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A expressão Direito de Águas (e não Direito das Águas) surgiu com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos da Água, na qual esta é

No documento A AFIRMAÇÃO DO DIREITO DE ÁGUAS (páginas 130-134)

CAPÍTULO I – Introdução 1 Razões justificativas do âmbito da investigação

I.30. A expressão Direito de Águas (e não Direito das Águas) surgiu com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos da Água, na qual esta é

colocada na posição de sujeito do direito.

I.31. Há uma diferença entre o sentido do vocábulo água e o da expressão recurso hídrico. Água é o elemento natural, descomprometido com qualquer uso ou utilização. É o género. Recurso hídrico é a água como bem económico, com fins utilitários. Por isso, nem toda a água da Terra é, necessariamente, um recurso hídrico, na medida em que o seu uso ou utilização nem sempre tem viabilidade económica.

I.32. Os cursos de água pertencem sempre a uma determinada bacia hidrográfica. Esta é entendida como sendo uma unidade geográfica e hidrológica que consiste de um rio principal e todos os territórios situados entre o curso de água, a nascente e a foz do rio, nela incluindo-se todo os terrenos, os riachos que alimentam o rio principal (sejam efémeros ou ocasionais), a região costeira caso o rio desagúe no mar, os lagos, as terras húmidas e os aquíferos subterrâneos que se encontrem interligados ao curso de água principal.

I.33. O rio é o elemento central do conceito de bacia hidrográfica. Estas não existem sem rios, e o inverso também é verdadeiro. E devido a esta ligação íntima entre estes dois conceitos, a gestão de um rio está totalmente relacionada com a gestão da bacia hidrográfica como unidade espacial, pelo que o caudal do rio e a qualidade das suas águas dependerão dos usos não só da água individualmente considerada mas também dos usos a que o solo

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está sujeito, assim como das condições geológicas (e de certo modo climáticas) da área da bacia hidrográfica.

I.34. Pelas características que têm, a bacia hidrográfica é vista sempre como local ideal para a prática de actividades económicas, produtivas e culturais pelas sociedades. De facto, é ao longo das bacias hidrográficas onde se encontram muitas das grandes cidades, e os grandes campos de produção agrícola, porque as condições oferecidas pelas bacias hidrográficas propiciam condições ideais de vida, garantindo água para uso doméstico, industrial e agrícola e solos férteis para a prática da agricultura. Daí a relação íntima entre bacias hidrográficas (e seus elementos, dos quais o rio é o principal) e o desenvolvimento económico e social.

I.35. O ciclo hidrológico, que envolve a chuva, as águas superficiais, as águas subterrâneas, a evapotranspiração, a transpiração de animais e plantas, etc, está quase sempre relacionado com o conceito de bacia hidrográfica. E é exactamente por isso que afirma-se, muitas vezes, que estamos todos unidos pela água: as bacias hidrográficas de montante estão ligadas com as de jusante; a água superficial alimenta rios, lagos, terras húmidas, assim como alimenta aquíferos, etc. Por este motivo, as bacias hidrográficas devem ser vistas como uma unidade de gestão: a conservação do solo e da respectiva vegetação, das águas superficiais e subterrâneas, devem ser garantidos por via de um uso e gestão adequados da bacia hidrográfica.

I.36. Os Estados que se encontrem dentro do espaço territorial de uma bacia hidrográfica (partilhada) são denominados Estados ribeirinhos, Estados de bacia ou ainda Estados de curso de água. Estes partilham para além do rio, vários outros recursos a ele conexos nomeadamente o curso principal do rio; o solo e o subsolo à volta do curso de água; a flora, a fauna e outros recursos naturais; a nascente e a foz, incluindo a zona costeira e marinha adjacente; e os aquíferos subterrâneos. Na verdade, a grande questão à volta do conceito de bacia hidrográfica são as preocupações ambientais, que recomendam a

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protecção dos recursos da bacia hidrográfica como um todo. Porque como referimos, não se pode olhar para os elementos deste conceito de forma individualizada ou isolada, porquanto a gestão da bacia hidrográfica deve levar em conta não só as águas que correm no leito principal dos rios mas a totalidade de elementos naturais, actividades e processos que decorrem nos afluentes, nos aquíferos, na zona costeira na qual os rios desaguam bem como em todos os territórios da bacia.

I.37. Em face da conclusão anterior, infere-se que num curso de água partilhado por dois ou mais países, estes exercem sobre tal curso de água uma soberania conjunta ou partilhada, que implica, num cenário ideal, uma constante colaboração entre os Estados ribeirinhos. Mas tal não é fácil, sendo por isso um dos maiores desafios do Direito de Águas.

I.38. O conceito de ‘rio internacional’ não significa uma situação em o que o rio é gerido por uma organização supranacional, mas sim um rio partilhado entre dois ou mais países, de forma contínua ou sucessiva. Por este motivo, é sempre preferível o conceito de rio partilhado ou recurso hídrico partilhado, pois é menos propenso à confusão, se comparado com o conceito de rio internacional ou curso de água internacional.

I.39. O conceito de rio partilhado ou de curso de água partilhado distingue-se do conceito de bacia hidrográfica partilhada porque a bacia hidrográfica partilhada estende-se pelo território de dois ou mais Estados, significando a partilha de recursos por determinada área ou região hidrográfica que não se limita a um único Estado. Por isso, dois ou mais Estados podem partilhar a bacia hidrográfica mas não partilharem o rio que é o elemento central dessa bacia hidrográfica, pelo facto de o rio estar dentro dos limites soberanos de certo Estado mas a bacia hidrográfica estender-se para além de tais limites. Por isso, o conceito de curso de água internacional é um conceito mais limitado, porquanto não leva em conta a área geográfica ou o território pelo qual o curso de água se estende.

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I.40. O termo ‘curso de água internacional’ ou ‘sistema de curso de água internacional’ difere do termo ‘rio internacional’. O termo ‘curso de água internacional’ inclui rios, lagos, glaciares, reservatórios e canais (naturais ou artificiais) mas também as águas subterrâneas, riachos (incluindo os sazonais), estuários, e dependendo dos interesses a regular, o conceito abrange também as cheias, a erosão, a flora e a fauna, o que não é aplicável ao conceito de ‘rio internacional’, que é entendido em sentido restrito, não se retirando dele o entendimento de bacia hidrográfica, diferentemente do que acontece em relação ao termo ‘curso de água internacional’.

I.41. O conceito de ‘rio internacional’ encontra limitações derivadas do facto de, no passado, as relações internacionais que se estabeleciam entre os Estados em relação ao uso, desenvolvimento e protecção dos cursos de água limitar-se maioritariamente à navegação, e os recursos envolvidos serem frequentemente vistos como “rios e lagos internacionais”, para fins do direito internacional, sem pensar-se na bacia hidrográfica como um todo.

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CAPÍTULO II - O Direito Internacional de Águas na Enciclopédia Jurídica

No documento A AFIRMAÇÃO DO DIREITO DE ÁGUAS (páginas 130-134)