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A proteção contra Dispensas Discriminatórias: a Lei nº 9.029/1995

VI. A PROTEÇÃO CONTRA A DISCRIMINAÇÃO

6.4. A proteção contra Dispensas Discriminatórias: a Lei nº 9.029/1995

Um dos efeitos do contrato de trabalho é o poder empregatício ou intra-empresarial do empregador de dirigir a prestação de serviço pactuada com o trabalhador. Como leciona GODINHO (2003, p. 623), esse poder é conceituado como um “conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente prestação de serviço”, abrangendo o diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar. E ensina o mestre a impropriedade de conceituá-lo como poder hierárquico porque lembra a face autoritária e retrógrada do contrato de trabalho, já superada. Nas palavras do professor:

Tal expressão, afinal, carrega-se de rigidez incompatível com qualquer processo de democratização do fenômeno intra-empresarial de poder. Trazida ao Direito do Trabalho por inspirações administrativas ou institucionalistas já superadas há longa época pela mais arejada teoria justrabalhista, a expressão, mesmo hoje, não deixa de evocar uma lembrança severa, implacável e hirta do fenômeno do poder na empresa. (GODINHO, 2003, p. 623)

Em suma, a expressão poder empregatício ou intra-empresarial é a mais adequada com

306 Nesse sentido a decisão a seguir: “DANO MORAL – CONDENAÇÃO DE EMPRESAS DE DISPENSARAM SEM OBSERVAR OS REQUISITOS LEGAIS PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. § 1º DA LEI 8.213, DE 1991. DANO MORAL CABÍVEL. Ao ignorar a proteção especial que envolve a contratação da reclamante e a mitigação de seu poder potestativo em pontuar o contrato de trabalho a prazo indeterminado, sem justa causa, sem as cautelas da lei, o empregador incidiu em conduta voluntária informada por negligência e imprudência, nos exatos moldes do art. 186 do CCB. Entendo que a

lesão decorreu da afronta à proteção que é dada ao portador de necessidades especiais e, evidentemente, toda uma classe de pessoas foi atingida, quando o empregador que se encontra obrigado constitucional e legalmente a assegurar o mercado de trabalho da pessoa portadora de deficiência, pelo regime de cotas, cerrou-lhe as portas, uma vez que não houve a condução de um trabalhador substituto em condições similares para a vaga que verificar- se-ia. Nesse sentido, a reclamante como ícone representativo desse segmento da sociedade teve, sim, direito personalíssimo atingido, ao amargar uma despedida que, como afirma a ré, calcada na redução de quadros, absolutamente sem critérios, quando não poderia sê-lo. O desrespeito à norma jurídica, que é instrumento de garantia de proteção para a autora e demais pessoas como ela beneficiárias do direito ali inscrito é, sim, causa de turbação emocional. Caracterizado o ato ilícito, o dano e o nexo causal, cabível a reparação, consoante art. 927 do CCB”. (TRT 1ª Região. 1ª Turma. Processo nº 0010082-54.2013.5.01.0011).

o nosso constitucionalismo que consagra valores com a dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho e função social da propriedade, e revela que há limites a tal poder.

E tais limites são de extrema importância porque, se há desiquilíbrio nas relações de trabalho para o trabalhador em geral, em relação aos pertencentes aos grupos vulneráveis, esse desequilíbrio é muito maior, porque já se encontra em situação de desequilíbrio em relação à sociedade em geral.

Logo, a relação de trabalho, dotada de desigualdade por natureza, especialmente por conta do poder empregatício, é campo que pode originar uma série de condutas discriminatórias, principalmente contra os trabalhadores de grupos vulneráveis, com o das pessoas com deficiência, razão pela qual torna-se importante trazer à lume os dispositivos legais que tratam da proteção desse grupo vulnerável contra a discriminação. São exemplos de discriminação ocorrida no ambiente de trabalho, em relação as pessoas com deficiência: intimidação, comentários desrespeitosos, deboches, agressões físicas, ofensas verbais, comentários maledicentes, imitação caricata, a não admissão em cargos ou emprego e recusa de adaptação razoável e fornecimento de tecnologias assistivas (em relação aos dois últimos exemplos, foi abordado especificamente nos itens 3.3 e 6.2).

