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Capítulo III: Considerações quanto às presunções em direito tributário

1. A justa repartição dos encargos tributários entre a tributação segundo a

1.2. Entre a complexidade e a simplificação

Nesta ânsia de tributar segundo a capacidade contributiva de cada um e de to- mar em consideração o princípio da igualdade tanto na sua acepção vertical como ho- rizontal, bem como de cobrir, tributariamente, a multiplicidade de novos fenómenos

económicos390, o legislador tende a querer tornar a legislação fiscal cada vez mais

complexa, considerando incontáveis elementos de individualização, na procura de uma

mais justa repartição dos encargos tributários391; uma questão que pode ser doutri-

nalmente classificada, segundo PAULA DOURADO, como um problema de determinação

do “grau de densidade exigível para as leis fiscais”392. De tal forma que a preocupação

mais recente tem sido a de simplificação do sistema tributário393-394 – CASALTA NABAIS é

peremptório ao afirmar mesmo que “torna-se imperiosa a necessidade de simplifica-

ção do sistema fiscal”395 –, tendo em vista tornar a legislação menos equívoca, a dimi- nuição da carga fiscal formal e a agilização da máquina fiscal; face à complexidade reinante, a simplificação torna-se bastante atractiva e contribui para uma melhoria da

percepção de justiça que os contribuintes têm do sistema fiscal396-397. Porém, como

390 Cfr. N

ABAIS,JOSÉ CASALTA, Direito Fiscal, p. 149.

391 Cfr. C

ARLOS,AMÉRICO BRÁS, Os princípios da eficácia e de eficiência... "CTF", pp. 180-181.

392

Cfr. DOURADO,ANA PAULA, O Princípio da Legalidade Fiscal... pp. 576-592.

393 Em rigor, a preocupação não é nova, apenas pretendemos enfatizar alguns ecos e esforços mais recentes com aquela

afirmação. Pelo contrário, pode ser detectada desde há vários séculos como nos dá conta RIBEIRO,JOÃO SÉRGIO, Tributação

Presuntiva... p. 139, com o exemplo da contribuição sobre portas e janelas, que correspondia a uma tributação facilmente fis-

calizável por parte da Administração, instituído em França após a Revolução.

Mais recentemente, o Estado português encomendou um estudo abrangente sobre a simplificação do sistema tributário, cujo resultado é reproduzido em Simplificação do Sistema Fiscal Português - Relatório do Grupo de Trabalho criado por

despacho do Ministro de Estado e das Finanças, de 20 de Abril de 2005. "Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal", n.º 201,

2007cfr. ainda, em labor de semelhante intuito, JAMES,SEBASTIAN, A Handbook for Tax Simplification, International Finance Corporation, 2009. Disponível em www: <http://ssrn.com/abstract=1535499>.

Também MCKERCHAR, MARGARET A.; MEYER,KRISTEN e KARLINSKY,STEWART, Making Progress in Tax Simplification: A

Comparison of the United States, Australia, New Zealand and the United Kingdom, disponível em www:

<http://ssrn.com/abstract=1398643>: “The call for tax simplification is neither new nor diminishing. It is more than 400 years

since Edward VI, King of England, ordered that the statutes be brought together and made more plain and short so that men might better understand them. In the context of the New World, in the late 1700s, Alexander Hamilton, the very able but inept duelling first Secretary of the Treasury, pointed out that ‘tax laws have in vain been multiplied; new methods to enforce the collection have in vain been tried; the public expectation has been uniformly disappointed’. Over 150 years later, Judge Learned Hand, in his usual mellifluous manner, captured the feeling on tax complexity when he said: The words of such an act as the Income Tax, merely dance before my eyes in a meaningless procession: cross-reference to cross-reference, exception up- on exception—couched in abstract terms that offer no handle to seize hold of—leave in my mind only a confused sense of some vitally important, but successfully concealed purport, which it my duty to extract, only after the most inordinate expendi- ture of time”.

394 É impressiva a máxima proposta por K

LAUS TIPKE e JOACHIM LANG apud. DOURADO,ANA PAULA, O Princípio da Legalidade

Fiscal... p. 577, de “justiça fiscal através da simplificação fiscal”.

395 Cfr. N

ABAIS,JOSÉ CASALTA, Reforma tributária num estado fiscal suportável - Por um Estado Fiscal Suportável - Estudos de

Direito Fiscal, Vol. II, Coimbra: Almedina, 2008. pp. 124 e ss.

396

Cfr. MARTINS,ANTÓNIO, A complexidade do sistema tributário - uma inevitabilidade económica. "Fisco", n.º 119-121, Setembro 2005p. 28: “Um sistema fiscal simples é bastante atractivo para os contribuintes e para as autoridades fiscais. A

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nos dá conta PAULA DOURADO, o legislador dá sinais equívocos, algo bipolares, ora tor-

nando o ordenamento mais complexo, ora procurando simplificá-lo398. Esta autora

defende, claramente, que “o princípio da legalidade, como instrumento de “calculabili-

dade” da decisão, e expressão da democracia, exige leis simples”399.

São várias as razões que podem ser apontadas para a complexidade do sistema fiscal. Aquela que se indicou – de tentar tratar de forma diferente o que é diferente –

será porventura a sua mais forte justificação400. Podem ainda ser indicadas a crescente

complexidade da própria actividade económica e a tentativa do legislador de a enqua-

drar fiscalmente401, a multiplicidade de fins sociais e económicos prosseguidos pelo

legislador fiscal402, a existência de grupos de pressão que procuram introduzir diferen-

tes regimes de tratamento fiscal, nomeadamente através dos benefícios fiscais403, a

pesada carga fiscal formal404, a “hipertrofia normativa”405 e a demasiado frequente

indivíduos e empresas no cumprimento dos deveres fiscais, e torna o sistema menos litigioso em virtude da menor complexi-

dade das disposições normativas que o constituem”.

