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DO COMPLEXO INDUSTRIAL DA SAÚDE

4.3 O CONCEITO DE BIOTECNOLOGIA E SUA EVOLUÇÃO

são as razões que procuram justificar a existência do sistema de patentes (DI BLASI, 2005), destacando critérios de defesa da importância do sistema patentário.

Sob o ponto de vista jurídico, o princípio da propriedade assegura ao inventor que se va-lha dos meios de defesa necessários e legítimos para a proteção do direito de propriedade sobre o bem imaterial. Desta forma, enquanto direito de propriedade do autor/inventor, a patente demanda a atuação do Estado para que assim seja garantido o referido direito. Pelo critério econômico, justifica-se a patente à medida que a nova tecnologia desenvolvida representa um benefício à sociedade, sendo reto que o inventor lucre com o seu trabalho.

Dessa forma, o privilégio de exclusividade torna-se uma retribuição ao inventor. Seguindo o critério da técnica, o sistema patentário contribui de forma inestimável para os mais di-versos ramos do conhecimento, visto que com o depósito do pedido de patente o inventor obriga-se a descrever detalhadamente sua invenção, passando a integrar o conjunto de informações tecnológicas que se encontram disponíveis para conhecimento público.

Por fim, sob o ponto de vista do desenvolvimento, com a publicação de novas tecnolo-gias pela patente, o progresso técnico é colocado ao alcance da coletividade, uma vez que, expirado o prazo da patente, qualquer pessoa pode valer da invenção. Além disso, a tecnologia revelada pode ser utilizada como ponto de partida para pesquisas, contri-buindo para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.

Espectro ou conjunto de tecnologias moleculares aplicadas ao estudo de microrganismos, plantas e animais” (BÓREM; VIEIRA; COLLI, 2009).

Com a crescente inserção da biotecnologia em setores importantes, como, na saúde, agri-cultura, indústria e meio ambiente, surgem no Brasil demandas e necessidades visando aprimorar os mecanismos legais relativos à propriedade intelectual relacionada ao de-senvolvimento da biotecnologia. Nesse sentido, há um esforço público na busca da con-vergência da legislação interna com os compromissos assumidos internacionalmente.

4.3.1 Direitos de Propriedade Intelectual na Biotecnologia Clássica

A biotecnologia clássica refere-se essencialmente às técnicas fermentativas, de melhora-mento genético, de culturas de tecidos, fermentação descontínua, transferência de em-briões, produção de microrganismos para controle biológico, biorremediação, e fixação biológica de nitrogênio.

A CUP, de 1883, não impôs qualquer restrição à proteção das criações biotecnológicas, todavia, ao passo que conferia aos países signatários ampla liberdade de legislação inter-na sobre a matéria patenteável, também não obrigava nenhum país a incluir a biotecno-logia no âmbito da proteção patentária.

A primeira forma de proteção relacionada à matéria viva e, portanto, à biotecnologia clássica, ocorreu na área de melhoramento vegetal. As vantagens agronômicas, produ-tivas e econômicas que as variedades melhoradas representavam, fundamentaram sua proteção (AZEVEDO; FURRIELA, 2001). Para tanto, foi promulgada em 1961, em Pa-ris, a Convenção Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais, cujo objeto con-sistia em reconhecer e garantir o direito ao melhorista de uma nova variedade vegetal.

Com a Convenção, os Estados signatários passaram a integrar a União para a Proteção de Novas Variedades de Plantas (UPOV).

Antecipando-se a este sistema, o sistema legislativo brasileiro, seguindo o modelo norte americano de 1930 (que concedia patentes a novas variedades vegetais), passou a admitir as novas variedades de planta na esfera da propriedade intelectual com o Decreto-Lei nº 7.903, de 27 de agosto de 19454, que em seu artigo 3º, caput e alínea a, dispôs:

Art. 3º. A proteção da propriedade industrial se efetua mediante:

4 Revogado pelos Decretos-Lei nºs 254 e 1.005, respectivamente de 28 de fevereiro de 1967 e 21 de outubro de 1969, que posteriormente foram substituídos pela Lei nº 5.772, de 31 de dezembro de 1971 (Código de Propriedade Indus-trial de 1971), que ficou vigente até maio de 1996, quando foi revogado pela Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996 (Lei de Propriedade Industrial), atualmente em vigor.

a) a concessão de privilégio de: patentes de invenção, modelos de utilidade, desenhos ou modelos industriais, variedades de plantas (...). (grifos nossos) (BRASIL, 2011).

