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As taxas dirigidas à compensação de prestações presumidas

PARTE II: Normas de incidência tributária

4. As taxas dirigidas à compensação de prestações presumidas

No quadro da abordagem que se fez supra705 em relação a distinção entre im-

posto, contribuição e taxa e a alusão a uma gradação entre estas figuras, correspon- dendo a primeira a prestações eventuais, a segunda a prestações presumidas e a terceira a prestações efectivas, parece-nos importante não deixar de ponderar o pro- blema que deriva da existência de taxas (ou contribuições pois a controvérsia é consi- derável – sem pretendermos considerar, aqui, a hipótese de serem, afinal, imposto) dirigidas à compensação de prestações presumidas.

Enquanto que nos impostos está em causa o princípio da tributação segundo a

capacidade contributiva, nas taxas e naquela noção de contribuição avançada por SÉR-

GIO VASQUES, já estamos perante o princípio da equivalência, pelo que importa aferir da

efectividade ou mera eventualidade da prestação.

Abordando a questão sob a perspectiva da necessidade de fundamentação, OLIVEIRA GARCIA defende que esta deve ser “especialmente rigorosa” nos casos em que

não existe concordância entre pressuposto e finalidade de taxa706, ou seja, em que

estamos perante uma prestação presumida707.

Defende, especificamente, que a exigência de fundamentação poderá ser ate- nuada no caso das taxas de saneamento quando a incidência subjectiva recai em utili- zadores domésticos, pois considera que se trata de uma “presunção forte”, mas já será mais intensa quanto a utilizadores industriais, uma vez que, existindo a possibilidade de estes optarem por serviços privados, não deverá decorrer, com a mesma intensida-

de, que beneficiam efectivamente dessa prestação708.

A sua abordagem incide na necessidade de fundamentação. Pelo prisma que aqui importa abordar, não existe uma diferença substantiva entre uma e outra situa-

705 Cfr. Parte II, 2. 706 Cfr. G

ARCIA,NUNO DE OLIVEIRA, Contencioso de Taxas: Liquidação, Audição e Fundamentação, Coimbra: Almedina, 2011.

p. 139.

707 Cfr. Parte II, 2. 708 Cfr. G

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ção. É uma presunção. A diferença surgirá no plano adjectivo, em que a prova do não benefício efectivo será, em princípio, mais simples para os utilizadores industriais.

Não obstante, quid iuris se um utilizador doméstico se ausentar durante um pe- ríodo de dois meses? Não deixará de poder fazer prova desse facto para afastar a pre- sunção. Contudo, a nível probatório, a questão não será assim tão simples. Parece-nos que a Administração Tributária deve procurar saber, a priori, eventualmente através de cruzamento de dados com as declarações de IRS, a composição do agregado famili- ar e quem, para além do sujeito passivo, efectivamente beneficia daquela prestação. São, no fundo, elementos que estão ao dispor da própria Administração Tributária. À eventual dificuldade de prova de não benefício efectivo (a prova de um facto negativo)

deve corresponder também uma exigência probatória menos intensa709. A este respei-

to, importa ainda lembrar o disposto no art. 100.º, n.º 1 do CPPT, que prevê que “sem-

pre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”, pelo que bastará provocar

essa fundada dúvida, naturalmente subjectiva, na convicção do julgador. *

Com efeito, de tempos a tempos, são noticiadas situações específicas em que as presunções estabelecidas, ou que porventura surgem em consequência da aplicação concreta do corpo normativo, parecem afrontar o mais elementar bom senso. Por ou- tras palavras, presunções cujo nexo lógico não tem cabimento, não se conformando com qualquer máxima de experiência e, por conseguinte, com a realidade. Por exem- plo, se o legislador pretende presumir que quem consome electricidade “possui apare-

lho de rádio e de televisão e que, possuindo-os, aproveitarão em certa medida do serviço público que a contribuição audiovisual pretende custear”, deve diligenciar,

normativamente e à partida, por isentar situações em que esse nexo lógico não exis-

709 Neste sentido, na esteira de A

NDRADE,MANUEL DE, Noções Elementares... p. 203, entendeu-se no AcSTA de 17/12/2008,

proc. n.º 0327/08, que “a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio

constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina “iis quae difficílioris sunt probationis leviores probationes admittuntur””.

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te710. Identicamente, ainda que se determine normativamente (Lei n.º 30/2003 de 22

de Agosto, alterada pela Lei n.º 169-A/2005, de 3 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 230/2007, de 14 de Junho, e pelo Decreto-Lei n.º 107/2010, de 13 de Outubro) que a contribuição “incide sobre o fornecimento de energia eléctrica” (art. 3.º, n.º 2) e que se fixe uma isenção quantitativa se fixa num consumo anual abaixo dos 400kWh (art. 4.º, n.º 1), se o sujeito passivo – as “empresas distribuidoras de energia eléctrica” que li- quida e cobra, em regime de substituição tributária (art. 5.º, n.º 1), não tem qualquer meio de distinguir o fim doméstico, na prática liquidando por cada contador em cada

“factura respeitante ao fornecimento de energia eléctrica” (art. 5.º, n.º 2), então é

concebível que se verifiquem liquidações contrárias ao originalmente pretendido. No nosso entender, nada obsta a que o sujeito passivo invoque o art. 73.º da LGT para ilidir quer o facto-presumido, quer o próprio nexo lógico da presunção. Neste

sentido, SÉRGIO VASQUES defende que a presunção estabelecida na contribuição audiovi-

sual, “confirmando-se com certeza quanto a uma parcela larga dos contribuintes, pos-

sui força apenas relativa, visto que nos lares portugueses sempre existe uma fracção de pessoas que possui aparelhos receptores sem optar pela sintonização das estações públicas de rádio e de televisão”711. Conclui que nos casos “em que um tributo assenta

em presunções com força relativa, em termos tais que se pode tão só dizer provável o aproveitamento da prestação administrativa pelo sujeito passivo, devemos considerar estar perante contribuições” 712.

Independentemente de se considerar um imposto, uma contribuição ou uma taxa, trata-se de uma presunção consagrada em norma de incidência tributária, para efeito do art. 73.º da LGT. Numa situação como a que se referiu, parece-nos que não só será de admitir a ilisão do facto-presumido, como também será de admitir que se ataque a própria máxima de experiência da presunção.

710

Cfr. VASQUES,SÉRGIO, Manual... p. 215.

711 Cfr. Ibidemp. 215. 712 Cfr. Ibidem, p. 215.

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5. Sentido da expressão “normas de incidência tributária” plasmada no

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