A discriminação contra pessoa com deficiência é repudiada pelo ordenamento jurídico. No âmbito internacional, temos a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, norma com status constitucional, que conceitua discriminação como

“Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável”.

Portanto, temos um conceito constitucional de discriminação contra a pessoa com deficiência, que inclui condutas por ação ou por omissão, inclusive a não garantia de igualdade de oportunidades, como a recusa de adaptação razoável (estudada no item 3.2 e 6.2).

A Convenção reconhece que, no âmbito do trabalho, deve ser proibida a “ discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas com as

formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho”

(art. 27, 1 “a”).

de emprego e ocupação, e 159 da OIT, que aborda sobre reabilitação profissional e emprego de pessoas com deficiência.

Na Constituição Federal, diversos outros artigos fundamentam a proibição de discriminação contra a pessoa com deficiência, como os princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania e do valor social do trabalho (art. 1ª, II, III e IV) da solidariedade (art. 3º, I), da igualdade material (art. 5º), da função social da propriedade (art. 5º, XXIII e 170) e da promoção da justiça social, livre iniciativa, busca do pleno emprego, redução das desigualdades sociais (art. 170).

Na legislação infraconstitucional, a Lei 9.029/1995, embora a redação original do art. 1º expressava que era “proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade”, a melhor interpretação já utilizava, para os efeitos cíveis e trabalhistas, para todos os tipos de discriminação, inclusive contra a pessoa com deficiência.

Com a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) a situação foi formalmente corrigida, tendo sido acrescentado no artigo 1º a expressão “deficiência, reabilitação profissional”.

As consequências do ato discriminatório estão descritas no art. 4º da Lei 9.029/1995, que assim dispõe:

Art. 4o O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;

II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

Portanto, no caso de trabalhador dispensado por conduta discriminatória ou vítima de assédio moral, poderá pleitear indenização por dano moral e sua readmissão, com o ressarcimento das verbas de todo o período.

Se o trabalhador dispensado não pretender retornar ao emprego, poderá pleitear a indenização por dano moral e o pagamento em dobro de todas as verbas trabalhistas do período de afastamento.

Como exemplo, temos o caso do processo TST-RO-256-49.2012.5.09.0000307 que,

307 TST. SDI II. Processo TST-RO-256-49.2012.5.09.0000. Relator Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Data:

dois dias após ser constatado como pessoa com deficiência visual, o trabalhador foi dispensado do emprego. Na questão, o TST entendeu que a “dispensa do empregado imediatamente após a constatação médica de ser portador de doença incapacitante (perda significativa da visão) mostra-se discriminatória e arbitrária. Sufraga abuso de direito potestativo” e que cabia ao empregador readaptar o trabalhador em nova função. Em função disso, o TST, aplicando a Lei 9.029/1995, determinou a reintegração do trabalhador em nova função e condenou a empresa em indenização por dano moral.

Nas disposições nos parágrafos acima, tratou-se das situações de trabalhadores com deficiência dispensados por ato discriminatório. Veremos a seguir as situações de trabalhadores com deficiência vítimas de discriminação e que ainda estão laborando.

A primeira situação é do trabalhador com deficiência discriminado ou vítima de assédio moral que ainda esteja trabalhando e pretenda sair do emprego por conta dessa discriminação, porque o ambiente de trabalho não mais ficou propício para um trabalho decente. Nesse caso, o trabalhador poderá pleitear indenização por dano moral/material, bem como a rescisão indireta, com o pagamento da rescisão em dobro, com fundamento na Lei 9.029/1999 e no art. 483, da CLT, principalmente a da alínea “d” - “não cumprir o empregador as obrigações do contrato”, porque está incutido como obrigação do contrato trabalho o dever do empregador de não praticar atos discriminatórios contra seus trabalhadores.

