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A presunção de verdade e de boa fé das declarações

Capítulo I: Implicações de natureza comportamental

4. A presunção de verdade e de boa fé das declarações

O art. 75.°, n.º 1 da LGT estabelece que o sujeito passivo beneficia de uma pre- sunção de veracidade e de boa fé das suas declarações, pelo que fica dispensado de

provar os factos declarados. Já vimos, supra794, que se trata de uma presunção aparen-

te. Recuperando a definição de FABO, estas “caracterizam-se por serem normas de apa-

rência presuntiva em que o facto que aparece como presumido integra, necessariamente, a afirmação base”795. Sem nos voltarmos a alongar, recordaremos que o legislador dita, no fundo, que quando a contabilidade for verdadeira – pois a veracidade é uma das notas que caracterizam uma contabilidade conforme – se pre- sume que o que dela consta é verdade. Ao que acresce a norma que dita que o contri- buinte age no procedimento “coopera[ndo] de boa fé” e “esclarecendo de modo

completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento” (art. 48.º, n.º 2 do CPPT).

Deste modo, o sujeito passivo apenas beneficia de uma presunção de veracidade das declarações desde que actue com rectidão e seja verdadeiro nas mesmas declarações.

791 Neste sentido, cfr. Ibidem, p. 254, que afirmar que “qualquer cidadão tem direito à participação nos procedimentos cu-

jas decisões ou deliberações lhe digam respeito. Este direito traduz-se numa posição prima facie que tem de ser objecto de uma ponderação, desde logo com o princípio da eficiência (princípio da racionalização). Esta ponderação cabe, em primeira li- nha, ao legislado, mas, perante o seu silêncio – que releva em termos da omissão constitucional –, a Administração deverá aceitar que os particulares intervenham no procedimento, desde que outros interesses (com dignidade constitucional) o não impeçam”.

792 Cfr. F

REITAS DO AMARAL apud. Ibidem, p. 254.

793

Cfr. ENGLISCH apud. CANOTILHO,J.J.GOMES, Cláusulas de rigor... "RLJ",p. 78.

794 Cfr. Parte I, Capítulo I, 2.2.3. 795 Cfr. F

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Também os arts 75.º, n.º 2 e 87.º da LGT parecem reforçar este entendimento, ao estabelecerem, o primeiro artigo, um conjunto de situações em que esta presunção de veracidade há-de vacilar, mencionando, al. a), a existência de “omissões, erros, ine-

xactidões ou indícios fundados” nas declarações, al. b), o incumprimento de deveres de

esclarecimento, al. c) o afastamento significativo da matéria tributável, “para menos,

sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico- científica”, al. d) a evidência de manifestações de fortuna e, o segundo artigo, relativo

à realização da avaliação indirecta, indica, nas alíneas b) a f), situações que aludem à impossibilidade de comprovação, desvio, inveracidade, enfim, à desconformidade das declarações com a verdade.

Neste quadro, VIDAL MATOS dá nota do entendimento que alguns autores de-

fendem, de que a obrigação de prestar esclarecimentos sobre a situação tributária como forma de manter a presunção de veracidade declarativa configura um “ónus de

prova por natureza”, que versam sobre “factos sobre os quais o contribuinte tem co- nhecimento directo”, sendo-lhes efectivamente exigível essa prova796. Já VIDAL MATOS

vem sufragar o entendimento, que merece a nossa concordância, de que este dever de esclarecer “não deve ser confundido com um dever de provar os factos relevantes”, e que “tal equivaleria a instituir – ao arrepio do princípio do inquisitório – um dever de

prova pelos contribuintes, esvaziando aliás de sentido a repartição genérica operada no art. 74.° da LGT”797. Por outras palavras, uma vez cumprido o dever de esclarecer, a presunção de veracidade e de boa fé das declarações dos contribuintes prevista no n.° 1 do art. 75.° da LGT mantém-se, incumbindo à Administração Tributária o papel de desafiar a veracidade, através da demonstração de “indícios sérios” da não correspon-

796

Cfr. MATOS,PEDRO VIDAL, O Princípio do Inquisitório... p. 119, nota 193.

