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A questão do acesso à água

No documento A AFIRMAÇÃO DO DIREITO DE ÁGUAS (páginas 56-59)

CAPÍTULO I – Introdução 1 Razões justificativas do âmbito da investigação

1.1. Considerações gerais

1.1.3. A questão do acesso à água

A água é um elemento fundamental para a vida e para a saúde. É o recurso natural no qual toda a vida depende. Sem água, a sobrevivência dos seres vivos é impossível. Daí que o acesso a água seja crucial para a sobrevivência humana, em particular, pois é na água que se centra o desenvolvimento socioeconómico, a luta contra a pobreza, e uma vida saudável50. A Organização Mundial da Saúde estima que a nível mundial mais

de 1.1 bilião de pessoas não tem acesso a água potável. Em consequência, 2.2 biliões de pessoas morrem em média devido a doenças ligadas a água, e 1.87 biliões de crianças morrem devido a diarreias causadas pelo consumo de água imprópria51.

O acesso à água é vital porque é uma das condições essenciais para a satisfação das necessidades básicas das populações, agora e no futuro. Regra geral, o acesso à água é geralmente analisado numa perspectiva de “acesso físico e acesso económico, em quantidade e qualidade adequadas suficientes para satisfazer necessidades básicas das pessoas”52 .

50 Segundo a Organização Mundial da Saúde, a falta de água é uma das principais causas de

doenças e mortes no mundo. Vide World Health Organization, Global Water Supply and Sanitation

Assessment, 1, U.N. Doc. UNICEF/WSSCC/WHO, disponível em http://www.who.int/water_sanitation_

health/monitoring/jmp2000.pdf, consultado aos 26.11.13.

51 Na falta de água potável, as pessoas vêm-se obrigadas a consumir água imprópria. E

naturalmente, muitas vezes acabam doentes. E estando doentes, as pessoas vêm as suas capacidades reduzidas na escola, e os seus níveis de produtividade baixa. Por outro lado, os custos de tratamento podem ser altos, piorando todos estes factores o ciclo de pobreza.

52 Vide Peter H. Gleick, Basic Water Requirements for Human Activities: Meeting Basic Needs, Water International, Volume 21, 1996, p. 89.

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Todavia, tal como defendemos adiante, não se deve entender o acesso físico e económico como o fornecimento gratuito e com a água a jorrar em todas as torneiras, o que obviamente torna-se difícil para muitos países, o que significa que o que se espera é que, exceptuando as situações de disponibilização de furos de água colectivos, nas zonas rurais, que regra geral é gratuito, todas as outras situações de disponibilização da água (canalizada) dependerão da capacidade económica dos consumidores em pagar pelo custo da água a que têm acesso.

A acessibilidade da água pode ser medida pela quantidade de tempo que um indivíduo leva numa viagem para buscar água potável. Considera-se inacessível a água que se encontre a mais de um quilómetro de distância, ou que careça de uma viagem de ida e volta que dure mais de 30 minutos53.

Considera-se também inacessível a água quando a mesma é impropriamente armazenada, no sentido de a mesma estar susceptível à contaminação.

Durante muito tempo, em várias culturas e regiões, tanto a nível nacional assim como local, houve sempre a prática de garantir o acesso à água às populações, para a satisfação das suas necessidades básicas. Todavia, este é um direito ainda mal estabelecido nos ordenamentos jurídicos dos vários Estados e mesmo a nível do Direito Internacional.

Devido a este facto, a nível internacional, e em documentos de soft law, foi surgindo um movimento crescente tendente a reconhecer o direito à água, o que se verifica, a título exemplificativo, no capítulo 18 da Agenda 2154 , o

53 No caso particular dos países em vias de desenvolvimento, a questão do acesso à água

tem levantado muitos problemas de género, pelo facto de a colheita de água ser uma tarefa eminentemente feminina. Quando as distâncias a percorrer são longas, as raparigas e respectivas mães, a quem incumbe buscar a água para fins domésticos, vêm muitas vezes o seu direito à educação posto em causa, o que se reflecte no reduzido número de raparigas e ou mulheres nas escolas.

54 Vide Capítulo 18 da Agenda 21 da Declaração do Rio de Janeiro Sobre Meio Ambiente e

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qual enfatiza a necessidade de prioridade no acesso à água para a satisfação das necessidades básicas das populações e salvaguarda dos ecossistemas. Entretanto, tal instrumento peca por não ser específico. De igual forma, a Declaração de Joanesburgo faz uma referência muito ténue ao acesso à água como um requisito básico para a subsistência humana55.

Apesar de estes serem sinais muito claros de cometimento e de reconhecimento da importância do acesso à água pelas populações, por parte dos Estados, e estes serem na verdade os agentes que mais se preocupam ou deviam se preocupar com a materialização de tal direito, e tal reconhecimento por parte dos Estados significar igualmente um reconhecimento cada vez mais crescente do direito à água a nível do Direito Internacional, não foi este motivo suficiente para arguir a existência de uma opinio juris dos Estados a favor do direito à água. Tal só veio a acontecer com a aprovação da Resolução das Nações Unidas que estabeleceu o direito à água56 .

É preciso reconhecer, entretanto, que este assunto não foi fácil de tratar. A questão da falta de acesso à água pode ser vista do ponto de vista positivo, mas é preciso também considerar outras perspectivas de acesso à água que não são meramente jurídicas, no sentido de a falta de acesso à água ser derivada da escassez ou inexistência do recurso, por não haver água suficiente para suprir a procura, ou ainda pelo facto de as pessoas terem que percorrer grandes distâncias até à fonte mais próxima existente.

Tal como se pode depreender, as populações mais pobres são as que mais se ressentem destas situações, contrariamente ao que acontece em

55 Vide parágrafo 18 da declaração de Joanesburgo sobre o desenvolvimento sustentável: ‘to

speedily increase access to basic requirements such as clean water’.

56 Para a discussão conducente a adopção da Resolução, vide Comité para Assuntos Hídricos

da ILA (2004), disponível em http://www.ila- hq.org/pdf/Water%20Resources/Final%20Report%202004.pdf. consultado a 20.10.12.

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relação aos mais ricos, que tem sempre condições mais favoráveis de vida. De facto, muitas vezes as pessoas pobres não têm acesso à água em quantidade e qualidade adequadas porque não vivem dentro de uma “distância razoável” da mais próxima fonte de água57, havendo ainda situações reportadas de a

política de água ser usada como um “meio de pressão e de castigo” político58 .

E como facilmente se depreende, a preocupação em garantir o direito humano à água encontra a sua razão de ser nos diversos efeitos colaterais perniciosos que se querem evitar, se considerarmos toda a espiral de malefícios que podem afectar uma população que não tem acesso à água, desde doenças, questões sanitárias e a produção de alimentos.

De facto, a pobreza que afecta uma grande percentagem da população mundial é ao mesmo tempo um sintoma e uma causa da crise de água59, o

que é mais óbvio nos países em desenvolvimento em que os pobres são os que mais sentem e sofrem pela escassez de água, e em consequência da falta da água muitas vezes tais comunidades adoptam modos de vida insustentáveis e sem condições sanitárias básicas, reduzindo, em muitos casos, a disponibilidade dos parcos recursos de água existentes.

No documento A AFIRMAÇÃO DO DIREITO DE ÁGUAS (páginas 56-59)