Para a proteção de novas variedades de plantas, o art. 219 do mesmo Decreto-Lei5 trazia a exigência de regulamentação especial ao art. 3º. Todavia, a despeito de tal exigência, o art. 3º nunca recebeu a devida regulamentação.

Diante da não regulamentação do art. 3º do Decreto-Lei nº 7.903, a proteção de varieda-des vegetais somente foi efetivamente possível no país a partir de 1997, com a publicação da Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997 (Lei de Cultivares), posteriormente regulamenta-da pelo Decreto nº 2.366, de 5 de novembro de 1997 (BRASIL, 1997a, b).

Essa Lei estabelece que estando as obtenções vegetais protegidas, seus usuários deverão fazer retornar parte dos lucros auferidos com sua utilização àqueles que as obtiverem, de modo que o beneficiário do avanço tecnológico seja sempre a sociedade.

A proteção dos direitos intelectuais sobre a cultivar se efetua mediante a concessão de um certificado de proteção de cultivar, que é considerado um bem móvel para todos os efeitos legais, sendo a única forma de proteção de cultivares e de direitos que poderá obstar a livre autorização de plantas ou de suas partes, de reprodução ou multiplicação vegetativa no País (SNPC, 2008).

4.3.2 Direitos de Propriedade Intelectual na Biotecnologia Moderna

O avanço da biotecnologia moderna fez emergir questões altamente complexas referen-tes aos temas de biodiversidade, acesso a recursos genéticos e meios de proteção à pro-priedade intelectual relativa a partes ou o todo de seres vivos, tais como, as patentes de genomas; sequências de DNA; vetores; microrganismos; plantas e animais transgênicos (COSTA; BARZA, 2007).

A Convenção sobre Diversidade Biológica da Organização das Nações Unidas (ONU), celebrada na cidade do Rio de Janeiro, em 1992, possui como uma das muitas definições de biotecnologia: biotecnologia define-se pelo uso de conhecimentos sobre os processos biológicos e sobre as propriedades dos seres vivos, com o fim de resolver problemas e criar produtos de utilidade” (CBD).

5 Decreto-Lei nº 7.903/45. “Art. 219. A proteção das variedades novas de plantas, prevista no art. 3º alínea a, deste Código, dependerá de regulamentação especial”.

A abrangência dos processos biotecnológicos estendeu o campo conceitual da biotec-nologia, incluindo qualquer técnica que utilize organismos vivos ou partes destes, com o objetivo de produzir ou modificar produtos, aperfeiçoar plantas ou animais e a des-coberta de microrganismos para usos específicos. No Brasil, tanto o progresso da bio-tecnologia, como o debate ético e jurídico a ela associados é recente e foi estimulado principalmente pela expansão da pesquisa científica (ODA et al., 2002).

A promulgação do Código de Propriedade Industrial de 19716 (Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de 1971 – revogada em 1996) não trouxe proibição especifica de proteção às criações biotecnológicas, mas apenas exigências genéricas incidentes sobre todos os inventos, como o de conformação com a moralidade, novidade, utilidade industrial, ati-vidade inventiva e publicação do relatório descritivo. O disposto no artigo 9, alínea f, apenas, causava confusão (BARBOSA, 2003):

Art. 9. Não são privilegiáveis”:

(...)

f) Os usos ou empregos relacionados com descobertas, inclusive de varie-dades ou espécies de microrganismos, para fim determinado. (BARBOSA, 2003).

O que se vedava, assim, era o uso ou emprego de descobertas, mas não a invenção de novos microrganismos, como por exemplo, os transgênicos. Todavia, ocorre que a Lei de 1971, seguindo uma longa tradição de nosso direito, apresentava proibição quanto ao patenteamento de produtos químicos (mas não dos processos químicos) e dos pro-cessos e produtos alimentares e farmacêuticos, o que per si retirava a maior parcela das invenções biotecnológicas do âmbito patentário. Note-se, todavia, que tal proibição era permitida pela ampla liberdade conferida pela Convenção de Paris, de forma que a não extensão da patenteabilidade ao campo químico-farmacêutico apresentava-se legítima, nos conformes da CUP.

Em 1995, com a assinatura do Acordo TRIPS, que previa a possibilidade de patentea-mento em quaisquer campos tecnológicos, conforme o princípio da não discriminação, surge a necessidade de adaptação da legislação nacional aos termos do Tratado. Nesse contexto, em 1996 foi publicada a nova Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996, que revogou a Lei nº 5.772/1971, antigo código de Propriedade Industrial), que am-pliou o escopo de proteção patentária, abrangendo também os produtos e processos

6 Posteriormente revogada pela Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996 (Lei de Propriedade Industrial), atualmente em vigor.