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CAPÍTULO 3 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES: A PROGRESSÃO DO ENSINO DE

3.5 A ORALIDADE NAS TURMAS ACOMPANHADAS

3.5.2 A prática da oralidade na turma de 2º ano

Na turma de 2º ano, as dimensões que contemplaram o eixo da oralidade mantiveram-se presentes (16). O reconto de gêneros textuais pelos estudantes e o trabalho com textos da tradição oral foram desenvolvidos (4). Dos textos de tradição oral, os mais utilizados pela P2 foram: as cantigas populares, as parlendas, as adivinhas, as canções, as quadrinhas, os trava- línguas, os poemas e outras brincadeiras. Além de serem fáceis de memorizar, permitiram a exploração de diversas unidades fonológicas, oralmente ou em presença da escrita, embora tenha ocorrido mais frequentemente por meio da escrita.

Desta maneira, a docente, em uma espécie de nova invenção (CERTEAU, 2014), combinou momentos para atividades onde as crianças cantavam, brincavam de adivinhações e declamavam poemas. Do mesmo modo, utilizava-as para a análise e reflexão sobre a língua, incluindo atividades voltadas à apropriação do sistema de escrita alfabética (SEA).

A P2 fez menção a este eixo ao citar os atributos do livro didático (LD)22 utilizado, oferecido pelo Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD). Segundo ela, ao priorizar a oralidade, cada unidade do livro abordava um gênero textual específico. Ao partir do texto, permitia o desenvolvimento de atividades voltadas para a oralidade, além de promover a conexão com os demais eixos da língua: “tem uma conexão entre as atividades, parte do texto e permite trabalhar interpretação, trabalhar o reconto, trabalhar a oralidade [...] achei isso interessante [...] ele tem uma sequência” (P2 - 2º ANO, 26/11/2018).

Em uma das aulas observadas, a professora registrou no quadro a cantiga: Eu vi uma barata. Na medida em que foi registrando a canção no quadro, as crianças puderam realizar a leitura silenciosa prévia e, depois, a leitura coletiva. Ao dar continuidade, a professora entregou a cada estudante cópia xerografada da música e pediu que recortassem todas as palavras com o intuito de montarem o texto novamente, dessa vez, cantando.

Esta atividade é, também, conhecida por texto que se sabe de cor23 ou texto memorizado e é valiosa enquanto a turma ainda não estiver lendo e escrevendo convencionalmente, já que ocorreu no início do 1º semestre. Embora mais avançada, com a maioria dos estudantes se apropriando das convenções gramaticais, recortaram as palavras ao invés dos verbos, mais adequados às crianças em processo inicial de apropriação do SEA.

Com o texto fatiado em mãos, os estudantes tiveram como desafio ajustar o oral ao escrito e, nessa tentativa, acabavam por ler as palavras pensando nos pedaços maiores, as sílabas. Cada um, individualmente, procurava solucionar o problema na medida de suas possibilidades. Deste modo, foram cantando e colando ao final da folha, em espaço indicado. Ao criar problemas para os diferentes níveis de conhecimento, esta atividade promoveu aprendizagem para todos os alunos. Os textos da tradição oral, além de propiciarem situações de reflexão sobre o sistema de escrita, são adequados à faixa etária, porque são próprios das brincadeiras infantis, são divertidos e contém expressivo artefato lúdico.

Alguns fizeram uma análise mais global da extensão do que cantavam/falavam com o que estava escrito, isto é, se chegavam ao fim do texto antes de terminarem de recitar, em uma próxima vez, tentavam ir mais devagar. Outros, ao chegarem ao final dos versos, procuravam

22 TRINCONI, A. BERTIN, T. MARCHEZI, V. Letramento e Alfabetização. 2º ano. Editora Ática. PNLD, 2016. 23

analisar as pistas qualitativas, ou seja, conferir se o som que estavam recitando correspondia à sílaba final do verso. Por vezes, a prática da professora prendeu-se ao trabalho de apropriação da escrita alfabética; por outras, favoreceu sarau literário, dramatização de história, brincadeiras envolvendo rimas ou aliterações.

