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Os estudantes e as Diretas já

No documento gisleneedwigesdelacerda (páginas 73-78)

2.5 A ação estudantil: o ME em tempos de abertura política (1974 a 1984)

2.5.6 Os estudantes e as Diretas já

A década de 1980 foi marcada por uma crescente pressão da sociedade civil pela redemocratização do Brasil. Fizeram parte desta década acontecimentos importantes para devolver, ao Brasil, efetivamente, a democracia. Dentre eles a Campanha pelas Diretas-Já tem uma significativa importância. Esta começou em 1983, ainda como um movimento acanhado, e em 1984 se tornou uma campanha de massa, apoiada por inúmeras organizações. A Campanha Diretas-Já foi um movimento suprapartidário, que envolveu os principais partidos de oposição ao regime militar, movimentos sociais de esquerda e outros setores da sociedade civil em torno da luta pelo retorno das eleições diretas para presidente da República.

Dentre estes grupos, que se somaram às mobilizações pelas eleições diretas, podemos destacar UNE (União Nacional dos Estudantes), OAB (Ordem dos advogados do Brasil), ABI (Associação Brasileira de Imprensa), CUT (Central Única dos Trabalhadores), Conclat (Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras), a CNBB (Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil), a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e diversos sindicatos e associações profissionais.

Segundo Lucília Neves Delgado, a Diretas-Já ganhou sentido e dimensão maiores do que a luta pelo voto direto para presidente. Para a autora, a Diretas passou a representar uma manifestação da sociedade civil contra a falta de liberdade no país e o descontentamento com a política econômica.

O sentido republicano da campanha Diretas-Já alcançou dimensão bem maior que a de uma mobilização pelo direito de voto para presidente. Na verdade, a presença

crescente e maciça de trabalhadores, estudantes, desportistas, jornalista, políticos, artistas, intelectuais, clérigos e mulheres nas ruas e praças brasileiras, expressou um contundente protesto contra a ausência de liberdades civis e políticas no Brasil. Também serviu como canal de manifestação de um forte descontentamento com a condução da economia do país. (...) Crise econômica e aspiração democrática, portanto, alimentaram as ações de apropriação das ruas e praças das cidades pela população brasileira. (DELGADO, L.N, 2007: 417).

Os comícios e passeatas das Diretas transformaram-se em verdadeiras festas cívicas, temperadas com a esperança de mudança e ornadas com bandeiras que portavam os mais diferentes símbolos. Em um mesmo movimento, se uniam os diferentes partidos e tendências, em prol das Diretas; subiam em um mesmo palanque lideres políticos dos diferentes partidos que agregavam suas divergências políticas e se aliavam em um mesmo discurso, focando o objetivo principal: restaurar a democracia e as liberdades no Brasil.

Foram muitas as palavras de ordem e as peças publicitárias, como camisas e faixas que enfeitavam as ruas das cidades brasileiras. Era uma grande festa da cidadania, da democracia e da comunhão nacional. Muitas ações foram planejadas para o dia 25 abril de 1984. Contudo, o governo federal conseguiu conter, principalmente, a iniciativa de uma Marcha para Brasília. Também, por definição do governo federal, as emissoras de televisão não puderam transmitir a votação da Emenda Dante de Oliveira ao vivo, tendo, a população, acompanhado a votação por meio de boletins da imprensa. Foram colocados, em muitos lugares públicos, imensos placares com o registro do voto de cada deputado.

Dante de Oliveira foi deputado pelo PMDB do Mato Grosso e foi o responsável por formalizar, através de uma emenda constitucional, a palavra de ordem que estava no anseio popular por transformações na vida política brasileira de forma significativa. Transformações que poderiam começar com o retorno da democracia eleitoral para o Brasil. No entanto, o resultado da iniciativa do deputado não foi o esperado pelo povo, que havia corrido o país com campanhas, manifestações e comícios, enchendo as ruas em torno da bandeira das Diretas Já. “Foram duzentos e noventa e oito votos a favor, sessenta e cinco contra, cento e treze deputados ausentes e três abstenções. Faltaram vinte e dois votos para que o quorum fosse alcançado, qualificado de 2/3 estabelecido para aprovação de emendas constitucionais”. (DELGADO, L.N.. 2007: 412).

O resultado provocou comoção em toda a sociedade brasileira. Pessoas choravam pelas ruas e praças das cidades brasileiras. Naquele dia 25 de abril de 1984, próximo à Câmara dos Deputados, formou-se, por centenas de pessoas, um ato cívico simbólico, demonstrando sua decepção com o resultado da votação: deram-se as mãos e entoaram o Hino Nacional.

