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Consequências do Direito ao Trabalho como Direito Fundamental

III. O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

3.3. Consequências do Direito ao Trabalho como Direito Fundamental

O fato de um direito ser considerado direito fundamental - como é o caso do direito ao trabalho da pessoa com deficiência, direito à acessibilidade, direito à adaptação razoável, direito à um meio ambiente do trabalho seguro, sadio e equilibrado, direito à educação e qualificação profissional, direito à autonomia e à independência entre tantos outros – implica em uma série de consequências jurídicas, como veremos neste tópico.

A doutrina184 traz a constatação de que os direitos fundamentais revelam dupla

perspectiva, uma dimensão subjetiva e outra objetiva, constituindo-se numa das mais relevantes formulações do direito constitucional contemporâneo.

A dimensão subjetiva é a dimensão clássica dos direitos fundamentais, que tem foco no sujeito titular dos direitos fundamentais. Quer dizer que os direitos fundamentais geram direitos subjetivos aos seus titulares, permitindo que estes exijam comportamentos negativos ou positivos dos destinatários. É a dimensão correspondente filosófico-teórico à teoria liberal dos direitos fundamentais, de resistência à intervenção estatal.

Ingo Sarlet (2012, p. 152) ensina que, quando falamos em dimensão subjetiva, estamos nos referindo a possibilidade que tem o tutelar de fazer valer judicialmente os direitos fundamentais. Em suma, significa que são outorgadas a seus titulares possibilidades jurídicas de impor interesses pessoais em face dos órgãos estatais obrigados.

Dimoulis e Martins (2014, p. 117) acrescentam que a dimensão subjetiva corresponde em primeiro lugar ao status negativo, contudo, também aparece nos direitos fundamentais que fundamentam pretensões jurídicas próprias de status positivos (pressupõe uma ação estatal), e também nos direitos políticos e nas garantias processuais (acesso a justiça).

184 Dentre outros, SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 11 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 141-209;

e DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria dos direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 115-128.

Os direitos fundamentais possuem também uma dimensão objetiva, que dizer a dimensão dos direitos fundamentais cuja percepção independe de seus titulares, ou seja, dos sujeitos de direito.

Dimoulis e Martins (2014, p. 117) asseveram que o reconhecimento de uma dimensão objetiva dos direitos fundamentais é mais recente e ainda pouco estudado pela doutrina brasileira.

O marco histórico é a decisão da Corte Federal Constitucional alemã no caso Luth, em 1958, em que ficou assentado que os direitos fundamentais não se limitam a serem direitos subjetivo de defesa do indivíduo contra atos do Estado, mas também constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição com eficácia em toda a ordem jurídica. Com o reconhecimento da dimensão objetiva, os direitos fundamentais transformaram em princípios superiores do ordenamento jurídico-constitucional, trazendo vários efeitos práticos, conforme salienta a doutrina.

O primeiro é que os direitos fundamentais apresentam, objetivamente, o caráter de norma de competência negativa do poder público, conforme salienta Dimoulis e Martins (2014, p. 118), acrescentando que aquilo que está sendo outorgado ao indivíduo em termos de liberdades para ação e em termos de livre-arbítrio, está sendo objetivamente retirado do Estado em termos de competência dos seus órgãos, independentemente do particular exigir em juízo o respeito de seu direito.

Outro efeito da dimensão objetiva citado por Dimoulis e Martins (2014, p.119) é que os direitos fundamentais possuem eficácia irradiante, funcionando como critério de interpretação dos direitos infraconstitucional. E acrescenta os autores, quando o aplicador do direito está diante de várias interpretações possíveis de uma norma infraconstitucional, deve escolher aquela que melhor se coadune às prescrições dos direitos fundamentais (interpretação conforme os direitos fundamentais).

Sposato (2011, p. 188) lembra que a “(...) interpretação da lei nunca é o ato solitário de um magistrado ocupado, como adverte Pierre Bourdieu, mas trata-se de luta simbólica entre profissionais dotados de competências técnicas e sociais desiguais, capazes de mobilizar, também de modo desigual, os meios ou recursos jurídicos”.

E acrescenta que a atividade hermenêutica “(...) tem sempre de ser argumentada a partir do próprio direito vigente, o que significa adotar um pressuposto básico de caráter normativo e ao mesmo tempo admitir que os conceitos normativos ‘pedem’ do decididor uma coparticipação na determinação de seu sentido”.

às pessoas com deficiência, devem sempre ser interpretadas com fundamento na Constituição, e, portanto, na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.

Desse modo, a título de exemplo, o magistrado, na interpretação do art. 93, § 1º, da Lei 8.213/91, deve-se livrar-se do automatismo de aplicar um parágrafo de uma norma sem analisar o caput e a Constituição Federal. Nessa linha, defendemos que, entre as interpretações possíveis do art. 93, § 1º, da Lei 8.213/91, a que melhor atende aos fins constitucionais, é aquela que protege a reserva de vagas das pessoas com deficiência, de modo que a empresa somente possa dispensar uma pessoa com deficiência quando cumprida a cota.

Um terceiro efeito prático tratado por Dimoulis e Martins (2014, p. 119) é o dever estatal de tutela dos direitos fundamentais, sendo que o Estado, além de ter que se abster de violar direitos fundamentais, deve atuar para defender os tais direitos contra lesão ou ameaças de terceiros, mesmo que ainda não titularizados por um sujeito. Um exemplo do dever estatal de tutela é a atuação do Ministério Público do Trabalho, que atua na promoção da igualdade e combate à discriminação.

Sarlet (2012, p. 145) acrescenta outros desdobramentos da dimensão objetiva. Um deles é que os direitos fundamentais devem ter sua eficácia valorada não apenas sob um ângulo individual, mas também sob o ponto de vista coletivo, da totalidade da sociedade.

Também cita a eficácia dirigente, que cria para o Estado o dever permanente de concretizar e realizar os direitos fundamentais.

Acrescenta Sarlet (2012, p. 147) que os direitos fundamentais, por força de sua natureza objetiva, possuem eficácia irradiante, no sentido de fornecer impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional.

Associada ao efeito irradiante, Sarlet (2012, p. 148) ensina que a dimensão objetiva implica em eficácia horizontal dos direitos fundamentais ou eficácia na esfera privada, irradiando efeito também nas relações privadas, e não apenas meros direitos oponíveis aos poderes públicos. O tema ganha especial relevo no direito dos trabalhadores que têm por destinatários os empregadores, em regra, particulares. Quanto maior a desigualdade entre os particulares, maior a necessidade de eficácia dos direitos fundamentais. No caso com deficiência, essa desigualdade da relação de trabalho é agravada pela própria situação de desigualdade com os demais trabalhadores.

Por fim, ainda como efeito prático da dimensão objetiva, Sarlet (2012, p. 150) assevera que os direitos fundamentais constituem parâmetros para formatação do direito organizacional (constituições de instituições estatais) e procedimental (procedimentos judiciais e administrativo). No caso brasileiro, há instituições estatais voltadas para efetividade dos direitos

das pessoas com deficiência, como o caso do Ministério Público, incluído o do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego. Em relação ao direito procedimental, recentemente, a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) garantiu a prioridade na tramitação processual e de procedimentos judiciais e administrativos em que for parte ou interessada pessoa com deficiência, em todos os atos e diligências (art. 9º, VII).

Apesar de tudo isso, ainda são negados com frequência diversos direito às pessoas com deficiência, como o de educação, de acessibilidade, de vida independente, de obter emprego, à saúde, políticos dentre vários outros.

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