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Os estudantes e a luta pela anistia

No documento gisleneedwigesdelacerda (páginas 61-64)

2.5 A ação estudantil: o ME em tempos de abertura política (1974 a 1984)

2.5.3 Os estudantes e a luta pela anistia

No último dia de 1978, expirou o AI-5. Dessa forma, no ano seguinte o país começava a respirar. A luta pela Anistia política teve esboço em 1975 a partir de dois fatos: o culto ecumênico pela morte de Vladimir Herzog em São Paulo, e também em São Paulo a criação do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), liderado por Terezinha Zerbini.

Para Reis (2004: 47), a luta pela anistia foi empreendida por pequenos grupos familiares e amigos de presos e exilados, trabalhando em condições de extremo risco. Sujeitos ao total arbítrio da ditadura ainda vigente, a ideia da anistia ia progredindo lentamente no Brasil entre diversos grupos como os estudantes, os intelectuais, artistas e formadores de opinião. Segundo Reis, havia duas vertentes que logo se destacaram:

De um lado, os que desejavam uma anistia ampla geral e irrestrita e, além disso, uma apuração conseqüente dos crimes da ditadura, com o desmantelamento dos órgãos da policia política, a famigerada comunidade de informações, responsável pela execução da tortura como política de Estado. De outro, a tendência desejosa de alcançar uma anistia que reconciliasse a família brasileira, uma esponja suficientemente espessa para conseguir que todos esquecessem tudo e nada mais restasse senão a construção da democracia nos horizontes que então se abriam. (REIS, 2004: 46).

O tema da anistia logo se ampliou e a adesão dos estudantes se fez ainda maior após a prisão de universitários ligados ao MEP na região do ABC Paulista, em maio de 1977. Após esta prisão, estudantes do Rio de Janeiro e São Paulo realizaram manifestações pedindo a libertação de seus companheiros. Em SP foram dez mil estudantes na passeata do Viaduto do Chá, a primeira na cidade após 1968, e que, de forma ampla, envolveu a bandeira de luta pela anistia.

Logo após essas manifestações, foram fundados Comitês Brasileiros pela Anistia (CBA), inicialmente no Rio e em São Paulo, que foram ampliando suas atuações nas principais cidades brasileiras. Esses comitês congregavam os segmentos sociais e políticos mais ativos e eram sempre liderados por correntes de esquerda, entre elas aqueles grupos vinculados à luta pelas liberdades democráticas. O comitê conseguiu congregar as forças de toda a Esquerda, movimentos sociais e a sociedade, entre eles os estudantes12.

Na cidade de Juiz de Fora/MG, também se formaram Comitês pela anistia que congregava pessoas de diferentes grupos políticos, unidos pela aprovação da lei pela anistia política. Jorge Sanglard, rememora o significado político que estava em torno da Penitenciária, localizada no Bairro Linhares, que recebia presos políticos de várias cidades da região. “A Penitenciária de Linhares13 recebeu presos políticos de fora e daqui também. E o Movimento da Anistia teve um papel importantíssimo para discutir essas questões, de preparar o caminho pra volta, de quem estava lá fora e de quem estava aqui também”. (Jorge Sanglard, entrevista de pesquisa).

Beatriz Domingues relembra o envolvimento de alguns membros da Igreja Católica, dos vários movimentos sociais e do movimento de mulheres, em especial, que participavam do comitê pela anistia. Contudo, recorda que muitas outras pessoas, independentes de grupos políticos, envolviam-se no comitê por se comoverem com a causa.

Tinha um comitê pela anistia que na Igreja da Glória, tinha até um padre, que era professor lá, o padre Dalton e nesse comitê eu participava com as pessoas das mais diferentes tendências, era uma coisa suprapartidária lá na Igreja da Glória, eu lembro perfeitamente os padres da igreja da Glória que davam suporte, porque tinham pessoas da sociedade que não estavam envolvidas com tendência nenhuma, nem com movimento nenhum e que estavam ali. Tinham mulheres simpatizantes das mães da Plaza de Maio lá na Argentina, as que tinham perdido os filhos, desaparecidos na ditadura. (Beatriz Domingues).

