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A prevenção criminal no âmbito do processo penal

4 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA, PROCESSO PENAL E AS PRÁTICAS PREVENTIVAS

4.3 A prevenção criminal no âmbito do processo penal

A prevenção criminal que se viu no âmbito do processo penal tradicional sempre foi associada à restrição da liberdade de locomoção, de forma a sujeitar diretamente a pessoa do investigado ou acusado à persecução, ou impedir o prosseguimento da prática criminosa e o desdobramento de novas condutas a ela relacionadas com o cárcere provisório.

A prevenção que ora se discute, no âmbito da criminalidade econômica, além de preocupar-se em interromper a prática criminosa e garantir a retribuição pelo crime praticado, visa assegurar que o agente tenha restringido, pelos instrumentos processuais, o lucro que é o principal objetivo de sua conduta, dotando-se, deste modo, o processo penal de uma nova perspectiva preventiva.

Analisando de forma particular os crimes econômicos, a prevenção criminal consiste em atingir a própria motivação do crime e impedir o enriquecimento ilícito, que é justamente o resultado objetivo visado pelo agente com a prática criminosa.

Do mesmo modo, há uma segunda finalidade da intervenção processual penal além de atacar a racionalidade econômica e impedir o enriquecimento ilícito, que é assegurar que os produtos da prática criminosa fiquem indisponíveis até decisão final, ressarcindo o ofendido ou aplicando-se, se for o caso, as perdas em benefício de terceiros prejudicados.

Com efeito, a racionalidade econômica é a própria causa do crime e o seu respectivo objeto, que é vislumbrado com os proventos do enriquecimento ilícito, bem como o seu sintoma externo.

Isso não significa dizer que as prisões cautelares, ou a própria pena de prisão, não tenham aplicação nos crimes econômicos. Porém, trata-se, justamente, de racionalizar o processo às características da criminalidade moderna, sendo que seria uma enorme contradição apontar as desvantagens da pena privativa de liberdade em relação ao grosso da criminalidade – mencionando o seu caráter dessocializador, estigmatizante e crimonógeno – e clamar depois sua aplicação em maior número de casos aos white-collar.127

A integrar esse mesmo raciocínio, cumpre observar que a prisão guarda um caráter subsidiário até mesmo dentre as medidas cautelares pessoais, entendimento renovado pela Lei n.º 12.403, de 4 de maio de 2011, que também definiu a obrigatória fundamentação judicial na sua decretação residual dentro do universo de modalidades preventivas legalmente dispostas.

As medidas cautelares pessoais, como são conhecidas as prisões cautelares de natureza processual, por outro lado, por serem destinadas diretamente ao investigado ou acusado, não guardam relação direta com prevenção quanto ao resultado do fato criminoso, que é o enriquecimento ilícito, mas somente com a garantia da participação do investigado ou acusado no processo ou de imediata interrupção da conduta.

Veja-se que a aplicação da prisão cautelar e pena de prisão não deixa de ser justificável nos casos em esta que for indispensável à luz de considerações fáticas, devidamente fundamentadas, relativas diretamente ao investigado ou acusado, para fins de conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal ou dos critérios objetivos de pena criminal.

Outro fundamento atual das medidas cautelares pessoais diz respeito a constituir-se como prova da materialidade do fato e respectiva autoria, que, no âmbito da criminalidade econômica e sua característica espacial eminentemente privada, tem sua importância mitigada em hipóteses escassas de flagrante.

Então, como se vê, as medidas cautelares pessoais não mantêm vinculação direta com o incremento patrimonial resultado da prática criminosa econômica, ao qual se impõem outros meios processuais a evitar ou mitigar concretamente o dano.

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SANTOS, Claudia Maria Cruz. O crime do colarinho branco: da origem do conceito e sua relevância criminológica à questão da desigualdade na administração da justiça penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 302.

Deste lado, o objetivo final do prisma do combate à criminalidade econômica é evitar o enriquecimento ilícito, que constitui a razão última do fato criminoso e consequência das atividades ilícitas. Esse é o principal fator que deve ser observado para o estabelecimento das estratégias processuais diferenciadas à criminalidade econômica, cumulado com o necessário ressarcimento do dano.

É incidir nas razões últimas do fato criminoso, como expõe Antonio García- Pablos de Molina:

o conhecimento científico (etiológico) do crime, de sua gênese, dinâmica e variáveis mais significativas deve conduzir a uma intervenção mediada e seletiva capaz de se antecipar ao mesmo, de preveni-lo, neutralizando como programas e estratégias adequadas às suas raízes.128

Veja-se que neste cenário há também o interesse do próprio investigado ou acusado na preservação e destinação cautelar dos ganhos provenientes do ilícito, inclusive no tocante a uma eventual improcedência final.

A compreensão da necessidade de esvaziamento do estímulo econômico da criminalidade econômica, portanto, é objeto da intervenção processual estruturada para atacar a perpetuação de uma série de delitos graves e o enriquecimento ilícito de seus agentes, merecendo proporcional reação estatal, já no seu início, quando, de fato, a persecução penal pode ser mais eficaz.

Com efeito, a criminalidade não convencional desenvolve atividades ilegais concebidas para gerar lucros, inclusive se imiscuindo no âmbito das empresas, já que podem potencializar os lucros, e é neste ponto, econômico-financeiro, que o processo penal deve atuar de forma preventiva.

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MOLINA, Antonio García-Pablos de. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos: introdução às bases criminológicas da Lei n.º 9.099/95, lei dos juizados especiais criminais. 4 ed. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 157. Continua o autor: “[...] Intervenção, pois, que não se limite a incrementar o rigor legal das proibições nem a incentivar o rendimento e a efetividade do controle social formal, senão a dar resposta ao problema humano e social do delito com a racionalidade e eficácia próprias da denominada ‘prevenção primária’. A ‘seletividade’ do fenômeno delitivo e a conhecida relevância de outras técnicas de intervenção não- penais para evitá-lo constituem os dois pilares dos programas prevencionistas”.