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A prática da participação efetiva

No documento Orçamento participativo (páginas 110-116)

Evidenciou-se nos capítulos primeiro e segundo que todos os recursos públicos estão contemplados no nosso sistema jurídico positivo, o qual tanto na sua arrecadação quanto na sua aplicação possui um engessamento, sendo provavelmente o motivo pelo qual a participação popular no processo orçamentário somente pode ocorrer na órbita da despesa pública e ainda só na destinada a investimentos, já que nas outras despesas, como a categoria econômica despesas correntes, na qual se destacam os gastos com pessoal, e nas receitas públicas ocorre a impossibilidade legal de uma prática participativa.

É necessário que se avance no Orçamento Participativo, que se lute para que a sociedade civil possa interferir não só na aplicação de parcos recursos (apenas no setor de investimento), mas também na gestão das outras despesas públicas e da receita pública.

Há necessidade de ampliar a democratização do Orçamento Participativo sob pena de colocar em risco sua própria natureza, pois não basta que a população escolha prioridades de investimentos, eleja seus delegados e volte para casa. Se assim for, corre o risco de servir apenas como legitimador das ações do governo.

3.4.1 O processo de participação

Como resultou evidenciado no capítulo primeiro, o orçamento público no Brasil encontra-se estruturado em um ciclo de quatro fases, quais sejam: elaboração da proposta orçamentária, de competência do Poder Executivo, discussão, votação e aprovação da lei orçamentária, a cargo do Poder Legislativo, execução do orçamento e controle da execução do orçamento.34

A prática orçamentária no Orçamento Participativo difere daquele porque o processo da participação nas definições do gasto com investimentos no orçamento municipal ocorre em três etapas e segundo duas modalidades de participação: a regional e a temática, ou seja, antes de iniciar o ciclo orçamentário já mencionado no capítulo primeiro, ocorre um outro ciclo, conforme demonstrado no anexo XVIII.

Luciano Fedozzi ensina que o processo de participação ocorre em três etapas e com duas modalidades de participação: assembléias regionais e assembléias temáticas,

ocorrendo concomitantemente e através de uma mesma dinâmica, porém, diferindo quanto ao caráter da agenda de discussão, pois nas assembléias regionais tem-se demandas territorializadas e nas assembléias temáticas decorrem temas específicos, mas referentes ao conjunto das regiões em que foi dividida a base territorial da cidade (16 regiões).35

As três etapas em que se desenvolve o ciclo anual do OP-PoA são: 1) realização das Assembléias Regionais e Temáticas; 2) formação das instâncias institucionais de participação, tais como o Conselho do Orçamento e os Fóruns de Delegados; 3) discussão do orçamento do Município e aprovação do Plano de Investimentos pelos representantes dos moradores no Conselho do OP.36

Entretanto, antes das plenárias do Orçamento Participativo ocorre

um conjunto de informações transmitidas pelas associações comunitárias, por meio dos jornais de bairro, dos boletins das entidades e mesmo de panfletos especialmente redigidos pelo governo municipal, convocando para a assembléia. O govemo, caso seja solicitado, coloca à disposição dos delegados e conselheiros da região um carro de som para passar nos principais locais dos bairros e das vilas, nos dias que precedem a reunião, informando o local e o horário da mesma, que é aberta a qualquer cidadão.37

Ainda, antes do início da plenária, ocorre o credenciamento de cada participante, com o nome e endereço, para registro do quórum e verificação de que a plenária se realiza com pessoas residentes na região onde a mesma acontece. Para evitar espera e cansaço, a Secretaria Municipal de Cultura promove atividades com sessões culturais de teatro e shows,

35 As idéias destes próximos parágrafos, com algumas modificações formais no texto, estão em FEDOZZI, Luciano. Orçamento Participativo e esfera pública: elementos para um debate conceituai. In: FISCHER, Nilton Bueno e MOLL, Jaqueline (Orgs). Por uma nova esfera pública: a experiência do Orçamento Participativo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, pp. 56-65.

36 FEDOZZI, Luciano. Op. cit, p. 56.

‘,7 GENRO, Tarso e SOUZA, Ubiratan. Orçamento Participativo: a experiência de Porto Alegre. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997, p.28.

em cuja programação informam a comunidade acerca de questões sociais de âmbito local e nacional.

Dessa forma, na primeira etapa do ciclo, ocorrem as Assembléias Regionais em cada uma das 16 regiões da cidade, enquanto as Plenárias Temáticas, atualmente em número de seis (1-Transporte e Circulação; 2-Educação e Lazer; 3-Cultura; 4-Saúde e Assistência Social; 5-Desenvolvimento Econômico e Tributação; 6- Organização da cidade e Desenvolvimento Urbano), acontecem em locais que independem da divisão regional da cidade, acabando por determinar 22 assembléias, sendo 16 regionais e seis temáticas, que ocorrem em duas "rodadas" oficiais por ano, que se diferenciam por suas pautas de trabalho.

Como forma preparatória das assembléias, geralmente no mês de março, acontecem reuniões autônomas dos moradores, sem qualquer ingerência por parte do Executivo municipal, as quais objetivam levantar as demandas dos moradores.

