• Nenhum resultado encontrado

A primeira gestão da Estratégia e os reflexos da mudança conjuntural no inicio

No documento gisleneedwigesdelacerda (páginas 151-158)

4.2 As gestões do DCE na memória de seus militantes

4.2.6 A primeira gestão da Estratégia e os reflexos da mudança conjuntural no inicio

No final de 1979, a Estratégia, presidida por Flávio Cheker e Fernando Grossi, assumiu pela primeira vez a direção do DCE. Naquele momento um novo cenário estava configurado. Os partidos políticos estavam se formando após a abertura ao pluripartidarismo, a UNE já havia sido reconstruída, o AI-5 extinto, os decretos 477 e 228, que atingiam diretamente os estudantes, revogados e a lei da anistia promulgada. Todos estes fatores afetaram o cenário local, que passou a ser permeado por essa nova conjuntura política

O envolvimento com outros setores da sociedade também ganhou mais expressão entre os estudantes, que passaram a se aproximar de sindicatos e associações de bairros. Um

exemplo disso foi o envolvimento do ME na luta em apoio aos garis que, após realizarem uma paralisação, sofreram demissão em massa, em janeiro de 1980.

Estudantes representados pelo DCE e por Diretórios Acadêmicos da UFJF, juntamente com outras organizações, como a comissão de organização do PT, do PMDB e União juizforana de sociedade pró-melhoramento de bairros, organizaram uma coleta de doações de dinheiro e gêneros alimentícios para os garis demitidos. A campanha se desenvolveu por toda Rua Halfeld, no centro da cidade, e envolveu a população, que levava doações e cartazes com palavras de protesto contra a prefeitura de Juiz de Fora, declarando o ato arbitrário e injusto diante do protesto coerente dos garis, que buscavam receber seu décimo terceiro salário no mês de janeiro de 198078.

A sede do DCE também foi local de reunião da assembleia dos garis para definir os rumos de seu movimento e encaminhar medidas para solucionar a crise. O DCE, bem como todas as organizações supracitadas participaram dessa reunião, contando ainda com a presença de dois advogados, Reginaldo Arcuri, ex-presidente do DCE, e Eduardo Salazar, para orientá-los quanto às leis que envolviam a questão. Nesta ocasião, foi formada uma comissão de garis para dialogar com o prefeito, na busca de solução para o fato79.

O embate com a reitoria deu-se quando essa propôs novos critérios para os créditos na UFJF, impondo limite mínimo de dezesseis por semestre e tempo máximo que um aluno poderia permanecer em determinado curso. A medida, que foi aprovada no CEPE e no CONSU, recebia objeções do DCE, por considerá-la uma forma mascarada de jubilamento, e foi denunciada na imprensa local, nas reuniões dos Conselhos deliberativos e em notas aos estudantes pela diretória do DCE e por José Pimenta, seu ex-presidente e membro em exercício da diretoria da UNE em 1980.

Os representantes estudantis declaravam que tal medida, tomada em período de férias, impedia o estudante de participar de um debate, na construção de uma proposta apropriada, e acusava que os critérios estabelecidos sobre os créditos eram máscara que disfarçavam os reais interesses da UFJF: o jubilamento. Esta ameaça dizia respeito diretamente a alguns líderes estudantis que, devido ao envolvimento com as atividades políticas do ME, não conseguiam finalizar seus cursos dentro do prazo e, por isso, era vista como grande ameaça pelos universitários. Essa questão, contudo, era ainda mais ampla e constituiu pauta de luta do ME em muitas universidades brasileiras. O jubilamento

78 Diário Mercantil de 10 de janeiro de 1980, p.05. 79 Diário Mercantil de 10 de janeiro de 1980, p.05.

representava uma medida repressiva e autoritária do regime reproduzida na universidade, que, de lá, expulsava muitos estudantes.

Sua regra colocava sobre o estudante toda a responsabilidade por sua reprovação, deixando de lado os problemas estruturais da universidade e a falta de verbas para a educação. Ao implantar uma carga horária extensa, os estudantes não conseguiam se envolver em questões políticas e na convivência comunitária, o que prejudicava o ME. Esse ponto foi debatido em muitos DCE’s pelo Brasil, tornando-se uma bandeira nacional.

Contudo, também existiam embates entre as diferentes tendências no Movimento Estudantil em Juiz de Fora. A primeira gestão da Estratégia recebeu críticas de Carlos Alberto Pavan, ex-presidente do DCE, que compunha a direção da UEE-MG. As críticas pautavam-se na discordância da forma como o DCE da UFJF havia encaminhado as lutas no tocante à aprovação das normas de créditos, avaliadas por Pavan, como uma forma de jubilamento.

