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O processo de planejamento e a gestão democrática sob o enfoque do Estatuto

No documento Orçamento participativo (páginas 89-92)

Diversas lutas que têm raízes na década de 60 voltaram a ter voz com a Constituinte, quando diversos atores sociais pleiteavam “Reformas de Base”, merecendo destaque pela participação da sociedade organizada, pressionando e construindo espaços de co-gestão, as áreas que envolvem políticas pela Reforma Urbana. O reordenamento institucional que a ela se seguiu, consagrou a função social da propriedade e da cidade, num capítulo inédito sobre a questão urbana que prevê o planejamento e a gestão participativa das suas políticas.

Segundo as projeções de 1998 do Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona, "nesta década a metade dos habitantes do planeta viverão em cidades (3,3 bilhões de 6,7 bilhões) numa taxa de crescimento que os recursos ambientais disponíveis, com os níveis de exploração atuais dos recursos naturais não podem suportar". Assim, toma-se óbvio afirmar a importância que se reveste o Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257 de 10 de julho de 2001).

Referida norma tramitou no Congresso Nacional durante onze anos, vindo finalmente regulamentar os artigos 182 e 183 da CF/88, referente ao capítulo de política urbana. Certo é que a lei sozinha não irá resolver os históricos problemas citadinos, mas com ela os Municípios têm a oportunidade de melhor cumprir seu papel de sujeito responsável pela formulação, implementação e avaliação da política urbana, permitindo que, de fato, todos os moradores da cidade participem do processo e sejam os beneficiários de suas justas ações.

As diretrizes gerais estabelecidas no Estatuto da Cidade buscam orientar a ação de todos os agentes responsáveis pelo desenvolvimento da esfera local. Indica que as cidades devem ser tratadas como um todo, rompendo a visão de

80 BERGUE, Sandro Trescastro. Sistemas de planejamento e controle interno e a análise de desempenho

baseada em indicadores de eficácia: a proposição de uma abordagem das despesas pública em educação focada

parcelar e setorial do planejamento urbano até agora praticado. Além disso, evidencia que o planejamento deve ser entendido como processo construído a partir da participação permanente dos diferentes grupos sociais para sustentar e se adequar às demandas locais e às ações públicas correspondentes.81

A nova lei delega a tarefa de definir o que significa cumprir a função social da cidade e da propriedade urbana para os municípios, oferecendo-lhes uma nova concepção de planejamento e gestão urbanos, prevendo uma nova estratégia de gestão que incorpora a idéia de participação direta do cidadão em processos decisorios sobre o destino da cidade.

O Estatuto da Cidade, ao regulamentar referidos dispositivos constitucionais, elege como instrumentos para o cumprimento da função social da propriedade, dentre outros, a gestão democrática e o plano diretor, sendo este obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes e a peça básica para a aplicação da maioria dos demais instrumentos contidos no Estatuto. Além disso, fixa importantes princípios básicos que irão nortear estas ações: função social da cidade e da propriedade urbana; justa distribuição dos benefícios e dos ônus decorrentes do processo de urbanização; adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar e a fruição dos bens de diferentes segmentos sociais.

Como já referido acima, as atribuições do poder público municipal foram expandidas a partir da CF/88. Nela o Município ganha posição de destaque na organização político- administrativa do país, sendo dotado de autonomia política, administrativa, financeira e legislativa. As possibilidades de ação do gestor municipal, com a vigência do Estatuto, se ampliam e se consolidam.

O Estatuto da Cidade estabelece a gestão democrática, garantindo a participação da população urbana em todas as decisões de interesse público. A participação popular está prevista e, através dela, as associações representativas dos vários segmentos da sociedade se desenvolvem em todas as etapas de construção do Plano Diretor - elaboração, implementação e avaliação - e na formulação, execução e acompanhamento dos demais planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano municipal. Está fixada, ainda, a promoção de audiências públicas. Nelas, o governo local e a população interessada nos processos de implantação de empreendimentos públicos ou privados, ou atividades com efeitos potencialmente negativos

81 OLIVEIRA, Isabel Cristina Eiras de. Estatuto da cidade: para compreender. Rio de Janeiro: IBAM/DUMA, 2001, p. 14.

sobre o meio ambiente natural ou construido, podem discutir e encontrar, conjuntamente, a melhor solução para a questão em debate, tendo em vista o conforto e a segurança de todos os cidadãos.82

O Estatuto apresenta uma nova concepção de planejamento urbano que depende fundamentalmente dos Planos Diretores e da legislação municipal específica que aplique seus dispositivos na cidade. Entretanto, os cidadãos têm o direito e o dever de exigir que seus governantes encarem o desafio de intervir, concretamente, sobre o território, na perspectiva de construir sua cidade com autonomia política, administrativa, financeira e legislativa, promovendo uma maior articulação entre os diversos segmentos da sociedade local, formulando uma política urbana e fazendo cumprir, através do plano diretor, as funções sociais da cidade.

O Estatuto da Cidade ainda dedica o capítulo IV à gestão democrática da cidade, no qual evidencia-se

que sem a compreensão mais profunda dos processes e conflitos em jogo na questão urbana, dificilmente se atenderá aos princípios constitucionais de direito de todos à cidade, da função social da propriedade e da justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização.83

A previsão de que as associações de moradores podem representar em juízo a vontade de seus membros, a garantia de espaços para a participação popular através do direito de acesso a informações nos órgãos públicos e de veto a projetos de leis contrários ao interesse da população, bem como das audiências públicas, conselhos municipais, plebiscito e referendo, garante a efetividade de um dos grandes avanços da CF/88, que foi a incorporação da participação dos cidadãos nas decisões de interesse público.

A certeza de que o Estatuto da Cidade foi uma vitória demonstra a necessidade de continuar firmes, democráticos, abertos e solidários, nesta longa e difícil jornada na busca da construção de novas relações entre o Estado e a sociedade de cunho democratizante. Assim, dentro da ótica de novos saberes societários de caráter emancipatório, em patamares de eqüidade social e política, destaca-se a experiência do Orçamento Participativo, prática orçamentária utilizada há mais de uma década pelo município de Porto Alegre/RS, a ser estudado no capítulo III.

82 OLIVEIRA, Isabel Cristina Eiras de. Op. cit. p. 8. 83 Id. Ibid., p. 8.

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

No documento Orçamento participativo (páginas 89-92)