12 Ver anexo A, cartaz movimento pela anistia.

13 A Penitenciaria de Linhares referida na entrevista é a Penitenciaria localizada na cidade de Juiz de Fora/MG

que possui um histórico de abrigar presos políticos na ditadura militar não apenas da cidade, mas da região. Sobre a penitenciaria de Linhares, ver RIBEIRO, F.M.F.. A Subida do Monte Purgatório: Estudo da experiência dos presos Políticos da Penitenciária Regional de Linhares (1969- 1972). Juiz de Fora, PPGH – UFJF, 2007.

Na memória de José Pimenta o movimento pela anistia começou como uma iniciativa do Movimento feminista e que depois agregou outros grupos em seu entorno.

O movimento de anistia aqui era muito grande. A dona Maria do Céu, que era uma senhora educadora e a Raquel14 organizou o movimento feminino pela anistia. A

gente fez uma solidariedade grande a um casal do Uruguai que tinha sido preso no Rio Grande do Sul que foi uma legenda na época. A campanha pela libertação deles aqui no Brasil, os adesivos do Comitê Brasileiro de Anistia, aquilo pela cidade. O calçadão ali tinha uma campanha enorme. (...) Então o movimento de anistia naquele período ali, era muito intenso, todo mundo participava. (José Pimenta).

Apesar de reconhecer, hoje, a importância do Comitê pela Anistia em congregar forças, percebe-se que havia grupos que se colocavam com uma postura mais radical, orientados por sua ideologia, e por isso, alguns deles foram colocados à margem dessa construção coletiva.

Estávamos tentando montar aqui o Comitê Brasileiro pela Anistia, mas acabamos ficando muito isolados e a minha presença foi muito pequena nisso. A posição da DS era uma posição muito irrealista. A anistia era uma luta pra reunir amplos setores, não era uma luta para separar, era uma luta pra juntar. Em si mesmo, o sentido dela era permitir a reintegração à vida brasileira de pessoas que dela tinham sido retiradas por causa da ditadura. Nós falávamos que tinha que ter julgamento para os torturadores, e aí os outros grupos que participaram do movimento pela anistia aqui foram nos retirando, não iam mais nas reuniões em que participávamos e nós ficamos meio que chupando dedo. Nós convocávamos para os atos, entendeu, mas não eram atos amplos. (Ignácio Delgado).

A luta pela anistia foi vitoriosa, no entanto, apresentava ressalvas. Em outubro de 1979, o presidente Figueiredo encaminhou um projeto sobre a anistia para o Congresso, que foi aprovado em uma disputa acirrada. A anistia, contudo, não contemplava a todos, pois não abrangeu os participantes da luta armada e não reconheceu os mortos e desaparecidos políticos. Além disso, a Lei da Anistia, aprovada em agosto de 1979 apresentava uma dualidade: era uma anistia recíproca, anistiando, simultaneamente, torturados e torturadores.

Apesar de não ser conforme objetivavam, a Lei da Anistia foi vista como uma vitória pela esquerda brasileira, ainda que parcial. Ela representava uma importante conquista democrática, que congregou e unificou a Esquerda em prol de uma mobilização nacional. Assim, grande parte da população viu a lei como uma vitória importante rumo à democracia e compareceu aos aeroportos para receber com grande festa os exilados que retornavam ao país. Era a principal luta travada pela frente democrática, que enfrentou o regime militar nos anos 70 e foi vitoriosa.

14 Raquel Scarlateri, jornalista, membro do DA de comunicação da UFJF e do DCE na década de 1970, ligada ao

grupo de José Pimenta, com o qual foi casada. Chegou a ser vereadora na cidade de Juiz de Fora no inicio da década de 1980 e exerceu uma grande atuação junto ao movimento de mulheres na cidade de Juiz de Fora no referido período.

Após a anistia o país entrou efetivamente no caminho de construção das liberdades democráticas. Os estudantes ainda em 1979 empenharam-se em reconstruir a UNE. Porém, os anos posteriores até 1984 foram importantes nesse processo, tendo fatos marcantes que sinalizaram este caminho como o retorno ao pluripartidarismo e à Campanha pelas Diretas Já, ítens que serão tratados na seqüência deste capítulo.

No documento gisleneedwigesdelacerda (páginas 61-64)