797

Afinando pelo mesmo diapasão, cfr. HARET,FLORENCE CRONEMBERGER, Presunções no Direito Tributário... pp. 80-81, que afirma: “De ver que a legitimidade presumida do ato administrativo não exime o Fisco do dever de comprovar a ocorrência do

fato jurídico, na forma da lei. É pressuposto necessário no processo de positivação da norma tributária, em nada alterando o ónus da prova. [...] conclui-se que a presunção de legitimidade em nenhum momento procede à inversão do ónus da prova, dispensando-se à autoridade administrativa a prova do fato e ficando ao contribuinte o ónus de descaracterizar o fato presu- mido. Assim pensando, ocorreria verdadeira injustiça fiscal na medida em que seria atribuído pesado fardo ao sujeito passivo em tudo provar, desequilibrando a relação Fisco/contribuinte. […] A presunção de legitimidade não inverte o ónus da prova, competindo à autoridade administrativa, mesmo quando existam presunções legais, apresentar provas do fato”.

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dência com a verdade798, assim “impendendo sobre [esta] o ónus da prova dos factos

impeditivos da verdade presumida que resulta da declaração dos contribuintes”799. A isto acresce a constatação de que este art. 75.° da LGT desempenha um im- portante função de natureza pragmática. Uma disposição desta natureza perfila-se como a que melhor dá resposta ao princípio da eficiência ao qual o sistema fiscal se

encontra subordinado800-801. Para RESCHER, que se debruça sobre os méritos da utiliza-

ção das presunções e, em particular, as "vantagens da cooperação", se não conceder- mos algum crédito, credibilidade e confiança às declarações dos outros – e as presunções, assumam a forma de que a pessoa está a dizer a verdade ou outra qual- quer, afiguram-se fundamentais para uma “organização racional da sociedade”, sendo necessário, defende, um certo salto de fé, uma atitude não céptica em relação às de-

clarações dos outros802 –, não só nos perderíamos em labirintos infindáveis de com-

provações, como também deixaríamos cair por terra “toda e qualquer chance” de daí

retirar qualquer proveito, negando-nos sequer a algum benefício803. Estas considera-

ções são, segundo nos parece, também válidas para esta norma, pois não seria exequí- vel uma solução muito diferente desta, desde logo por se pretender estruturar o

sistema tributário sob a égide do princípio da colaboração recíproca804, mas, sobretudo,

numa era em que se tende a alargar a base de tributação e informatizar e automatizar, tanto quanto possível, a máquina fiscal.

798 Defende-se no AcTCAN de 30/11/2011, proc. n. ° 01520/05.6BEVIS, que "se a Administração [Tributária] desconsidera

facturas que reputa de falsas, compete-lhe fazer a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade [e, uma vez] reali- zada essa prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção que alega ter realizado".

799

Cfr. MATOS,PEDRO VIDAL, O Princípio do Inquisitório... p. 122 e MARQUES,PAULO, Elogio do Imposto... pp. 97-101.

800

Este argumento encontra-se particularmente bem ilustrado na observação de MATOS,PEDRO VIDAL, O Princípio do

Inquisitório... pp. 121-122, de que, "caso a afirmação inicial da respectiva situação tributária pelos contribuintes não fosse tida a priori como verdadeira, estes teriam na prática que fazer acompanhar tais declarações dos elementos de prova dos factos declarados, na medida em que sobre si impenderia o risco da falta de prova daqueles, [enquanto que,] por seu turno, a Admi- nistração Tributária só poderiam aceitar como verdadeiros os factos declarados pelos contribuintes após devida instrução com vista a comprovar a verdade de tais factos".

801

A este propósito, assinala o AcSTA de 24/10/2007, proc. n.° 479/07, que "na verdade, o funcionamento das regras do

ónus de prova acontece apenas quando, depois de efectuada a actividade de fixação da matéria de facto, directamente e através da formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que inte- ressem para a decisão da causa, situações em que, por força daquelas regras, se deve decidir os pontos em que se verifique que tal dúvida conta a parte que tem o ónus da prova".

802

Cfr. RESCHER,NICHOLAS, Presumption... pp. 76-85, 88-91 e 96-97. Na sua expressão, "[...] if we do not concede some cred-

it to the declarations of others, then we lose any and all chance to derive informative profit from them, thus denying ourselves the benefit of a potentially useful resource. Experience would soon teach us that even where strangers outside the family circle are concerned, the benefits of conceding trust, reliance, and credibility generally overbalance the risks involved".

803 Cfr. Ibidem, pp. 88-91. 804 Cfr. M

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Capítulo II: Considerações de natureza probatória,

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