Com a revogação dos decretos 477 e 228, que incidiam diretamente sobre a representação estudantil, o MEC exigiu que cada universidade elaborasse um novo regimento interno, que abarcasse a representação estudantil. Na UFJF, os estudantes consideraram as resoluções aprovadas como uma grande vitória, pois todas as propostas apresentadas pela representação discente foram aceitas. Dentre as principais propostas está a autonomia das entidades estudantis, tanto na atuação, quanto no processo eleitoral.

Em declaração à imprensa local, Jorge Sanglard, membro do DCE, dizia: “Essa vitória representa um marco na história da representação estudantil, uma vez que se assegurou a maior conquista dos estudantes: eleições livres e diretas, controladas pelos próprios estudantes, sem a interferência da burocracia universitária”80. Outra vitória foi a redução do quorum mínimo eleitoral para a maioria absoluta, ou seja, 50% mais um.

A reitoria também cedeu às propostas do DCE no tocante ao Restaurante Universitário, que apresentava problemas na qualidade da comida e sofria risco de aumento de preço. Os estudantes comporiam uma comissão que iria acompanhar de perto o andamento do RU, da elaboração da comida ao controle dos gastos81.

O DCE encampou, no mesmo ano, uma luta contra o projeto de implementação das licenciaturas curtas na UFJF. Na memória de Flávio Cheker, presidente do DCE na ocasião, o movimento obteve grande participação estudantil nas assembleias em frente à reitoria e nas manifestações que se seguiram.

80 Diário Mercantil de 01 de março de 1980, p. 05. 81 Diário Mercantil de 11 de março de 1980, p. 04.

Eu me lembro perfeitamente de uma que a gente fez contra a implantação das curtas licenciaturas na UFJF, foi um negocio fabuloso, uma assembléia imensa, enfrente a antiga reitoria, aqui na Bejamim, também lá em cima no campus tivemos assembléias muito cheias, porque havia uma ameaça concreta desse projeto das curtas licenciaturas que batiam de frente com os interesses dos estudantes. (Flávio Cheker, entrevista de pesquisa).

De acordo com discurso reproduzido no Jornal Diário Mercantil, a crítica dos estudantes ao projeto das curtas licenciaturas se pautava no fato do mesmo ser ofensivo aos interesses dos universitários, pois as curtas propiciavam rápido rodízio de estudantes nas universidades, criando a ilusão de mais vagas e legitimando um descompromisso do Estado com a Educação. “Desta forma, sem gastar um centavo a mais, forma-se mais professores, mais profissionais a preço de banana”82.

Em meio às manifestações contra as licenciaturas curtas, o DCE da UFJF trouxe à cidade, como parte da programação da calourada de 1980, o cantor Luiz Gonzaga Junior, o Gonzaguinha, para uma apresentação cultural no ginásio do Sport. Na memória de Flávio Cheker esse episódio foi marcante, devido à sua fala anterior à apresentação do cantor.

Eu lembro que numa das promoções de uma das calouradas a gente trouxe aqui o Gonzaguinha e isso foi no ginásio do Sport, eu me lembro que foi o maior público que eu já falei na minha vida, o ginásio lotado, aquela coisa incrível, e eu fiz uma pequena falação, tinha gente sentado nas arquibancadas repletas, gente sentada no meio do ginásio também repleto, e um palco montado e alguns minutos antes do show começar eu fiz um pronunciamento falando de um caráter político, sabe, e aquela multidão equacionou, não a mim, mas ao conteúdo das palavras, sabe, aquela coisa, aquela reação, aquilo foi fantástico, foi um show, o Gonzaguinha era um cara engajado, embora tivesse todo o seu lirismo, ele se identificava pela luta pelas liberdades democráticas, e a multidão de estudantes compreendeu o recado, foi um momento de divertimento porque era um show , mas um momento de reivindicação também. (Flávio Cheker, entrevista de pesquisa).

Através da promoção cultural transmitia-se uma mensagem política. Neste caso, como abertura do show de Gonzaguinha, o discurso também passava pela pauta das ações contra as curtas licenciaturas na UFJF. Após muitos dias de reuniões, assembleias e planejamento, em 15 de março de 1980 os cursos de licenciatura da UFJF deflagraram uma greve, pressionando a votação contrária à implementação das licenciaturas de curta duração na UFJF.

A greve se manteve, com freqüentes reuniões e discussões sobre o projeto das licenciaturas curtas, até o dia 23 de abril, quando o CEPE, em votação, decidiu por não aprovar o projeto. Após oito dias de intensa mobilização, as lideranças do DCE consideraram o movimento como vitorioso, atingindo seu objetivo e fomentando a discussão na

comunidade acadêmica. Contudo, a reitoria afirmou, em declaração à imprensa local, que o movimento dos estudantes foi válido como forma de provocar a discussão e não como forma de pressão83.

