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A PROPRIEDADE INTELECTUAL E SUA DISCIPLINA LEGAL

DO COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE

4.2 A PROPRIEDADE INTELECTUAL E SUA DISCIPLINA LEGAL

Os direitos de propriedade intelectual referem-se à proteção de toda criação e expressão da atividade inventiva e criativa, isto é, do produto da criação do espírito humano. Tratam-se, portanto, de direitos sob objetos imateriais, sem existência corpórea, de ordem abstrata.

No contexto, o termo propriedade intelectual é uma expressão genérica que compreende quatro grandes modalidades de direitos dos indivíduos sobre suas criações. São elas: a) Cultivares (direitos de proteção sobre novas variedades vegetais); b) Programas de Com-putador; c) Direitos Autorais e d) Propriedade Industrial, que, por sua vez, se subdivide em quatro espécies – Desenhos Industriais, Indicações Geográficas, Marcas e Patentes.

Nesta última espécie concentram-se atualmente as maiores discussões acerca da prote-ção dos direitos de propriedade intelectual, em especial no tema foco deste trabalho, o patenteamento na área de biotecnologia.

4.2.1 O Direito Patentário

A primeira lei de patentes conhecida na história foi aprovada em 1474, em Veneza, e ga-rantia ao inventor o direito exclusivo de produzir seu invento por um período de tempo ilimitado. Após a Revolução Industrial, século XIX, foram criados marcos regulatórios internacionais sobre a propriedade industrial, logrando aos fabricantes um maior con-trole sobre a produção e distribuição de seus produtos mediante o sistema de patentes e marcas. Antes do século XIX não existia um sistema de propriedade industrial. Cada país tinha autonomia para definir sua legislação. Com isso, um invento com proteção de patente em um país podia ser usado por qualquer outro país sem violar nenhuma lei (BERMUDEZ; OLIVEIRA, 2006).

Neste contexto, com vistas à padronização dos direitos de propriedade intelectual, a par-tir do século XIX foram firmados os mais diversos Acordos no âmbito internacional, dentre os quais se destaca a Convenção da União de Paris (CUP), de 1883, que deu origem ao atual Sistema Internacional da Propriedade Industrial, que se constitui de três premissas básicas:

1) Princípio do Tratamento Nacional – igualdade de tratamento para nacionais e es-trangeiros;

2) Princípio da Prioridade Unionista – ou direito prioritário (BERMUDEZ; OLIVEI-RA, 2006)1;

3) Princípio da Autonomia no Regramento do Direito Material – cada Estado-membro tem competência para regular o direito material conforme seus desígnios, respeitadas as delimitações preconizadas na Convenção.

Desta forma, o texto dispositivo da CUP previa ampla liberdade legislativa para cada país signatário (especialmente quanto à matéria patenteável), exigindo apenas paridade, ou seja, o tratamento conferido ao nacional beneficiará também ao estrangeiro. Entre-tanto, cada patente nacional é inteiramente independente das patentes de todos os ou-tros países (BARBOSA, 2005). Após a assinatura da CUP – cujo conteúdo passou por oito revisões – nota-se uma evolução da propriedade intelectual que se caracteriza por uma progressiva internacionalização e harmonização das normas de proteção dos direi-tos do inventor, culminando na assinatura do Acordo sobre os Aspecdirei-tos dos Direidirei-tos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (sob a sigla em inglês TRIPS), em 1994.

O Acordo TRIPS teve por objetivo essencial o estabelecimento de um piso de proteção aos direitos de propriedade intelectual, garantindo uma harmonia entre a legislação dos países-membros, pondo fim à ampla liberdade destes para definição da matéria patente-ável (WTO). É o que estabelece o princípio da não discriminação, no artigo 27.1 do texto do Acordo, o qual dispõe que as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção e seu setor tecnológico. Des-ta forma, matérias que antes haviam sido excluídas do campo de patenteabilidade em alguns países – como as invenções farmacêuticas e os microrganismos geneticamente modificados – passaram a ser obrigatoriamente passíveis de proteção no território dos países signatários do TRIPS.

Em âmbito nacional, o primeiro Código da Propriedade Industrial foi instituído pelo Decreto-Lei nº 7.903, de 27 de agosto de 1945, o qual foi revogado pelos Decretos-Lei nºs 254 e 1.005, respectivamente de 28 de fevereiro de 1967 e de 21 de outubro de 1969, que posteriormente foram substituídos pela Lei nº 5.772, de 31 de dezembro de 1971 (Código de Propriedade Industrial de 1971), que ficou vigente até maio de 1996.

