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Esvaziamento do estímulo econômico e outras penalidades

4 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA, PROCESSO PENAL E AS PRÁTICAS PREVENTIVAS

4.4 Esvaziamento do estímulo econômico e outras penalidades

Retomando-se brevemente o postulado da seletividade do crime econômico, pelo qual resta demonstrado o caráter racional, utilitário e instrumental da atuação criminosa, requer-se, por consequência, uma intervenção dirigida a neutralizar os resultados da infração, prevenindo os danos ou a sua larga extensão.

Trata-se de uma inteligente política que incide de igual forma no fator “oportunidade”, diminuindo as possibilidades de êxito do infrator. Em outras palavras, trata-se de uma política penal e processual penal de prevenção secundária que, como estratégia de prevenção centrada em ações dirigidas à redução das oportunidades para a prática de crimes, através do aumento de controles, ataca a racionalidade econômica, ou até mesmo do custo da criminalidade.

Nestes termos, a utilização de medidas processuais adequadas pode contribuir para a interrupção da atividade criminosa, ou bloquear as oportunidades ainda existentes, evitando-se mesmo, em algumas situações, o dano, nos casos nos quais não se verificou um prejuízo irreversível.

Da mesma forma, a interferência, inclusive imediata, nos resultados visados pela criminalidade moderna evita outros delitos consequentes, como o disfarce e a regularização (“lavagem”) no sistema financeiro e demais instâncias formais, pelas quais se adquire aparência de legalidade – o que, por fim, dificulta a apuração e punição dos delitos econômicos.

Além disso, não se pode esquecer o caráter retributivo que o Direito Penal mantém também nos crimes econômicos, sendo que apuração correta do incremento patrimonial ilícito será útil também quando da fixação da pena em sentença condenatória e o perdimento de bens para ressarcimento do dano.

Ou seja, a estipulação de medidas processuais adequadas no âmbito criminal pode contribuir igualmente para a retribuição de um dano já causado, tendo como finalidade principal a prevenção de resultados definitivamente danosos.

Dentro dessa estratégia diferenciada quanto ao tratamento processual penal dos ganhos provenientes do ilícito, há, como visto, a possibilidade consensual de ressarcimento do dano.

Claudia Maria Cruz Santos observa que:

a questão que se deixa em aberto é, assim, a de se saber se não seria possível, nos quadros do direito processual penal, encontrar uma solução de <<legalidade aberta a valorações político- criminais>> que permitisse a diversão como forma de incentivar o infractor a reparar o desvalor de sua conducta e/ou o eventual desvalor do resultado originado. Ainda que nos pareça pensável uma regulamentação mais ampla de tal possibilidade, ela poderá já encontrar algum conforto nos normativos dos artigos 280.º e, sobretudo, 281.º do CPP.129

No Brasil, também já existem previsões no sentido de favorecer a reparação do dano, o que pode ser considerado, para fins de prevenção dos resultados criminosos, como esvaziamento do estímulo econômico. É o que ocorreu com a edição da Lei n.º 9.099/95, que trouxe grandes novidades, entre elas a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo, todos institutos que, se bem utilizados, podem servir para resolver a lide penal e reparar o dano causado pelo delito antes mesmo do processo penal.

Todavia, ainda que se disponibilize meios de reparação consensual do dano, há que se asseverar a necessidade da intervenção processual penal quanto aos bens e valores obtidos com a prática criminosa, atingindo-se o componente econômico, que passa pela decretação de certas medidas processuais.130

Portanto, o que fundamenta a intervenção processual penal é a relevante magnitude do prejuízo produzido, ou a ser produzido, que passa a depender de instrumentos eficazes à prevenção, ou à recuperação e, se for o caso, a repatriação dos valores de origem ilícita, bem como o próprio desvalor da conduta, com afetação da ordem jurídica.

129

SANTOS, Claudia Maria Cruz. O crime do colarinho branco: da origem do conceito e sua relevância criminológica à questão da desigualdade na administração da justiça penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 296.

130

Os crimes econômicos e financeiros, como visto, afetam a economia e a segurança, especialmente porque envolvem perdas ao investimento privado e público. Veja que não é por acaso que se fala no necessário esvaziamento do estímulo econômico, pois, como observa Édson Luís Baldan, há uma transcendência patrimonial com afetação da ordem jurídica, que segundo o autor, transcendem a “dimensão puramente patrimonial individual” que afetam de alguma maneira (mesmo que de modo mediato) a interesses econômicos supra-individuais que é o pressuposto necessário dos crimes econômicos”. BALDAN, Édson Luís. Por uma delimitação conceitual do direito penal

econômico pela analise da ordem econômica como bem jurídico tutelado. 2001. Dissertação

Há que se verificar que os efeitos da prática criminosa no âmbito das empresas podem existir e sobreviver às próprias pessoas que as integram, desde que os meios que permitem às organizações desenvolver suas atividades ilícitas sejam mantidos e os estímulos à prática criminosa não sejam evitados.

Deve-se lembrar que o white-collar crime, na maioria dos casos, é um ato racional, e atuando-se sobre a certeza de que o delito não trará vantagens de qualquer proporção em decorrência da intervenção processual, esvazia-se de forma preventiva o estímulo criminoso.