Uma plenária é sempre precedida de uma certa tensão política, não só porque a presença do prefeito e dos secretários municipais excita e estimula críticas e apresentação de demandas, mas também porque existem contradições entre as próprias lideranças da região, que disputam entre si um papel mais efetivo no

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processo.

Consta da pauta da primeira rodada, que geralmente acontece nos meses de março e abril, a prestação de contas, pelo Executivo, do Plano de Investimentos do ano anterior e sua avaliação pelos moradores da região e/ou participantes das temáticas e pelo Executivo, bem como a apresentação do Plano aprovado para o orçamento vigente; e as primeiras eleições para os Fóruns de Delegados, cujo critério é de um delegado para cada dez pessoas presentes na assembléia, sendo que os demais delegados são escolhidos na segunda etapa do processo.

A questão encontra-se assim disposta no Regimento Interno do Orçamento Participativo:

Artigo 6o - As regiões e Temáticas definirão o número de seus delegados na Ia Assembléia Geral Popular (Ia rodada) na seguinte proporção: l(um) delegado para cada dez participantes dentre aqueles devidamente identificados nas listas de presença no dia da plenária.Parágrafo Primeiro: Os participantes da Ia Assembléia Geral Popular (I a rodada) deverão se identificar na lista de presenças, indicando a comunidade, associação ou segmento a qu a l pertence,

para que a partir da correta identificação possa ser definido pelo critério da proporcionalidade qual o número exato de delegados(as) que terá cada comunidade, associação ou segmento participante da rodada de urna região/temática.

Parágrafo Segundo: N o processo preparatorio das regiões e temáticas (rodadas intermediárias) inicialmente poderão ser eleitos novos delegados(as) na mesma proporção, em Plenária chamada para este fim. Ñas rodadas intermediárias o Governo através das Secretarias apresenta o seu diagnóstico das demandas, na perspectiva de avaliar a importância das mesmas para a cidade e a sua viabilidade, qualificando o processo de hierarquização.

Há que se destacar, neste ponto, o papel dos Coordenadores Regionais do Orçamento Participativo - CROP, no sentido de trabalhar por consenso a lista de oradores, de tal forma que se privilegie cada uma das microrregiões. O Regimento Interno do Orçamento Participativo aprovado para 2001/2002 assim dispõe no seu artigo 29:

Artigo 29 - As reuniões do Conselho são públicas, sendo permitida a livre manifestação dos titulares e suplentes presentes sobre assuntos da pauta, respeitada a ordem da inscrição, que deverá ser requerida à coordenação dos trabalhos.

Parágrafo Único - O Conselho do Orçamento Participativo poderá deliberar por conceder o direito a voz para outros presentes através de votação específica na reunião em curso.

Antes de iniciar a segunda rodada, que acontece nos meses de junho e julho, ocorrem

reuniões preparatórias ’'intermediárias", organizadas pela população mas que contam com o acompanhamento de um representante do Executivo, nas quais cada região ou assembléia temática escolhe três prioridades setoriais por ordem de importância. Assim, por exemplo: Ia- saneamento, 2a-pavimentação de vias e 3a-saúde, bem como ocorre a hierarquização das obras propostas pelos moradores em cada vun dos setores priorizados de investimentos, como no setor de saneamento básico, esgoto cloacal: Ia- Vila X, 2a-Vila Y. Referidas listas, após aprovadas, são encaminhadas ao Executivo.

Após as decisões da comunidade acerca da escolha das prioridades de investimentos, somente poderá haver alteração pelos conselheiros por três razões: motivos técnicos, financeiros ou legais e após análise pelos órgãos competentes. Tal aspecto passou a ser observado a partir do exercício financeiro de 2000, sendo previsto no artigo 22 do Regimento Interno do OP que assim diz:

As decisões anteriores da comunidade no processo de escolha das prioridades da cidade, não serão passíveis de alterações posteriores pelos conselheiros, a não ser por justificativa técnica, financeira ou legal após efetuada a análise pelos órgãos competentes.

Determina o Regimento Interno do Orçamento Participativo de 2001/2002, anexo XVII, que no momento das rodadas intermediárias, a escolha de delegado deva ser realizada somente para suprir delegados de comunidades que não tenham nenhuma representação.

Sobre a atribuição dos delegados dispõe o Regimento Interno do OP para 2001/2002:

Artigo 32 - São atribuições dos delegados(as):

a) Conhecer, cumprir e fazer cumprir o presente Regimento Interno;

b) Participar das reuniões no mínimo uma vez por mês organizadas pelos conselheiros(as) nas regiões e temáticas.