Mostrando que o regime militar ainda exercia medidas de repressão em meio ao processo de abertura, e que os estudantes eram alvo dessas medidas, o DCE da UFJF protestou, em 1980, contra a prisão do estudante de filosofia José Renato Duarte, feita pela Polícia Militar no momento em que o mesmo distribuía, pela cidade, notas à população, assinadas por várias entidades da sociedade civil, protestando contra a prisão de professores e sua repressão durante a greve dos docentes do estado. O apoio dos estudantes a outros movimentos grevistas e a ações dos movimentos sociais e sindicais representam um fato recorrente no período. A prisão do estudante foi interpretada como um ato de arbitrariedade e de busca pela intimidação dos estudantes e da população, que se mostrava contra toda forma de opressão e repressão84.

Em meio a todas as agitações no meio estudantil, outra ação teve repercussão na cidade, nas instituições particulares de ensino. No Centro de Ensino Superior (CES) houve uma grande mobilização em protesto ao aumento de 45% nas mensalidades. Foram realizadas assembleias que contaram com a presença do diretor da UEE – MG Carlos Alberto Pavan. Em uma delas foi aprovado um boicote ao pagamento, que envolveu os estudantes do CES no seu maior movimento até o momento. Beatriz Domingues, que compunha o Comando de Luta do CES, traz na memória as particularidades da luta em uma instituição privada.

E nós militávamos no CES e já começava a ter diferença social aqui. O ICHL era uma coisa muito mais (...) aberta. Primeiro porque havia um predomínio absurdo de mulheres (no CES); em cada sala de aula tinha trinta e tantas mulheres e dois homens (...) E era muito aquela coisa de inclusive mulheres mais velhas que iam estudar de noite, que já tinha filho. Então assim, um padrão muito mais conservador. Então tinha um tipo de discurso apropriado pra aquele negócio, porque aqui na universidade o discurso era assim “Abaixo a ditadura”, eles também falavam assim, mas sempre tinha a preocupação de colocar as coisas mais no concreto. (...) Lá na particular tinha algumas particularidades. Então, por exemplo, não tinha RU e tinha pagamento. (Beatriz Domingues, entrevista de pesquisa).

As diferenças entre o envolvimento político dos estudantes da UFJF e os estudantes de faculdades particulares são caracterizadas pelas distintas realidades sociais e pelas diferenças nas estruturas da própria faculdade. Devido a isso, os discursos precisavam ser direcionados para contemplar as particularidades de cada realidade; não apresentando puramente um caráter político, mas apresentando lutas pontuais que afetavam diretamente a

83 Diário Mercantil de 24 de abril de 1980, p.05. 84 Diário Mercantil de 04 de maio de 1980, p. 06.

vida dos estudantes para conseguirem mobilização. Assim foi com a questão do aumento das mensalidades no CES em 1980, que Beatriz Domingues traz na memória.

Então, houve uma vez lá, que eu não lembro mais o motivo do aumento dos pagamentos e que a gente foi a maior atividade que o CES já deu, que foi que a gente conseguiu realizar uma assembléia (...) subimos no alto das cadeiras, aquele negócio cheio de gente, encheu a assembléia, colocamos cadeira, enchemos a assembléia pra convencer o pessoal a votar pela não aceitação do aumento da mensalidade. (...) Mas então lá era assim, eles olhavam pra nós, principalmente mulheres mais conservadoras, falavam assim “e os reforma agrários nem entendia direito a reforma agrária”. Era bem diferente. (...) Havia umas assembléias assim, mas eu lembro mais nitidez essa que a gente tomou uma ação, (...) a gente recolheu, as pessoas que tiveram confiança em nós pra entregar os carnês e não pagaram mensalidade, a direção ficou louca. Eu acho que a gente não conseguiu incomodar a administração na verdade novamente no mesmo nível de recolher carnê das pessoas do colégio. Olhavam... “aqueles comunistas ali no DA, tão controlando os carnês das pessoas”. (Beatriz Domingues, entrevista de pesquisa).

O movimento realizado pelos estudantes do CES afetou a diretoria da faculdade e teve repercussão na imprensa local, além de se tornar o maior ato de mobilização estudantil da faculdade até aquele período, e envolvendo-a como parte da ação estudantil vigente no Brasil no ano de 1980.