Por este mesmo motivo, tanto as medidas cautelares como as sanções devem estar devidamente descritas no ordenamento jurídico, com limites expressamente demonstrados e no sentido de atingir os proveitos da prática criminosa. Em outras palavras, quando se falar também da sanção penal, a sanção pecuniária pode ser utilizada de forma eficaz na substituição da prisão e, quando assim cominada, não pode ficar aquém de limites razoáveis da vantagem normalmente adquirida nas práticas dos white-collars.

Com efeito, as sanções pecuniárias em particular (perda de bens do patrimônio lícito do acusado) reservam importância singular, bem como os efeitos da condenação, genéricos e específicos,131 em especial o confisco dos instrumentos e produtos do delito como efeito da condenação, que podem estimular o cumprimento de padrões de conduta e desestimular a escolha racional dos crimes econômicos.

131

Quanto às consequências acessórias aplicadas às empresas: BAJO FERNÁNDEZ, Miguel; BACIGALUPO, Silvina. Derecho Penal Económico, Celección Ceura, Madrid: Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, S.A., 2001, p. 141-173. GARCÍA CAVERO, Percy. Derecho Penal

Económico, Parte General. Segunda Edición. Tomo I, Lima: Grijley, 2007, p. 955-992. GRACIA

MARTÍN, Luis. Lecciones de consecuencias jurídicas del delito: el sistema de penas, medidas de seguridad, de consecuencias accesorias y de responsabilidad civil derivada del delito. 4 ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2012, p. 201-229. Neste sentido: “En los diversos sistemas penales existen fundamentalmente dos modelos de consecuencias jurídicas aplicables a las personas jurídicas. Por un lado están las medidas de control externo que intentan orientar desde fuera la actividad de la persona jurídica, y por el otro, las medidas de control interno que inciden sobre la estructura de la persona jurídica. Las medidas pecuniarias materializan de forma más clara la forma de control externo, aunque también poseen esta misma orientación medidas com el cierre de estabelecimentos, la suspención de actividades y la dissolución y liquidación. Por su parte, las medidas que buscan desarrolar un control interno sobre la persona jurídica encuentran su mejor expresión en la medidade intervención de la estructura organizativa de la persona jurídica. Un repaso a los dispositivos del Código penal peruano permite concluir que el modelo de consecuencias accessorias seguido por nuestra legislación penal se corresponde com um sistema mixto, pues assume tanto rasgos de control externo como rasgos del control interno”. (GARCÍA CAVERO, Percy. Derecho penal

económico – Tomo I: Parte General, 2ª ed., Lima: Grijley, 2007, p. 983-984). Conforme observa o

autor, há uma outra classificação realizada por Gracia/Boldova/Alastuey, Lecciones, p. 406, “quien habla, por un lado, de medidas preventivas de caráter assegurativo y, por outro lado, de medidas coercitivas”.

Portanto, em sede de prevenção, não se pode esquecer a importância decisiva da previsão dos limites máximos para as sanções pecuniárias que impossibilitem cálculos orientados pela ideia de que a infração compensa, dado que o benefício econômico dela retirado não poderá ser superior ao montante pecuniário que se terá de pagar.

Neste sentido, José de Faria Costa sustenta a existência de uma penologia própria do direito penal econômico:

Deverá também falar-se de uma penologia própria do direito penal econômico, no sentido de este reclamar um sistema punitivo que, para além de um arsenal de novas formas de sanção, implica sobretudo, uma impostação original em termos de fundamentação e justificação ética da pena, isto é, uma particular teoria dos fins da pena? A resposta a esta questão não pode deixar de ser, pelo menos em parte, [...]. afirmativa. [...] Quanto ao sistema punitivo, parece que o direito penal econômico requer uma certa inversão das posições recíprocas, no papel e no peso relativo de multa e de prisão, nomeadamente da pena curta de prisão. Acresce que a racionalidade do mundo dos negócios, facilmente permitirá integrar o risco da multa nos ‘custos’ da empresa, estimulando-se formas de compensação fazendo-a, por exemplo, repercutir sobre operados econômicos situados a jusante, em última análise, os consumidores desorganizados. Ora, para além de contar com a eficácia preventiva, fala-se a propósito do seu Sharp-short-shock – de que a multa carece a pena curta de prisão não terá aqui os inconvenientes que, em geral, lhe são assacados. [...] Para além disto, [...] falou-se em ‘sanções’ como: confisco especial, encerramento temporário ou definitivo do estabelecimento, cassação temporária ou definitiva de licenças ou concessões, exclusão de concursos públicos, publicidade de sentenças, interdições profissionais, indenização das vítimas etc.132

Assim, cumpre observar que desde o início da investigação até a final decisão deve-se observar, dentro do possível, os ganhos que o crime conferiu ao agente, para que todas as medidas adotadas possam repercutir sobre o próprio criminoso e aos demais destinatários das normas penais econômicas, diante da ideia de prevenção especial e geral indispensável ao controle dessa criminalidade, de modo a atacar a perspectiva da vantagem econômica a ser obtida como resultado do ilícito.

132

COSTA, José de Faria. Sobre a concepção e os princípios do direito penal económico. Notas ao propósito do Colóquio Preparatório da AIDP. In: PODVAL, Roberto. Temas de direito penal