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A gestão do grupo Ação e Unidade e novas pautas: a tomada do Restaurante

No documento gisleneedwigesdelacerda (páginas 148-151)

4.2 As gestões do DCE na memória de seus militantes

4.2.5 A gestão do grupo Ação e Unidade e novas pautas: a tomada do Restaurante

Assim, após eleições em outubro de 1978, a Ponto de Partida deixava o DCE e a chapa Ação e Unidade, que tinha como presidente Carlos Alberto Pavan, assumiu a presidência. Na gestão de Pavan eclodiu uma nova luta no Movimento Estudantil de Juiz de Fora. Se em 1978 a pauta se concentrou na questão do transporte, em 1979 o foco foi a luta por melhorias no RU.

Na memória de Ignácio Delgado, o preço e qualidade da comida servida no Restaurante Universitário desencadearam uma insatisfação entre os estudantes que, após algumas assembleias realizadas na UFJF, culminou na ocupação do RU pelos mesmos.

A outra coisa que já pintou nessa época foi a coisa do RU. (...) No ano de 1979 o problema do RU – preço e qualidade da comida - resultou em uma grande mobilização, que já estava sob direção do Pavan. (...) é uma coisa gozada, porque a gente (Estratégia) já era uma tendência que atuava autonomamente, ia nas assembleias e tal, e aí a nós começamos a campanha pela melhoria do RU, discussão de preços do RU e o movimento foi crescendo, crescendo, crescendo e nós fizemos algumas manifestações em frente a reitoria e aí de repente tinha aquela coisa do grand finale: qual vai ser o grande momento em que nós vamos finalmente encurralar a reitoria para que ela nos dê uma resposta? O reitor era muito difícil. O Sebastião é até uma pessoa muito boa, mas pouco maleável, não sabia negociar, sabe, demorava a atender e não fazia acordo; então, a coisa esticava demais porque também não tinha retorno do lado de lá. Aí, nós chegamos a uma assembléia marcada no RU (...) nós íamos fazer a assembléia no RU pra decidir qual era o passo, o arremate daquela campanha que estava crescendo, crescendo, crescendo. Na Estratégia nós fizemos uma reflexão interna definindo que deveríamos propor a tomada do RU, mas que a tomada do RU não deveria ser decidida naquela assembléia. Nós íamos propor uma concentração em frente ao RU aí se o reitor não reagisse, a gente ia sair dali e tomar o RU. Só que nós chegamos lá na assembléia e o pessoal do DCE propôs o boicote ao RU. Aí é uma coisa engraçada, porque como nós nos reconhecíamos no movimento como o grupo mais radical, não podíamos admitir ser vencidos numa assembléia com uma proposta mais radical que a nossa. Lembro que estava sentado eu, a Cristina Boloteca, da Ciências Sociais, namorada do Sérgio Coca-Cola, o Guigui e os dois ficaram assim: “vamos propor logo a

tomada, vamos propor logo a tomada Ignacio”. Eu fiquei assim meio sem jeito, mas disse assim, de ombros: “propõe então”. Aí a Cristina levantou e disse assim “oh gente, esse negócio de boicote, isso não tem nada a ver, o estudante vai pagar mais caro” [porque tem que comer fora, né]. A turma foi ficando animada com aquilo e marcou pra semana seguinte a tomada do RU. (Ignacio Delgado, entrevista de pesquisa).

Através da fala de Ignacio Delgado percebe-se a atuação das tendências dentro do Movimento Estudantil, em Juiz de Fora. Cada tendência realizava reuniões, discussões e debates anteriormente às assembléias, buscando articular qual linha seguiriam em suas intervenções e quais propostas seriam encaminhadas pela mesma de acordo com sua ideologia e bases internas.