Os movimentos sociais, grupos de Esquerda e partidos políticos fundados, logo que a lei permitiu o retorno dos mesmos em finais do ano de 1979, iniciaram ações conjuntas de protesto e manifestação contra a ditadura militar. Medidas tomadas pela mesma, como a prisão de pessoas envolvidas com as organizações, tornaram-se pauta unificada. Um exemplo é o caso do David Maximiliano, militantes da OSI, citado no capítulo anterior desta dissertação, que, acusado de terrorismo contra o presidente Figueiredo, em Ouro Preto, foi preso pelo regime militar. Contudo, os atos de insatisfação contra o ocorrido, aliados à crítica à ditadura, tomaram conta da Esquerda em Juiz de Fora, que protestou contra o caso através de abaixo-assinado e notas distribuídas à população, fato que levou muitos militantes de outras organizações ao enquadramento na lei de Segurança Nacional.

A prisão de David Maximiliano foi também um dos pontos de protesto que motivaram uma manifestação em 06 de setembro de 1980, aliado à falta de verbas para a educação, bem como a proposta de auxílio aos jornais da imprensa alternativa como “O Trabalho”, “Em Tempo” e “Tribuna da Luta Operária”. A venda de exemplares era feita a preços menores, compensando a recusa de algumas bancas da cidade em vendê-los, por causa dos constates ataques terroristas. Tal manifestação sinaliza na direção da união dos movimentos sociais e políticos em pauta, que em si mostravam postura contra a ditadura militar e a favor das liberdades democráticas, contrários às atitudes repressivas dos militares.

Estavam unidas nesta manifestação, que aconteceu na Rua Halfeld em Juiz de Fora: o Comitê Brasileiro pela Anistia, a UEE – MG, o DCE da UFJF, a União dos Trabalhadores do Ensino, o Comando de Luta do CES e os partidos políticos PT, PMDB e PP.

Na carta distribuída à população, as entidades protestavam contra os atentados, realizados pela ditadura militar, a entidades e pessoas e denunciavam a impunidade que beneficiava torturadores e executores de violência, além de prisões, vistas como medidas autoritárias ao longo dos anos de ditadura militar, ocorridas ainda em 1981.

Seguindo na mesma pauta, as entidades e organizações supracitadas se articularam mais uma vez em ato conjunto no dia 07 de setembro, dia em que é comemorada a independência do Brasil. A concentração se deu nas escadarias da Câmara Municipal de Juiz de Fora e seguindo em passeata pela rua Halfeld, em repúdio ao desfile militar realizado no mesmo dia85.

Como resolução durante o I Coneb (Conselho Nacional das Entidades de Base) da UNE, realizado naquele ano no Rio de Janeiro, foi encaminhada uma greve geral dos estudantes entre os dias 10 e 12 de setembro, como forma de pressionar o governo federal sobre as reivindicações estudantis. O DCE da UFJF aderiu à greve, bem como o Comando de Lutas do CES que, durante esses três dias, não compareceram às aulas. Suas pautas declaradas eram por mais verbas para a educação, pelo ensino público e gratuito a todos e contra a ditadura militar86.

Para dar apoio e fortalecer o movimento, os professores também paralisaram suas atividades entre os dias 08 e 13 de setembro, apoiando as reivindicações estudantis e solicitando aumento no salário do magistério. No tempo de greve, estudantes e professores realizaram debates e exibiram filmes sobre o tema na universidade. Foi elaborada uma avaliação sobre a conjuntura do ensino em Juiz de Fora e a greve foi avaliada como positiva por eles.

No final da gestão da tendência Estratégia em 1980, uma média de cinco mil estudantes votaram nas eleições para as diretorias da UNE e da UEE-MG em Juiz de Fora. Dentre as chapas concorrentes, mais uma vez, se percebe a participação de universitários de Juiz de Fora. “Nosso tempo”, “Mobilização Estudantil”, “Viração”, “Voz ativa” e “Unidade” concorreram à UNE e à UEE. Viração contava com a participação de José Pimenta, de Juiz de Fora, disputando a UNE, unindo MR-8 e PC do B. Nosso Tempo tinha na disputa pela UEE - MG a participação de Tião, da Bioquímica, e Flávio Cheker, pertencente à Centelha. A

85 Diário Mercantil de 07 de setembro de 1980, p. 04. 86 Diário Mercantil de 10 de setembro de 1980, p. 04.

Mobilização Estudantil era o nome do agrupamento da Direita. Unidade representava o PCB, que aparecia com o nome de Maioria anteriormente.

A participação nas eleições para UNE e UEE também foi realizada nas faculdades particulares da cidade e os resultados foram distintos. A chapa Viração obteve maioria dos votos em Juiz de Fora, com mil duzentos e noventa e cinco votos, treze à frente da segunda colocada, Nosso Tempo. A Viração obteve vitória por sua inserção nas faculdades particulares da cidade. Porém, no CES, a chapa Mobilização Estudantil obteve grande expressão87.

No documento gisleneedwigesdelacerda (páginas 151-158)