Em Juiz de Fora, os estudantes realizavam debates na universidade e passeatas pelas ruas da cidade, em prol das eleições diretas. Segundo Rafael Pimenta, presidente do DCE no ano das Diretas,

(...) Nós fizemos diversos debates na Universidade. Por exemplo, o Teotônio Vilela veio nesta fase. A minha chapa no DCE, a minha chapa que estava concorrendo ao DCE antes da eleição é que trouxe o Teotônio Vilela a Juiz de Fora, pra dar uma palestra aqui. Então já era no movimento das Diretas. Durou um ano, um ano e meio, uma coisa que envolveu toda a sociedade brasileira. (...) A eleição pra definir se a eleição ia ser direta foi fechada. Mas no dia da campanha das Diretas foi uma choradeira geral em todo país era o que saía na televisão aquele dia. Você tava na rua, as pessoas do lado, a outra, a outra, um negócio louco. (Rafael Pimenta, entrevista de pesquisa).

Entretanto, no dia seguinte à votação da Emenda Dante Oliveira, a aliança formada pelos diferentes partidos e movimentos se desfez. Já que a Emenda havia sido derrotada, os partidos políticos recém-criados encaminharam uma nova solução; a opção era a realização de uma eleição indireta, por Colégio Eleitoral, composto por parlamentares. Os partidos apresentariam os candidatos e o Colégio Eleitoral escolheria o novo presidente. Essa proposta, no entanto, não agradou ao Partido dos Trabalhadores, que não aceitou a eleição indireta. As negociações políticas entre os partidos lançaram dois candidatos: Paulo Maluf e Tancredo Neves.

No período das Diretas-Já, Marcus Pestana foi vereador na cidade de Juiz de Fora e foi coordenador da campanha na cidade. Em sua memória, o movimento das Diretas envolveu o povo em torno da frase que unificava e sintetizava o movimento: “Eu quero votar pra presidente”.

Eu fui coordenador da campanha das Diretas como vereador (...). Mas então foi todo mundo se apaixonando pela campanha das Diretas, foi uma coisa, aquela ebulição, aquela coisa guardada, foi uma coisa engenhosa, porque sintetizou toda expectativa social numa palavra: “Diretas já”. Era uma coisa que não tinha cara (...). Tinha lá o Tancredo, o Ulisses, o Brizola, o Lula, tinha o Osmar Santos, Cristiane Torlone, mas assim, o lema, eu quero votar, sou eu, era uma coisa desse tipo, sem rosto, era uma causa coletiva. Então foi apaixonante a campanha das Diretas. Mas você imagina logo que a derrota da emenda Dante de Oliveira foi divulgada, nós tentamos fazer um protesto e foi melancólico, tinha trinta pessoas na escadaria da Câmara. (Marcus Pestana, entrevista de pesquisa).

Além da organização de comícios na cidade, que contou com diversas iniciativas, os juizforanos também iam aos comícios no Rio e em Belo Horizonte.

Envolveu todo mundo, porque teve um artista plástico, o Jorge Abache que é arquiteto e artista plástico, ele fez uma coisa engenhosa, uma bandeirola quadrada, que era verde e amarela e que ela permitia uma série de montagens, você ia brincando com aquilo ali fazia varias formas. Teve mil iniciativas, a gente fazia muita mobilização, mas não só organizamos a campanha como ia ao comício do

Rio, o comício de Belo Horizonte, sai ônibus daqui pra ir. Foi uma coisa, foi um momento único, que o Chico na música conseguiu captar que é uma música, quem viveu aquilo quando ouve fica até emocionado, que é uma coisa, as pessoas saindo com a camisa amarela e tal. Mas foi um momento muito especial, tanto no lapso da mobilização quanto na derrota, na decepção, foi um aprendizado enorme. (Marcus Pestana, entrevista de pesquisa).

Em Juiz de Fora, os estudantes se uniram à campanha das Diretas participando de comícios, realizando passeatas e produzindo materiais gráficos para a distribuição à população. Aconteceu na cidade, um comício na Praça da Estação, com a presença de Tancredo Neves, poucos dias antes da votação no congresso. Nesse evento, o então presidente do DCE da UFJF, Rafael Pimenta, teve discurso reservado a Tancredo, revelando a importância política que a entidade possuía no referido período. O momento do comício coincidiu com uma greve de estudantes pela melhoria do Restaurante Universitário da UFJF, o que oportunizou a realização de críticas à reitoria, através do discurso e da distribuição de panfletos.