Em 30 de dezembro de 1994, o Decreto nº 1.355 internalizou no território nacional as disposições do Acordo TRIPS. Nesse contexto, para adaptação da legislação brasileira aos padrões mínimos de proteção dos direitos de propriedade intelectual estabelecidos

1 Bermudez & Oliveira esclarecem que o conceito de direito prioritário significa que as partes que fazem uma solicita-ção de patente, modelo de utilidade, desenho industrial ou marca em um dos países da CUP têm o direito de fazer a mesma solicitação em outros países também signatários com direito de prioridade, segundo os esquemas de tempo estabelecidos pela Convenção.

pelo TRIPS, em 14 de maio de 1996 foi promulgada a Lei nº 9.279 (Lei de Propriedade Industrial – LPI), atualmente em vigor.

4.2.2 Patente: Definição, Critérios e Fundamentos

Pelo atual sistema patentário brasileiro a patente pode ser concebida como um direito outorgado pelo Estado a pessoa física ou jurídica, que confere a exclusividade de explo-ração do objeto de uma invenção durante um determinado período, em todo o território nacional (DI BLASI, 2005). Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhada-mente todo o conteúdo técnico do produto ou processo patenteado, que, após o período de proteção, cairá em domínio público.

O artigo 8º da LPI determina que “é patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial”. Três, portanto, são os requisitos de patenteabilidade de invenção.

A novidade de uma invenção refere-se ao desconhecimento acerca da nova tecnologia, isto é, a invenção é nova quando não compreendida no estado da técnica2, que inclui todos os conhecimentos difundidos no meio científico, acessível a qualquer pessoa, bem como todos os reivindicados por meio de depósito de patente. A novidade exigida pelo legislador deve ter caráter absoluto, vale dizer, a nível internacional, e não apenas no território em que se pretende obter a carta patente.

A atividade inventiva significa que a invenção não deve ser decorrente do estado da técnica de um modo óbvio para um especialista3, isto é, não deve representar simples constatação. Antes, é necessário que a nova tecnologia decorra da criatividade humana, de forma que não caracterize a descoberta, matéria excluída da proteção de patentes pelo artigo 10, inciso I da LPI, a qual resulta da constatação de algo já existente no estado da técnica.

Por fim, a aplicação industrial refere-se à possibilidade de utilização ou produção da nova tecnologia em escala industrial, em qualquer ramo de atividade, de modo a evitar a patenteabilidade de invenções muito avançadas, cuja produção seja impossível ou ex-tremamente difícil, e as invenções inúteis (COELHO, 2006).

Preenchidos os requisitos de patenteabilidade, a patente concedida caracteriza um direi-to garantido pelo Governo ao invendirei-tor, como forma de proteção à sua criação. Inúmeras

2 Vide Lei 9.279 de 1996, artigo 11.

3 Vide Idem, artigo 13.

são as razões que procuram justificar a existência do sistema de patentes (DI BLASI, 2005), destacando critérios de defesa da importância do sistema patentário.

Sob o ponto de vista jurídico, o princípio da propriedade assegura ao inventor que se va-lha dos meios de defesa necessários e legítimos para a proteção do direito de propriedade sobre o bem imaterial. Desta forma, enquanto direito de propriedade do autor/inventor, a patente demanda a atuação do Estado para que assim seja garantido o referido direito. Pelo critério econômico, justifica-se a patente à medida que a nova tecnologia desenvolvida representa um benefício à sociedade, sendo reto que o inventor lucre com o seu trabalho.

Dessa forma, o privilégio de exclusividade torna-se uma retribuição ao inventor. Seguindo o critério da técnica, o sistema patentário contribui de forma inestimável para os mais di-versos ramos do conhecimento, visto que com o depósito do pedido de patente o inventor obriga-se a descrever detalhadamente sua invenção, passando a integrar o conjunto de informações tecnológicas que se encontram disponíveis para conhecimento público.

Por fim, sob o ponto de vista do desenvolvimento, com a publicação de novas tecnolo-gias pela patente, o progresso técnico é colocado ao alcance da coletividade, uma vez que, expirado o prazo da patente, qualquer pessoa pode valer da invenção. Além disso, a tecnologia revelada pode ser utilizada como ponto de partida para pesquisas, contri-buindo para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.