Em outro contexto, ao ler em projeção no datashow a história Mundinho azul,24 ela convidou os estudantes para ouvi-la: “hoje vamos continuar estudando sobre a água”. A professora, então, leu a história, chamando a atenção para as imagens. Nesse caso, a escuta funcionou como recurso para a compreensão de um conteúdo didático, mas contribuiu, também, para o alcance de atitudes favoráveis à formação de leitores. Isto porque, mesmo informando, estimulou a imaginação e a curiosidade, fazendo com que as crianças tivessem acesso ao texto, ao autor e a seu estilo de escrita. No entanto, compreendemos que só a escuta de textos não forma o leitor.

A escuta da história, conforme explicita Solé (2012), oportuniza a exploração, a partir do título, ao permitir que os aprendizes produzissem antecipações e previsões acerca do texto a ser lido, e até mesmo das utilidades da água. Entretanto, conforme já realçado, apenas na escuta não se forma o leitor autônomo. Vejamos o exemplo extraído do primeiro dia de observação, em que os conhecimentos sobre o conteúdo água também foram investigados. Os estudantes foram acompanhando a leitura da professora com apoio na escrita:

P2: [...] Todos estão enxergando? Vamos ver o nome da história? Quem quer fazer a leitura do título? (A maioria leu fluentemente o título).

P2: O que vocês pensam que é o mundinho azul? Todos: O Planeta.

P2: Quem escreveu a história foi Ingrid Biesemeyer Bellinghausen. (A professora então leu a história chamando a atenção para as imagens). Quais são as utilidades da água?

Todos: Beber, escovar os dentes, lavar [...]. P2: O que é água potável?

Todos: É quando está pronta para beber.

P2: Quando a água chega aqui, ela está suja (mostrou a imagem da estação de tratamento). Aqui na nossa cidade temos a CAESB. A água deve ser tratada para não transmitir doenças.

(P2 - 2º ANO, 1º DIA – 03/04/2018).

Observamos uma aproximação com as regras de poder, isto é, com o Currículo em Movimento (DISTRITO FEDERAL, 2014b), uma vez que a turma de 2º ano foi preparada e mobilizada para a leitura/escuta do texto e posteriores reflexões e análises. Até aquele momento, não ultrapassaram questões de fácil localização, bem como de opinião, já que esses dados também se aplicam à compreensão oral. Nas ações cotidianas, a docente reinventava e

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reformulava as prescrições curriculares e utilizava-as conforme suas necessidades (CERTEAU, 2014).

Atividade como esta aconteceu, também, durante a leitura da história Camilão, o comilão25, e funcionou para o levantamento dos conhecimentos prévios dos estudantes. Utilizou o datashow para ler e mostrar as imagens. No decorrer, interrompia a leitura e interagia com a turma, fazendo-os repetir a sequência/ordem em que o personagem da história recebia os alimentos.Por exemplo, o evento desencadeador desta narrativa, que é contada de maneira repetitiva, onde um mesmo acontecimento ocorre por acumulação: “E lá se foi novamente Camilão com sua cesta, uma melancia, duas abóboras, três queijos, quatro litros de leite, cinco milhos, seis bananas, sete potes de mel, oito alfaces, nove cenouras e dez avelãs e o guardanapo por cima”.

É importante pontuar que esse encaminhamento fez com que a turma participasse, respondendo ao que ela perguntava. Iniciou retomando com eles o que estavam trabalhando em Ciências, visto que permitia uma integração com a história lida. Notemos como conduziu esse momento:

P2: O que estamos estudando em Ciências? Todos: A pirâmide alimentar.

P2: Os alimentos que devemos comer sempre e aqueles que podemos comer de vez em quando (complementou). Gosto muito dessa autora! Na biblioteca da Escola tem vários livros dela. Vocês podem ler. O ilustrador é Fernando Nunes [...].

P2: Vamos repetir os alimentos na ordem em que Camilão os recebia de seus amigos?

Todos: Na cesta de Camilão tinha uma melancia, duas abóboras, três queijos, quatro litros de leite, cinco espigas de milho.

P2: Quantos alimentos ao todo? Todos: Quinze [...]