Todo o material gráfico do comício, os cartazes, foi tudo rodado na gráfica do DCE (...). No comício das Diretas eu falei pelo DCE, falei logo antes, foi na Praça da Estação. Foi logo antes do Tancredo falar (...). Acho que ele já tava em cima do palanque, tava lotado de políticos, autoridades, deputados federais, deputados estaduais de tudo que é lugar, e o presidente do DCE falou no comício das Diretas. A gente tava em plena greve do bandejão. Distribuímos muito papel no comício denunciando a postura da reitoria, não exatamente a reitoria, porque ela obedecia a ordens. Era em última análise ao governo federal e do ministério da Educação. A gente tava fazendo campanha pelas Diretas e pelo Tancredo, ao mesmo tempo dando cacetada no governo, pra ajudar e tal; tal era a importância que o DCE tinha em Juiz de Fora, pra você ter uma idéia (...).

A gente fazia passeata, a gente descia a pé da Universidade até o centro. Os comícios das Diretas foram muitos, foram crescendo. Esse que teve o Tancredo foi o de fechamento. Três, quatro, cinco dias, não sei dizer, antes da votação, que Juiz de Fora sempre foi uma cidade politicamente importante no Brasil (Rafael Pimenta, entrevista de pesquisa).

A UNE começou uma intensa discussão sobre apoiar ou não a candidatura de Tancredo Neves. A entidade decidiu apoiá-lo, apesar da polêmica criada em torno do tema que não foi unânime entre as tendências do Movimento Estudantil. Em janeiro de 1985, a chapa de Tancredo foi vencedora com grande vantagem. Sua eleição, apesar de caracterizar uma solução negociada e elitista, apresentava uma grande simbologia. Tancredo Neves representava a possibilidade de, após anos de governos militares, um civil, que não esteve envolvido no governo ditatorial, subir ao poder. Entretanto, Tancredo adoeceu e faleceu antes de assumir a presidência, que foi ocupada por seu vice, Jose Sarney, político de tradição conservadora, em 15 de março de 1985. Logo após sua posse, Sarney restabeleceu as eleições

diretas, legalizou partidos comunistas e aprovou voto para analfabetos. (ARAÚJO, 2007 b: 350).

Considerações

Como vimos, o processo de abertura política desencadeou-se a partir do interior do próprio regime, no inicio do governo Geisel. Contudo, a ação dos movimentos sociais acelerou tal processo, por força da pressão que exerceram sobre o regime no sentido de sua distensão. Neste capitulo percebemos como os estudantes iniciaram um processo de lutas e manifestações após anos de silenciamento e como participaram ativamente das principais lutas que envolveram a sociedade. No entanto, como foi possível vislumbrar neste capitulo, o ME não é uma voz uníssona, sendo formado por varias tendências tanto no plano nacional como no plano local, configurando sua dinâmica e influenciando em suas ações. Por fim, percebemos que o Movimento Estudantil em Juiz de Fora acompanhou as pautas de luta do ME nacional e este por sua vez, as lutas da sociedade, traduzidas na pauta central: pelas liberdades democráticas.

3 AS TENDÊNCIAS DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA DÉCADA DE

1970 E SUAS ORIGENS

A significativa ação dos movimentos sociais na segunda metade da década de 70 constituiu-se como um coeficiente de destaque, sendo um fator de resistência à Ditadura Militar vigente, bem como um fator de grande colaboração para a redemocratização brasileira. Grande parte dos movimentos sociais, dentre eles o movimento estudantil, era permeado por diversas tendências ou correntes internas, vinculadas, em sua maioria, à segmentos de Esquerda. Esses segmentos formavam grupos, em grande parte, oriundos de antigas organizações clandestinas ou mesmo partidos políticos.

Neste capitulo, busca-se identificar as conexões externas estabelecidas nesta ampla teia formada pelas diferentes correntes políticas na qual se inserem as tendências do ME juizforano. Em seguida, abordam-se as principais tendências estudantis que permearam o ME brasileiro buscando suas origens. Nele, dedica-se especial atenção às tendências atuantes dentro o movimento estudantil juizforano, foco desta pesquisa, buscando identificar suas origens e sua trajetória ao longo do período estudado.

3.1 A juventude nas organizações de esquerda até 1974: as influências no âmbito

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