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A PRÁTICA REFLEXIVA E A BASE DO CONHECIMENTO PARA O

Na década de 80, Shulman (1986, 2005) começou a se interessar e a pesquisar a respeito do Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (Pedagogical Content

Knowledge), ou seja, de que modo os professores se manifestam ao relacionar o

conhecimento da disciplina, com sua prática, e com base nisso decidir sua ação.

Mizukami (2004, p. 38) ao referir-se sobre o conhecimento afirma,

A base do conhecimento para o ensino consiste de um corpo de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições que são necessárias para que o professor possa propiciar processos de ensinar e de aprender, diferentes áreas de conhecimento, níveis, contexto e modalidades de ensino. Essa base envolve conhecimento de diferentes naturezas, todos necessários e indispensáveis para a atuação docente. É mais limitada em curso de formação inicial, e se torna mais aprofundada, diversificada e flexível a partir da experiência profissional refletida e objetivada.

Para Shulman (1986; 2005) é necessário que os docentes adquiram conhecimentos e competências para ensinar a disciplina de sua formação. Com base nisso, Shulman (1986) categorizou diferentes tipos de conhecimentos necessários à profissão docente que podem ser agrupados em três: da disciplina (subject

knowledge matter), pedagógico ou didático do conteúdo (pedagogical knowledge matter) e o curricular (curricular knowledge).

O primeiro refere-se aos conhecimentos específicos da disciplina ministrada pelo professor e englobam a compreensão e a organização de fatos, conceitos, procedimentos relacionados à área específica. Shulman (2005) afirma que isso ainda não é o suficiente para garantir um aprendizado, é necessário portanto, que o professor encontre meios de auxiliar o processo de ensino-aprendizagem desses alunos.

Shulman (2005) afirma que é necessário que o docente compreenda e organize os conteúdos a serem ensinados, fazendo uma relação entre a sua disciplina e outras áreas de conhecimento. Nesse caso a teoria trabalhada num curso de formação é imprescindível para o desenvolvimento da disciplina a ser ministrada. Ter uma visão sob diferentes perspectivas do mesmo conteúdo, o que pode ser proporcionado pela formação acadêmica, pode facilitar o desenvolvimento de diferentes formas de trabalhar o conteúdo em sala de aula. Segundo Shulman (1986) as políticas públicas e os pesquisadores ao analisarem o processo de ensino na sala de aula, deixam de fora um fator importante relacionado a isso, que é o conhecimento do conteúdo da disciplina ministrada pelo professor. O docente não deve conhecer apenas a teoria ou técnicas relacionadas à sua disciplina, mas ter um conhecimento suficiente para fazer uma transposição didática2 que possa auxiliar no processo de ensino- aprendizagem dos alunos.

O segundo conhecimento apontado por Shulman (1986) é o conhecimento pedagógico que está relacionado aos diferentes tipos de saber. Misukami (2004, p. 39) sobre esse conhecimento aponta que,

É o conhecimento que transcende uma área específica. Inclui conhecimentos de teorias e princípios relacionados aos processos de ensinar e aprender; conhecimentos de alunos (características dos alunos, processos cognitivos, e desenvolvimentais de como os alunos aprendem); conhecimento de contextos educacionais envolvendo tanto contextos micro, tais como grupos de trabalhos ou sala de aula e gestão da escola, até os contextos macro como o de comunidades e de culturas, de manejo de classe e de interação com os alunos, conhecimentos de outras disciplinas que podem colaborar com a compreensão dos conceitos de sua área, do currículo como política em relação ao conhecimento oficial e como programas e materiais destinados ao ensino de tópicos específicos e da matéria em diferentes níveis e conhecimentos de fins, metas e propósitos educacionais e de seus fundamentos filosóficos e históricos.

O conhecimento curricular engloba além dos objetivos e conteúdos relacionado à sua disciplina, os materiais didáticos e a capacidade de fazer diferentes articulações desse conteúdo a ser desenvolvido em sala de aula. Assim, esse conhecimento não

2 Segundo Yves Chevallard a transposição didática refere-se a “um conteúdo de saber que tenha sido

definido como saber a ensinar, sofre, a partir de então, um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O ‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a ensinar, um objeto de ensino, é chamado de transposição didática” (CHEVALLARD, 1991, p.39).

está relacionado apenas à teoria, mas auxilia o professor a articular e direcionar sua prática profissional.

Mizukami (2004) aponta três vertentes do conhecimento relacionados à teoria de Shulman (1986, 2005), sendo eles: conhecimento do conteúdo específico, conhecimento pedagógico geral e o conhecimento pedagógico do conteúdo. A autora afirma que o conhecimento pedagógico do conteúdo é um novo tipo de conhecimento, que está em constante construção e está relacionado à experiência e a prática do docente.