(P2 - 2º ANO, 6º DIA – 19/04/2018).

Além de mapear o conhecimento que os alunos já dispunham sobre o assunto e conservar as hipóteses para que eles pudessem buscar as respostas ou confrontá-las com os sentidos construídos ao longo da história, a docente, ao mesmo tempo, ao utilizar de história com repetição e acumulação26, lançou mão de um interessante recurso que favoreceu a compreensão, a memorização do texto pelas crianças, permitindo uma leitura compartilhada entre ela e os estudantes. Costumava apontar as palavras com uma régua.

25 MACHADO, Ana Maria. Camilão, o comilão. Coleção Batutinha. 1ª edição. São Paulo: Editora Salamandra,

2011.

26 As histórias com repetição e com acumulação favorecem a compreensão e a memorização do texto pelas

crianças, permitindo uma leitura autônoma. Esse tipo de estrutura facilita a antecipação do que virá por parte das crianças, tornando mais fáceis a leitura e a retenção da história. Disponível em: <https://www.portaltrilhas.org.br/>. Acessado em: 15 maio, 2019.

Autores como Morais (2012) e outros realçam a importância da memória no processo de aprendizagem. Todavia, essa estrutura facilitou a antecipação do que viria, tornando a leitura e a apropriação da história mais acessíveis. Essas situações de leitura participativa convidam as crianças a experimentarem novas maneiras de ler um texto, antes mesmo de dominar, convencionalmente, a leitura dos diferentes gêneros textuais. Desta maneira, os conhecimentos foram construídos por meio da leitura e da compreensão, partindo do que os estudantes já trouxeram de instrumentos, isto é, seus conhecimentos prévios. Quando o professor mobiliza e atualiza esses conhecimentos, as relações com os aprendizes passam a ser estabelecidas pelo que já sabem e pelo que precisam aprender, tornando a aprendizagem significativa.

Em outra ocasião em que estavam trabalhando o tema generosidade para uma apresentação na semana da criança, a professora oportunizou, coletivamente, a prática de recontar histórias ao rememorar, com os estudantes, o texto: A árvore generosa27, que conta sobre o amor entre uma árvore e um menino. Vejamos como conduziu este momento:

P2: Vamos relembrar a história da árvore generosa? Quando o menino era criança, o que fazia?

Todos: Fazia coroa com as folhas das árvores. P2: Ele gostava de?

Todos: Balançar nos seus ramos. P2: O tempo passou e?

Todos: Ele ficou grande.

P2: Continuou visitando a árvore? Todos: Não.

P2: Quando voltou, continuou brincando com a árvore? Todos: Não.

P2: O que ele fez?

Todos: Pediu dinheiro para a árvore. P2: A árvore deu?

Todos: Não, ofereceu as maçãs para ele vender. P2: Passou mais um tempo e?

Todos: Ele ficou mais velho. P2: O que disse a árvore?

Todos: Que precisava de uma casa. P2: Pediu o quê?

Todos: Os galhos para construir a casa.

P2: Depois de algum tempo, ele voltou e pediu? Todos: Um barco para viajar para bem longe. P2: O que a árvore fez?

Todos: Ofereceu seu tronco.

P2: Depois de algum tempo voltou e queria o quê? Todos: Sombra.

P2: A árvore não pode oferecer a sombra e ofereceu o toco para ele descansar. A árvore era feliz?

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Todos: Sim. Ela fazia o bem ajudando o menino.

P2: Ela não tinha o que o menino queria, mas oferecia o que podia. Na aula de ciências, vamos estudar cada parte da árvore.

(P2 – 2º ANO, 7º DIA – 04/10/2018).

Deste modo, nas aulas da P2 podemos assegurar que o conto e o reconto de histórias contribuíram para a apropriação de características dos gêneros textuais enfocados, bem como os aspectos relativos à análise e reflexão sobre a língua. Para iniciar uma nova unidade do livro didático (LD), ela leu um conto para os estudantes. O objetivo era expor o gênero textual e suas características. Para tanto, explicou aos alunos sobre o narrador (quem conta a história) e aproveitou para suscitar uma discussão acerca do personagem principal da história: A galinha ruiva.