A Estratégia, tendência trotskista, propôs a ocupação do RU, buscando levar à plenária sua definição e a proposta foi aceita. A semana se seguiu com constantes anúncios da imprensa local sobre o dia da tomada do Restaurante Universitário do campus, o que propiciou a tomada de conhecimento do fato pela reitoria, culminando numa dura repressão aos estudantes. Na memória de Ignacio, a tomada do RU foi um momento marcante e teve a presença de quatrocentos universitários, sem nenhum ato de vandalismo ou depredação do espaço. Contudo, o reitor abriu o campus para a Polícia, que reprimiu durante aquela manifestação estudantil.

Aí foi uma coisa de doido porque o jornal noticiava quase todo dia: “faltam tantos dias para a tomada do RU”, “o dia da tomada do RU é tal”, “hoje é o dia da tomada do RU”. Nós fomos lá, tomamos o RU, cerca de quatrocentos estudantes. Não aconteceu nada em termos de danos materiais, para a instituição - dizem que queimou um fusível - mas o reitor chamou a policia, encheram o campus de policia, colocaram RU debaixo de polícia. (...) tomou-se o RU, mas ali foram detidos e presos eu, o Pantera, o Pavan, que era presidente do DCE, e um certo Carlos Eduardo que era estudante de Direito. Ficamos lá na Oswaldo Cruz até de noite e em Santa Terezinha, incomunicáveis. Não teve exatamente tortura, mas por duas horas eles mandaram a gente segurar uma cadeira assim, uma dor no braço pra daná, e - nós não víamos, mas ouvíamos, não sabia se era simulação para nos amedrontar ou se acontecia mesmo - alguém na sala ao lado, acusado de porte de droga, fazia um barulho como se estivesse apanhando pra burro. Aquilo, eu confesso a você, deu um certo medo na gente. Isso foi no inicio de 1979. Eu sei, porque a gente tinha acabado de voltar das férias, eu tinha brigado com a namorada, a Fátima da Bioquímica, e isso tava na minha cabeça. Os caras, na hora de me interrogar sabiam tudo, que eu tinha terminado com a namorada, e isso eu achei impressionante, pensei “eles estão me vigiando o tempo todo”, mas não era nada disto não. As cartas que nós trocamos estavam dentro da bolsa, eu tinha levado a minha bolsa à tiracolo... Ficou aquela expectativa e as ameaças: vai abrir processo, lei de segurança nacional, coronel, papapa. (Ignacio Delgado, entrevista de pesquisa).

Alguns estudantes foram presos após a investida da polícia sobre os manifestantes no RU. A lembrança de um tempo de dura repressão gerava medo nos estudantes presos nesta ocasião. Contudo, os mesmos foram apenas amedrontados, mas sem sofrer nenhuma agressão.

Flávio Bitarelo, do grupo LIBELU, também se recorda dessa ocupação realizada pelos estudantes e de sua prisão, assim como Ignacio Delgado.

Não havia assim, uma certeza de que ia ter repressão na universidade, principalmente porque o Reitor que tinha que autorizar, pois a área era federal. Os reitores eram nomeados pelo general. Ele autorizou a federal e a polícia militar entrar e prendeu dentro do RU, lá em cima, eu e mais alguns estudantes, algumas estudantes, meninas da Odonto, da Ciência Biológicas, Bioquímica, que eu não tô lembrando agora. Jogaram a gente dentro do camburão da PM e trouxeram a gente aqui pra polícia federal que era aqui na rua Osvaldo Cruz (...).Eu fiquei umas dez ou doze horas preso, interrogatório pra todo mundo. Mas eu realmente não tinha paranóia. Eu não acreditava naquela altura do campeonato que o regime militar tinha condição de matar alguém. (...) Eu lembro de falando com as meninas “eles vão fazer o que?” Eles vão interrogar, eles vão atualizar os arquivos deles, tem gente nova que nunca foi preso que eles não conhecem. (Flávio Bitarelo, entrevista de pesquisa).

O interrogatório foi feito, pela polícia, a todos os estudantes presos e foram todos fichados, atualizando os arquivos da PM, mas tendo sido, posteriormente, todos liberados. Na memória de Flávio Cheker, a presença do exército dentro do campus, com o objetivo de conter a ação dos estudantes na ocupação do RU, tornou-se marcante.