c) Apoiar os conselheiros(as) na informação e divulgação para a população dos assuntos tratados no COP - Conselho do Orçamento Participativo;

d) Acompanhar o Plano de Investimentos, desde a sua elaboração até a conclusão das obras;

e) Compor as comissões temáticas (exemplo: saneamento, habitação e regularização fundiária) com o objetivo de debater a construção de Diretrizes Políticas. Estas comissões poderão ser ampliadas com pessoas da comunidade (as comissões temáticas poderão desdobrar-se em comissões de acompanhamento de obras);

f) Deliberar, em conjunto com conselheiros(as), sobre qualquer impasse ou dúvida que eventualmente surja no processo de elaboração do Orçamento; g) Propor e discutir os critérios para seleção de demandas nas microrregiões e regiões da cidade e temáticas, tendo como orientação geral os critérios aprovados pelo Conselho;

h) Discutir, propor sobre a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e, no primeiro ano de cada mandato da Administração municipal, o Plano Plurianual, apresentados pelo Executivo;

i) Deliberar em conjunto com os Conselheiros(as), alterações no Regimento Interno no COP e modificações no processo do Orçamento Participativo.

j) Formar as Comissões de Fiscalização e Acompanhamento de obras, desde a elaboração do projeto, licitação, até sua conclusão.

1) Organizar um Seminário de Capacitação dos delegados sobre Orçamento Público, Regimento Interno, Critérios Gerais e Técnicos, com a produção de material específico para melhorar a qualidade da informação,

m) Encaminhar demandas das suas comunidades em prazo determinado pelo fórum de delegados(as), regional ou temático.

n) Votar e defender interesse comum em nome dos demais delegados(as) de sua comunidade.

o) Votar as propostas de pauta e demandas do Orçamento Participativo,

p) Poderá ser exercido o papel de delegado(a) apenas em uma região e uma temática no mesmo mandato.

Já a segunda rodada de Assembléias Regionais e Temáticas ocorre nos meses de junho e julho, sendo organizada com a seguinte pauta: o Executivo apresenta os principais

elementos (receitas /despesas) que devem direcionar a elaboração do orçamento do próximo ano, bem como a proposta de critérios para distribuição dos recursos de investimentos; os representantes comunitários expõem as demandas e prioridades aprovadas nas reuniões intermediárias das regiões e nas plenárias temáticas e são eleitos os representantes ao Conselho do Orçamento Participativo, com escolha de dois membros titulares e dois suplentes em cada região e em cada plenária temática.

Após esta segunda rodada de assembléias regionais e temáticas, dá-se início à elaboração da proposta orçamentária. Assim, de maio a agosto, as Secretarias preparam as demandas institucionais e analisam as das comunidades.

É na segunda etapa do processo que se formam as instâncias institucionais de participação comunitária: o Conselho do Orçamento Participativo (COP) e os Fóruns de Delegados (16 regionais e seis temáticos).

Por último, a terceira fase do ciclo, que se inicia com a posse dos novos conselheiros e delegados, nos meses de julho e agosto. É a fase de detalhamento na confecção do orçamento. Ocorre a discussão do orçamento do município e aprovação do plano de investimentos pelos representantes dos moradores no Conselho do Orçamento Participativo. Nos últimos meses do ano são detalhados os diversos investimentos por regiões e os investimentos gerais propostos pelas plenárias temáticas.

Encerra-se o ciclo anual do Orçamento Participativo quando o Executivo encaminha o projeto da lei orçamentária para o Legislativo, sendo na data de 15 de julho em se tratando de Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO, ou 30 de setembro se for a Lei Orçamentária Anual - LOA.39

Como já analisado, há previsão de instâncias regulares de tomada de decisão constituídas por delegados eleitos, criadas em diferentes níveis: 16 Fóruns Regionais que reúnem os delegados de diferentes bairros em diversas partes da cidade; 6 Plenárias Temáticas que incorporam ativistas de todas as regiões; e um Conselho do Orçamento Participativo formado por representantes de todos os Fóruns Temáticos e Regionais.

Importante salientar que as Assembléias Regionais e as Assembléias Temáticas são concomitantes e obedecem à mesma dinâmica, diferindo quanto ao caráter da agenda da discussão. No caso das Assembléias Regionais, as demandas são territorializadas. Já nas Assembléias Temáticas, os temas são específicos, mas referentes ao conjunto das 16 regiões da cidade.

Em resumo, o ciclo anual do Orçamento Participativo se desenvolve em três etapas: Ia) nos meses de março a julho, quando ocorre a Ia rodada de Assembléias Regionais e Temáticas, Reuniões Intermediárias nas Regiões e Temáticas e a 2a Rodada de Assembléias Regionais e Temáticas; 2a) nos meses de maio a agosto, quando se dá início a elaboração da proposta orçamentária; e 3a), no período de julho a dezembro, com a posse do novo Conselho do Orçamento, o qual irá discutir a proposta de orçamento e votar o plano de investimento, encaminhando-o ao Prefeito para envio da mesma para o Poder Legislativo, iniciando-se, assim, o ciclo orçamentário do orçamento tradicional.

Toda a complexidade desta estrutura faz com que, por vezes, se dificulte ao cidadão a sua compreensão, e até a noção do seu funcionamento e onde o mesmo possa estar inserido. Assim, a dificuldade contemporânea de organizar o coletivo convoca o cidadão a participar, talvez não por seu engajamento em uma proposta de implicação com a sociedade, mas muito mais numa busca de satisfazer suas necessidades, que é da ordem do pessoal/individual.

No documento Orçamento participativo (páginas 110-116)