo ano ou não,

do mesmo bloco ou não, a partir de necessidades e possibilidades diagnosticadas” (DISTRITO FEDERAL, 2014a, p. 57).

P3: Quem tem a letra U? Letra I. Todos: I de ILHA.

P3: Quem está faltando uma letrinha apenas para marcar? (Mostrou a letra). Todos: D de DADO.

P3: Faltou a letra (Foi retirando as letras que não foram sorteadas do saquinho). E essa?

Todos: L. P3: L de quê? Todos: LEÃO. P3: Que letra é essa?

Todos: Z. Z de ZEBRA, de ZECA. P3: E essa?

Todos: Y.

P3: Às vezes tem o som de I. J de JOÃO. N de? Todos: NAVIO.

P3: Que letra é essa? Todos: F.

P3: F de?

(P3 - 3º ANO, 4º DIA – 22/05/2018).

Cabe ressaltar que, nesse momento, ela favoreceu, ao mesmo tempo, a reflexão e apropriação do SEA e do sistema ortográfico, conforme demonstrado em tópico posterior. Desta forma, mostrou que se preocupava com as aprendizagens dos estudantes, ao auxiliá-los na apropriação e na consolidação da alfabetização, tendo em vista que 11 alunos das três turmas de 3º ano existentes naquela Escola, ainda não tinham domínio de todas as propriedades do SEA. Dominar essas propriedades significa entender que as letras representam/notam sons e como são organizadas para criar essas representações/notações (MORAIS, 2012).

O respeito e o atendimento à heterogeneidade contribuem para favorecer um dos princípios da política de ciclos, em conformidade com as Diretrizes Pedagógicas (DISTRITO FEDERAL, 2014a), que aponta a progressão das aprendizagens como meio de permitir o avanço de todos os estudantes, embora atender à heterogeneidade não signfique que a progressão está sendo assegurada. Salientamos que o fato de a professora estar inserida em uma escola organizada em ciclos não configura uma prática necessária do que seria sua função nesse contexto, já que a lógica que esteve presente em sua história escolar estava ligada a uma perspectiva de série.

No entanto, ela demonstrava comprometimento não só com os estudantes com necessidades de aprendizagem, também, com os demais alunos já alfabetizados, que prosseguiam ampliando seus conhecimentos em sala de aula ou reagrupados nas turmas de outras docentes atuantes no mesmo ano.

Cabe ressaltar, ainda, que, ao entrecruzarmos o depoimento da professora quanto a não clareza da progressão do ensino nos documentos oficiais da rede e a defesa/existência do reagrupamento (interclasse e intraclasse), objetivando atender à heterogeneidade, bem como o avanço nas aprendizagens, nos impulsiona a refletir o quanto esse trabalho de sala de aula integra uma manobra complexa, pautada nas ações táticas do docente.

3.6.4 Breve síntese face à prática do Sistema de Escrita Alfabética nas turmas