Quadro 1 – Representação dos Conhecimentos apontados por Shulman (1986)

Fonte: Allain (2000)

Sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo, Shulman (1986) diz que é o que incorpora os conteúdos mais importantes a serem estudados, englobando as representações mais úteis, as analogias mais eficazes, ilustrações, bem como exemplos e demonstrações. Shulman (1986) também inclui nesse conhecimento as

concepções e pré-concepções que os estudantes possuem e que podem interferir no processo de ensino-aprendizagem. Mizukami (2004, p.40) afirma que esse conhecimento tem fundamental importância em processos de aprendizagem da docência considerando que,

É o único conhecimento pelo qual o professor pode estabelecer relação de protagonismo. É de sua autoria. É aprendido no exercício profissional, mas não prescinde de outros tipos de conhecimento que o professor aprende via cursos, programas, estudo de teorias, etc. É importante, por fim, que se considere que embora Shulman não coloque de forma destacada o conhecimento da experiência como uma categoria de base do conhecimento, a experiência está presente em todo o processo de raciocínio pedagógico, [...], e é condição necessária (embora não suficiente) para a construção do conhecimento do conteúdo por parte do professor.

Nesse caso, o docente em formação ao ser colocado em situações de prática e reflexão sobre a ação desenvolvida, poderá contribuir com o desenvolvimento de diferentes conhecimentos, inclusive o da experiência. Além disso, possibilita a relação do conhecimento adquirido na faculdade com o conhecimento do conteúdo a ser ensinado na sala de aula.

Shulman (2005) aponta outros conhecimentos que estão relacionados com a profissão docente, classificando-os em: conhecimentos do conteúdo, conhecimento pedagógico geral, do currículo, pedagógico do conteúdo, dos alunos e suas características, do contexto educativo e o conhecimento relacionado aos objetivos, finalidades e valores educacionais. Como podemos observar Shulman (2005) mantém os conhecimentos destacados no início de sua pesquisa e identifica a necessidade de ampliá-los criando novas categorias relacionadas à profissão docente.

Shulman (2005) identifica que o trabalho do professor não está relacionado apenas a sua disciplina e ao ensino do conteúdo, há outros fatores que interferem nesse processo. Dentre esses fatores destaca o próprio aluno, o contexto escolar no qual está inserido e, além do conteúdo da sua disciplina quais outros valores que serão agregados na educação.

Outra definição apontada por Shulman (2005) está relacionada ao processo de raciocínio pedagógico, que é o ato de acionar tais conhecimentos, relacioná-los e a

partir daí, construir novos conhecimentos durante o processo de ensino- aprendizagem. Segundo Mizukami (2004) tal processo é concebido a partir da perspectiva do professor e, é constituído a partir de seis processos relacionados ao ato de ensinar, sendo eles: a compreensão, a transformação, as formas de ensino ou instrução, a avaliação e a reflexão e a nova compreensão.

Podemos observar que a compreensão está presente tanto no início quanto no final desse processo. O que ocorre é que o docente, a partir da compreensão do conteúdo a ser ensinado faz a transposição didática, ou seja, transforma a teoria relacionada ao conteúdo a ser trabalhado em sala de aula em um saber a ser ensinado numa linguagem acessível aos alunos. Além disso, para Shulman (2005) as formas de ensino referem-se à gestão em sala de aula e estão ligadas à ação e à relação do professor com a turma. A avaliação deverá estar presente em todo o processo de ensino e, após como meio de averiguar a compreensão dos alunos em relação ao conteúdo. É a partir da reflexão de todos os processos anteriores que o professor avalia suas ações e, a partir de então constrói novas compreensões e novos conhecimentos.

A prática reflexiva é destacada por Schön (2000) como uma ação importante para o desenvolvimento da profissão, inclusive para aquele profissional ainda em formação. Donald Schön (2000), na década de 90, foi um dos precursores a falar de um currículo no curso de formação que não fosse dividido em duas vertentes: primeiro a teoria e depois a prática e, por último o estágio que pudesse abranger o conhecimento técnico-profissional desses alunos. Pimenta e Lima (2010, p. 48) ao falar sobre Donald Schön afirmam que,

Valorizando a experiência e a reflexão na experiência, [...] Schön propõe uma formação baseada numa epistemologia da prática, ou seja, na valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimento por meio da reflexão, análise e problematização dessa prática e a consideração do conhecimento tácito, presente nas soluções que os profissionais encontram em ato.