Destacou o nome do autor e desenvolveu com eles uma série de atividades a partir deste conto, privilegiando todos os eixos de ensino da língua portuguesa, a saber: leitura silenciosa, coletiva e individual; questões de compreensão; características dos gêneros; e ilustração do trecho: “Logo o trigo começou a brotar e as folhinhas, bem verdinhas, a despontar. O sol brilhou, a chuva caiu e o trigo cresceu e cresceu, até ficar bem alto e maduro”. Também, os usos e reflexões sobre a língua: uso dos sinais de pontuação (travessão) e confecção de fantoches para a apresentação teatral da história em grupos.

Anteriormente à divisão da turma em grupos para realização dessa última atividade sugerida pelo LD, ela a explicou e, depois disso, distribuiu materiais para os grupos confeccionarem os personagens da história em fantoches de vara e organizarem uma apresentação teatral. Porém, antes que iniciassem a atividade, advertiu-os:

P2: Uma pessoa irá fazer a narração da história. (Deu um burburinho, já que todos queriam ser o narrador). Posso explicar primeiro? Quando fazemos trabalhos em grupos, não tomamos decisões sozinhos. As decisões são tomadas pelo grupo, nos grupos. Vou dividir os grupos e não quero ninguém falando que não quer ficar com fulano. Todos são colegas e tem que se darem bem. Nos grupos vamos decidir quem serão os personagens da história. Quem são eles?

Todos: A galinha, o gato, o cão, o porquinho e o peru.

P2: Vocês vão ensaiar nos grupos para depois apresentarem aos colegas. Primeiro vão decidir quem representará qual personagem. Precisamos de seis em cada grupo [...]. Vamos ver como faremos! (Contaram a quantidade de alunos presentes e a professora enturmou/organizou-os). Não faça muito pequenininho. Vou entregar cartolina para vocês colarem os personagens. Assim, ficará mais durinho! [...]. Colaborar é importante? Quando o trabalho é difícil, alguns não querem colaborar, mas quando a hora é boa, todos querem participar. Por que isso costuma acontecer? Você já passou uma situação assim? Conte para os colegas e ouça o que eles vão contar. Você teria ajudado a galinha ruiva? Por quê?

Os alunos ensaiaram, primeiro relembrando a história em voz alta (reconto coletivo) com o auxílio da professora. Rememoraram cada passagem da história e, por último, cada grupo apresentou-se para a classe. No momento do ensaio, fizeram barulho, pois, empolgados, todos queriam falar ao mesmo tempo e alto. Os narradores foram lendo a história e os demais personagens participavam no momento de suas falas. Saíram-se muito bem!

Durante as apresentações, sentaram-se no chão, no centro da sala de aula. Organizaram- se para assistirem aos três grupos. Achei interessante a forma em que o LD era organizado. Trazia os diferentes gêneros textuais por meio de sequências de atividades, perpassando os eixos da língua, culminando com a produção textual. Percebi que a P2 conhecia as necessidades de cada aluno, quando chamava a atenção para aspectos já explicitados. Isso é muito bom! Demonstrou que zelava pelas aprendizagens de todos.

Com base nessa experiência de ensino, podemos dizer, assim como Leal, Brandão e Lima (2012), que a dimensão da oralização do texto escrito está ligada tanto à leitura como ao desenvolvimento da habilidade oral, como os aspectos da entonação da voz, os gestos. Podemos abordar esses aspectos por meio da leitura do texto em voz alta, da recitação de poesias, a representação teatral na qual o texto foi decorado, entre outros. Todos são recursos que podem ser ensinados na escola, a exemplo do que fez a professora.

Podemos dizer que ela, em seu pensar-fazer, não revelou resistência a essa forma de trabalho em grupo, pois nem sempre é utilizado no cotidiano da alfabetização. No entanto, ela o empregou em três outros momentos ao longo das observações. Nesse sentido, salientamos que havia, na turma investigada, um comprometimento afetivo que se materializava na condução didática e pedagógica do processo de alfabetização por meio dos diversos procedimentos (CHARTIER, 2007).