Como exemplo, temos o caso do processo RO 0006099-88.2012.5.12.0039308, em que

o trabalhador com deficiência foi vítima de discriminação e de assédio moral, pleiteou indenização por dano moral e rescisão indireta. O TRT da 12ª Região condenou a empresa no pagamento de indenização de R$ 15.000,00 bem como reconheceu a rescisão indireta com base no art.

Caso o trabalhador com deficiência discriminado queira continuar no emprego, poderá pleitear, além de indenização por dano moral, uma tutela inibitória no sentido de obter um provimento judicial condenando a empresa a não mais praticar o ilícito, sob pena de multa diária. Cabe frisar que é mais comum esse tipo de tutela nas ações coletivas, como veremos no item Capítulo VII.

Por fim, caso a discriminação ocorra na fase pré contratual, o trabalhador, mesmo que

308 ASSÉDIO MORAL E DISCRIMINAÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA. VIOLAÇÃO DA

DIGNIDADE E DOS DIREITOS INERENTES À PERSONALIDADE DO TRABALHADOR COM DEFICIÊNCIA. INDENIZAÇÃO DEVIDA (…) RESCISÃO INDIRETA. ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. O assédio moral é uma forma sutil e continuada de exaurir a estabilidade psicológica

do trabalhador, podendo levá-lo a transtornos psicossomáticos. Trata-se de procedimento patronal grave, que autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho. (TST. 6ª Câmara. RO 0006099-88.2012.5.12.0039.

não tenha sido contratado pela empresa, poderá pleitear indenização por dano moral. Isso porque as partes devem se comportar segundo o princípio da boa-fé objetiva309 que regem os

contratos, de modo que o empregador tem dever de agir com transparência, honestidade, lealdade e com respeito aos direitos humanos inclusive nos momentos de pré-contratação.

Um exemplo de discriminação na fase pre-contratual é o que foi reconhecido nos autos do processo 0002420-31.2010.5.08.0114, em que a Vale S.A. foi condenada por danos morais por procurar preencher a cota com pessoas com deficiência com menor grau de deficiência, discriminando trabalhador cadeirante.

Embora muitas vezes discriminadas, as pessoas com deficiência dificilmente, pleiteiam indenização por conta disso. Contudo, demonstramos um exemplo semelhante de uma pessoa obesa que teve deixou de ser contratada por tal motivo, conforme noticiado no processo 0002102-48.2010.5.20.0006310. O TRT da 20ª Região declarou competente para o julgamento

da ação e condenou a empresa em indenização por dano moral.

A indenização por dano moral, além do art. 4º da Lei 9.029/1995 e dos artigos já citados neste item, tem fundamento no art. 5º, X da Constituição Federal e nos arts. 186 e 927 do Novo Código Civil311.

Em todos os casos, o trabalhador poderá noticiar o fato ao Ministério Público, considerando a possibilidade de os responsáveis serem enquadrados em alguma conduta criminosa, como veremos Capítulo VII.

309 Dispõe o Novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002): Art. 113. Os negócios jurídicos devem

ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. (…) Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

310 COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - DANO MORAL - FASE PRÉ-CONTRATUAL - Levando-

se em conta o expresso texto Constitucional do inciso XXVIII c/c inciso VI do artigo 114, em plena consonância com a Súmula nº 736 do Supremo Tribunal Federal, tem-se que é competente a Justiça Laboral para processar e julgar causas referentes a dano moral oriundo da relação de trabalho, na sua fase pré-contratual. Preliminar que se rejeita.DANO MORAL - DISCRIMINAÇÃO EM FASE PRÉ-CONTRATUAL - COMPROVAÇÃO -- INDENIZAÇÃO DEVIDA - Existindo nos autos comprovação de que a reclamante fora dispensada durante

entrevista admissional de forma discriminatória, por ter sido considerada com -excesso de peso-, há de ser mantido o decisum originário que deferiu a indenização por danos morais vindicados na exordial. (TRT-20

– RO 0002102-48.2010.5.20.0006, Relatora Rita de Cássia Pinheiro de Oliveira. Data de Publicação: 05/05/2011)

311 Dispõe o Novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002): Art. 186. Aquele que, por ação ou

omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (…) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

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