397

Neste sentido também CARLOS,AMÉRICO BRÁS, Os princípios da eficácia e de eficiência... "CTF", p. 180, quando afirma que “é no ponto de equilíbrio entre equidade e simplicidade que os sistema fiscais se devem desenvolver”, referindo ainda ex- plicitamente a necessidade de se “buscar o equilíbrio entre a simplicidade desejada e a complexidade necessária para atingir a

equidade imprescindível”, mais refutando a ideia de “melhor equidade com a complexidade máxima e [a de] maior simplicida- de com a iniquidade extrema”.

398

Cfr. DOURADO,ANA PAULA, O Princípio da Legalidade Fiscal... p. 578: "Encontramos, por um lado, a determinação exage-

rada, em que o legislador estabelece diferenciações normativas de grande pormenor, através da utilização de catálogos exemplificativos ou exemplos-padrão para definir as categorias de rendimentos, e em que constrói Tatbestände através da li- gação entre cláusulas gerais e a casuística, e normas de aplicação residual, recorrendo a proposições jurídicas incompletas, umas explicativas, outras restritivas e outras remissivas. E encontramos, ao mesmo tempo, uma preocupação em simplificar os Tatbestände, baseando alguns dos seus elementos em tipos empíricos, novamente assumindo a veste de proposições jurídicas incompletas (ora explicativas, ora remissivas), que fecham os tipos legais".

399

Cfr. Ibidem, pp. 578-579

400 Cfr. C

ARLOS,AMÉRICO BRÁS, Os princípios da eficácia e de eficiência... "CTF", pp. 180-181.

401

Cfr. Ibidem, pp. 180-181 e DOURADO,ANA PAULA, O Princípio da Legalidade Fiscal... p. 581.

402 Cfr. D

OURADO,ANA PAULA, O Princípio da Legalidade Fiscal... p. 581. É particularmente curiosa e acutilante a seguinte

constatação de MADURO,MIGUEL POIARES e SOUSA,ANTÓNIO FRADA DE, A Jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades

Europeias sobre Práticas Abusivas no Sistema Comum de IVA, coord. ou org. ASSOCIAÇÃO FISCAL PORTUGUESA,INSTITUTO DE DIREITO

ECONÓMICO,FINANCEIRO E FISCAL DA FACULDADE DO DIREITO DE LISBOA Vinte anos de Imposto Sobre o Valor Acrescentado em Portugal:

Jornadas Fiscais em Homenagem ao Professor José Guilherem Xavier de Basto, Coimbra: Almedina, 2008. p. 123: “[…] pondo de lado as razões económicas, práticas ou de ordem social que justificam a consagração na Sexta Directiva das inúmeras isen- ções aí previstas, […] deve conceder-se que uma parte substancial dos reenvios prejudiciais feitos para o Tribunal de Justiça, resultam precisamente da existência dessas isenções. Fica-se até com a impressão, à vista dos casos recentes de elisão fiscal que, em larga medida, essas operações de ilisão não teriam lugar se as isenções previstas pelo sistema comum de IVA não existissem.[…] Mau grado as óptimas intenções (por vezes até sociais) que animaram a sua consagração pelo legislador comu- nitário, algumas dessas isenções podem dar azo a mais problemas e abusos do que benefícios, ao abrirem a porta à adopção de comportamentos oportunistas, geradores de ineficiências e de aumentos de regressividade em termos de justiça fiscal”.

403 Cfr. N

ABAIS,JOSÉ CASALTA, Reforma tributária num estado fiscal suportável - Por um Estado Fiscal Suportável - Estudos de

Direito Fiscal, Vol. II, pp. 124 e ss.: “Uma complexidade que atinge o quase o paradoxismo no bem conhecido domínio dos be- nefícios fiscais, em que não obstante a codificação constituída pelo EBF, têm vindo a proliferar a mais dispersa legislação avul- sa carecida, na maior parte dos casos, da mais elementar racionalidade jurídica e /ou económica”. No mesmo sentido, CARLOS,

AMÉRICO BRÁS, Os princípios da eficácia e de eficiência... "CTF", pp. 180-181 e DOURADO,ANA PAULA, O Princípio da Legalidade

Fiscal... p. 581.

404 Cfr. C

ARLOS,AMÉRICO BRÁS, Os princípios da eficácia e de eficiência... "CTF", p. 178: “Do mesmo modo se coloca o pro-

blema, em nosso entender, relativamente aos chamados custos de cumprimento impostos aos contribuintes e outros sujeitos passivos, em virtude de uma determinada opção legislativa. Estes custos são os custos em dinheiro (por exemplo, técnicos de contas, consultores, software), os custos em tempo e os custos psicológicos (realmente existentes, embora de problemática

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legislação que, apesar de algumas forças no sentido da simplificação, tende a tornar o sistema fiscal mais complexo a cada ciclo orçamental, assumindo-se assim como fonte

de grande instabilidade e insegurança jurídica406.

Reflectindo sobre a questão da complexidade vs. simplicidade do sistema fiscal, CASALTA NABAIS defende que é necessário, por um lado, “reduzir, e reduzir significativa-

mente”, o complexo normativo tributário, e, por outro lado, simplificar as restantes, de

modo a obtermos um sistema tributário funcional e menos oneroso407.

Com efeito, há mesmo quem coloque a questão da constitucionalidade de uma

norma fiscal que se afigure ineficiente, como BRÁS CARLOS, que defende que se impõe

um dever constitucional de eficiência ao legislador, fundamentado no princípio da proporcionalidade, concluindo que uma norma que resulte ineficiente e improdutiva

deve ser considerada inconstitucional408.

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