Essa epistemologia da prática também é citada por Tardif (2000, p. 10) que a define como “um estudo do conjunto de saberes utilizado realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas”. A epistemologia da prática profissional refere-se ao conhecimento próprio de cada

profissão, assim o que distingue uma profissão de outra é a natureza do conhecimento envolvido. Tardif (2000) afirma que na educação essa profissionalização refere-se a uma tentativa de reformular e renovar os fundamentos epistemológicos da profissão docente.

Nesse caso, para Tardif (2000, p. 11) a epistemologia da prática da profissão docente visa averiguar os saberes, como esses são integrados no exercício profissional e,

Como esses os incorporam, produzem, utilizam, aplicam e transformam em função dos limites dos recursos às suas atividades de trabalho. Ela também visa a compreender a natureza desses saberes, assim como o papel que desempenham tanto no processo de trabalho docente quanto em relação à identidade profissional dos professores.

A noção de Saber para Tardif (2000, p.11) refere-se ao saber, saber-fazer e saber- ser e, engloba conhecimentos, competências, habilidades e atitudes de um indivíduo. Segundo esse autor, o saber reflete ainda o que os profissionais dizem a respeito de seus próprios saberes profissionais. Tardif (2000) afirma ainda que esses saberes estão a serviço da ação e é nessa ação, ou seja, na prática que esses saberes vão assumindo significado e utilidade.

Outro ponto destacado por Schön (2000) é o conhecimento-na-ação que segundo ele é aquele que orienta toda ação ou atividade desenvolvida pelo ser humano, ou seja, está relacionada ao saber-fazer. Segundo esse autor há um conhecimento em toda e qualquer ação, porém ele pode se tornar tácito, inconsciente e até mesmo repetitivo diante de novas situações. Para que isso não ocorra o autor propõe a reflexão relacionada à prática. Esse autor destaca a importância da prática na formação do profissional de forma a valorizar a reflexão sobre essa prática. Schön (2000), ao falar sobre a prática reflexiva, aponta três momentos:

- A reflexão sobre a ação, que significa refletir sobre nossas ações após o momento em que elas aconteceram, de modo a verificar como nossos atos possibilitaram nos conhecermos-na-ação de uma situação inesperada.

- A reflexão-na-ação, é a reflexão que gera um experimento imediato trazendo uma imediata significação para a ação. Na apreciação da ação imediata podemos colocar em ação um vasto repertório de imagens e ações.

- A reflexão sobre a reflexão-em-ação passada pode interferir nas nossas ações futuras por meio de um repensar sobre as ações já realizadas, pensando em novas possibilidades e outras estratégias que poderiam ser utilizadas.

É importante destacar a relação que está envolvida na reflexão sobre a ação, a partir da reflexão-na-ação apontada por Schön (2000, p. 234),

Em minha visão, esses requisitos podem ser melhor atingidos conferindo um lugar central ao ensino prático reflexivo como um ambiente para a criação de pontes entre a escola e os mundos da universidade e da prática. Para que se construam pontes entre a ciência aplicada e a reflexão-na- ação, a aula prática deveria tornar-se um lugar onde os profissionais podem refletir sobre suas próprias teorias tácitas a respeito dos fenômenos da prática.

Essa concepção propõe que o profissional não tenha uma formação moldada por um currículo normativo e, sim, que sejam capazes de resolver problemas e refletir sobre determinadas situações e propor novas ações. Assim segundo Pimenta e Lima (2010, p. 48),

[...] Schön propõe que a formação dos profissionais não mais se dê nos moldes de um currículo normativo que primeiro apresenta a ciência, depois a sua aplicação e por último um estágio que supõe a aplicação pelos alunos dos conhecimentos técnicos-profissionais. O profissional assim formado não consegue dar respostas às situações que emergem no dia a dia profissional, porque estas ultrapassam os conhecimentos elaborados pela ciência e as respostas técnicas que esta poderia oferecer ainda não estão formuladas.

Ponte (2012, p. 85, 86) aponta que o conhecimento profissional do professor “embora sujeito a múltiplas influências, assume uma especificidade própria em função da sua atividade e das condições em que esta é exercida”. Nesse sentido esse conhecimento apesar de estar embasado em um conhecimento teórico, social e experiencial está, sobretudo, relacionado à prática desse profissional. Esse autor destaca ainda que esse conhecimento resulta da reflexão sobre a prática, “na

experiência reflectida (sic), sistematizada e validada pelo grupo profissional específico e reconhecido pela sociedade”.