Os momentos de maior repressão que a gente teve aqui, momentos graves inclusive foram os da ocupação do RU quando a gente ocupou o RU e o exército então invadiu o campus, não só a policia militar como soldados do exército invadiram o campus, eu me lembro que tava subindo de carro, eu dirigia o carro e os caminhões passando, cortando a gente, encostando, e quando eu entro no campus eles estavam saindo do campus como se fosse um filme de guerra mesmo, soldados pulavam dos caminhões, rolavam pelo chão e se colocavam de prontidão, isso foi uma coisa terrível, felizmente não teve nenhum episódio de confronto mais agudo, mas essa invasão por si só foi marcante, daí ocuparam tudo, fizeram aquela festa, e o campus é um território autônomo, foi uma violência terrível. (Flávio Cheker, entrevista de pesquisa).

A liberação dos estudantes presos na memória dos militantes teve a intermediação de Itamar Franco, senador em 1979 pelo MDB. Na memória de Jorge Sanglard, o apoio de Itamar Franco sinalizava para o apoio recebido por políticos da oposição ao movimento estudantil, que tinham como objetivo macro a luta pelas liberdades democráticas.

Teve uma invasão da polícia, mas só podia entrar polícia no Campus se fosse a pedido do reitor, e algumas pessoas foram presas dentro da Universidade. A ocupação da Universidade pela PM também chocou muito a cidade, porque eram os filhos das pessoas de Juiz de Fora, as pessoas de bem que estavam lutando pra melhorar a Universidade, as pessoas não toleravam mais aquela intolerância, que prevalecia na relação com a sociedade. Nessa invasão do RU de cima e de baixo, um pequeno grupo de estudantes e de jornalistas procurou o senador Itamar Franco, na casa dele (...). Foi relatado o que estava acontecendo, ele dispôs a conversar com a liderança da PM, que estava no comando. Ele disse estar disposto a entrar na mediação como senador. Então, você vê que a gente também tinha um respaldo da oposição que tava lutando pela redemocratização. Esses são assim, dos pontos

gerais, alguns aspectos importantes pra colocar, pra gente medir assim, o papel que o movimento estudantil tinha, o papel que o movimento estudantil desempenhou na redemocratização. (Jorge Sanglard, entrevista de pesquisa).

A luta conta a ditadura militar era a soma de um conjunto de sujeitos que, cada um a seu modo, desempenhavam papel de oposição. Os políticos do MDB, que atuavam numa disputa político-eleitoral com a ditadura, desempenhavam, muitas vezes, um apoio legal no amparo aos militantes de movimentos sociais, em especial, quando estes eram acusados junto à Polícia. Esse apoio sinalizava também para o reconhecimento do papel do Movimento Estudantil no contexto político e sua importância na luta pela redemocratização do país.

Outro acontecimento de destaque na gestão de Pavan em 1979 foram as eleições, ocorridas nos dias 03 e 04 de outubro, para a diretória da UNE e da UEE - MG. Das cinco chapas concorrentes naquele ano para a UNE, três possuíam membros de Juiz de Fora77. Durante o processo eleitoral, muitas pressões foram direcionadas ao DCE, tanto por parte do reitor, quanto pelo governo, para a não participação da entidade nas eleições da UNE, que estava extinta por decreto federal, o que tornava tal envolvimento inconstitucional.

Contudo, os estudantes não se intimidaram e realizaram normalmente as eleições para a UNE, que contou com uma grande participação dos universitários de Juiz de Fora. Essas eleições mostram a relevante participação que possuíam os juizforanos na composição de chapas nacionais e estaduais, que contavam sempre com membros da cidade nas diferentes tendências.

4.2.6 A primeira gestão da Estratégia e os reflexos da mudança conjuntural no inicio

No documento gisleneedwigesdelacerda (páginas 148-151)