Segundo Ponte (2012) o conhecimento profissional específico do professor de Matemática pode ser classificado em quatro vertentes, sendo elas: o conhecimento da Matemática, do currículo, relacionado ao aluno e aos seus processos de aprendizagem e o conhecimento dos processos de trabalho na sala de aula. O conhecimento didático está relacionado à transposição didática que esse professor faz em relação à disciplina de Matemática, e perpassa por todos os conhecimentos ditos anteriormente. Ponte (2012) classifica esse conhecimento como didático ao invés de pedagógico e afirma que ele é orientado pela prática.

Figura 1 - Modelo proposto das vertentes do conhecimento didático

Fonte: Ponte (2012, p. 86)

Como pode ser observado na figura 1, o conhecimento relacionado à prática ocupa o núcleo do modelo proposto pelo autor e, é ele que, apoiado nas outras vertentes orienta e regula todo o processo de ensino. Segundo Ponte (2012) o conhecimento está também relacionado com o contexto, incluindo conhecimento da escola, da comunidade e da sociedade e o conhecimento do próprio profissional.

Em relação ao desenvolvimento profissional Ponte (2012, p. 92) afirma que,

O fato do conhecimento profissional ter um caráter pessoal, ligado à ação e à reflexão sobre a experiência, implica que o seu desenvolvimento requer formas de trabalho imaginativas e diversificadas e a vivência, pelos formandos, de situações tanto quanto possível próximas da situações de práticas.

Assim, podemos considerar que é por meio dessas reflexões, sejam elas sobre a ação ou na ação, aliadas à teoria, que os conhecimentos e as competências da prática do profissional em formação vão sendo construídos.

Segundo Paiva (2006, p. 93),

O professor é considerado um profissional que reflete ao planejar a ação, durante essa ação e após a ação, construindo dialeticamente seu conhecimento profissional aliado à teoria que o embasa. Dessa forma, tão importante quanto saber de que competências e saberes o futuro docente precisa para se constituir num bom profissional é saber como eles são construídos e desenvolvidos durante a sua formação.

Devemos considerar, a partir das referências citadas, que é importante na formação inicial, vivenciar situações que possam auxiliar o licenciando a construir e relacionar conhecimentos necessários à prática profissional. Acreditamos que o Pibid contribui com a formação inicial dos bolsistas envolvidos por possibilitar vivência na escola, interação com os profissionais e momentos de ação e reflexão sobre a profissão e o processo de ensino-aprendizagem. Outro fator importante relacionado ao tipo de formação foi destacado por Paiva (2006, p. 93),

A formação preocupa-se com o que o professor não sabe, partindo de teorias e não avançando na maioria das vezes para outros aspectos enquanto que o desenvolvimento profissional, procura desenvolver aspectos que ele já tenha, mas que pode aperfeiçoar, aliando teoria e prática.

No caso específico do professor de Matemática, Ponte (1992, p. 211) afirma que “na formação inicial o principal problema é a inexistência de uma prática que proporcione a possibilidade de formular objetivos de intervenção prática imediata e vivências diretas de reflexão”. O bolsista do Pibid além da experiência prática tem a possibilidade de analisar os processos de ensino-aprendizagem dos conteúdos matemáticos, refletindo de que maneira pode contribuir com o desenvolvimento dos alunos envolvidos no Programa e, também com a sua formação profissional. Nesse sentindo Paiva (2006, p. 92) afirma,

Saber por que se ensina, para que se ensina, para quem e como se ensina é essencial ao fazer em sala de aula. O professor precisa estar em constante formação e processo de reflexão sobre seus objetivos e sobre a consequência de seu ensino durante a sua formação, na qual ele é o principal protagonista, assumindo a responsabilidade por seu próprio desenvolvimento profissional. [...] a partir deses conhecimentos e crenças, é

que o professor interpreta, compreende e conduz sua prática docente em relação à Matemática.

Acreditamos que uma prática reflexiva é aquela baseada em uma situação problema real, que leve o futuro profissional a rever e analisar sua própria prática e do contexto no qual está inserido, e que o torne capaz de propor novas possibilidades, construindo novos conhecimentos e colocando em prática aqueles que já possui. Por considerarmos que o Pibid seja um programa que possibilite essa prática reflexiva é que optamos por olhar as reflexões dos bolsistas sobre a formação inicial, sobre o processo de ensino-aprendizagem de conteúdos específicos relacionados à Álgebra e o conhecimento pedagógico do conteúdo construído nessa prática reflexiva. Temos por hipótese averiguar se as ações e reflexões desenvolvidas no Pibid contribuem com a formação inicial desses licenciandos.