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A RAZÃO DE ESTADO E O GOVERNO POLÍTICO DOS HOMENS

Na aula ministrada no Collège de France em 1° de fevereiro de 1978, Foucault manifesta a intenção de analisar como surgem os problemas concernentes à população. Em sua ótica, este empreendimento pressupõe o estudo dos mecanismos modernos de segurança. Esses, por sua vez, vinculam-se à questão da emergência das formas de governo político dos homens que se instalam nas sociedades ocidentais a partir do século XVI. Em razão disso, a investigação das governamentalidades modernas será assentada na série “segurança, população, governo”. A genealogia procurará, pois, detectar e trazer à tona os pontos de ligação e sustentação (mas também de estranhamento e dispersão) que constituem os elos entre os três termos da série. Para tanto, o pensador francês toma como ponto de partida a emergência histórica da noção de razão de Estado126.

Na mesma aula, dirá o autor que a problemática do governo torna-se uma questão candente no século XVI e mesmo depois, o que justifica o aparecimento de inúmeros tratados sobre o tema no período. Cabe ilustrar, são problematizadas as seguintes modalidades de governo: o governo de si (retomada do estoicismo no século XVI), o governo das almas e das condutas (pastoral católica e protestante), o governo das crianças (pedagogia renascentista) e o governo dos Estados pelos príncipes127. Observa-se, com esse processo, a proliferação de toda uma

de dissidência têm uma dimensão essencial, fundamental, que é certamente essa recusa da conduta.” Contra esta e outras versões modernas de pastorado, formam-se diferentes práticas de contraconduta, isto é, práticas que se contrapõem a sujeição promovida pelos procedimentos de condução da conduta dos outros (FOUCAULT, 2008a, p. 265-266).

126 As considerações de Foucault em Omnes et Singulatim: para uma crítica da razão

política são deveras elucidativas dos seus alvos de pesquisa no estudo da racionalidade política moderna, como também dos temas que esta investigação não prioriza: “Não pretendo tratar aqui do problema da formação dos Estados. Não quero explorar os diferentes processos econômicos, sociais e políticos de que procedem. Enfim, nem é intenção analisar os diferentes mecanismos e instituições de que os Estados se dotaram a fim de garantir a sua sobrevivência. Gostaria simplesmente de dar algumas indicações fragmentárias sobre algo que se encontra a meio caminho entre o Estado, como tipo de organização política, e seus mecanismos, a saber, o tipo de racionalidade a que se recorreu no exercício do poder de Estado.” (FOUCAULT, 2006a, p. 46).

127 A emergência desse variegado campo de problematização do “governo”, que se inicia no

século XVI e se estende pela modernidade, revela a convergência de dois processos: “Movimento, de um lado, de concentração estatal; movimento, de outro lado, de dispersão e de

literatura sobre a condução das condutas, não circunscrita, em sua grande maioria, ao âmbito religioso. Até porque, na transitoriedade entre o período medieval e a modernidade, a temática da salvação das almas cede, aos poucos, lugar à do governo político dos homens – que introduz, por exemplo, a problemática do bem-estar temporal. Tema crucial num momento (o século XVI), por Foucault denominado como: a era das condutas, das direções, dos governos128 (FOUCAULT, 2008a, p. 309).

Embora existam elementos da prática de governo pastoral no século XVI, as artes de governar que surgem nesse momento distinguem-se significativamente da lógica institucional eclesiástica. Verifica-se, com isso, que a figura do soberano vai, paulatinamente, afastando-se do “continuum teológico-cosmológico”, próprio das relações entre religião e política na Idade Média129. Isso não quer indicar, no entanto, a ruptura absoluta na cadeia que liga o soberano a Deus, a natureza, ao pai de família e ao pastor religioso. Mas, sobretudo, que o pensamento político, no final do século XVI e depois, se organizará tendo em vista a definição de uma modalidade de governo que seja específica ao exercício da soberania130.

Em seu limiar, o processo de governamentalização do Estado é expressão de uma racionalidade política que não apresenta como princípio basilar a defesa de um território, sua conquista e intervenção, ou mesmo o aumento do poderio do príncipe. Contrária à teoria que supostamente define a soberania política nesses termos, teria surgido no

dissidência religiosa: é aí, creio, no cruzamento desses dois movimentos, que se coloca, com aquela intensidade particular do século XVI evidentemente, o problema do ‘como ser governado, por quem, até que ponto, com que fim, por que métodos’. É uma problemática geral do governo em geral, que é, creio, a característica predominante dessa questão do governo no século XVI.” (FOUCAULT, 2008a, p. 119).

128 De passagem, cabe enfatizar que a revolta das condutas iniciada na Idade Média é um

momento importante no processo de secularização do “governo das condutas”.

129 Presente no pensamento de São Tomás de Aquino, este continuum indica uma relação

descendente do poder soberano: de Deus ao pai de família, passando pela natureza e os pastores, até constituir o governo político do Soberano. Assim sendo: “Se no próprio prolongamento, na continuidade ininterrupta do exercício da sua soberania, o soberano pode e deve governar, é na medida em que ele faz parte desse grande contínuo que vai de Deus ao pai de família, passando pela natureza e pelos pastores. Nenhuma ruptura, portanto. Esse grande continuum, da soberania ao governo, não é outra coisa senão a tradução, na ordem – entre aspas – “política”, desse continuum que vai de Deus ao homem.” (FOUCAULT, 2008a, p. 313).

130

A partir desse momento, as artes políticas de governar correspondem a uma dessas perspectivas: (a) orientam-se pelas virtudes tradicionais e a habilidade humana. Há toda uma literatura (anterior ao século XVI) que subsidia esta perspectiva; (b) são definidas por parâmetros eminentemente racionais. Nesse caso, os princípios e domínios concernem exclusivamente à esfera do Estado.

renascimento uma cáustica literatura sobre O Príncipe, de Maquiavel, analisada por Foucault à luz da problemática da razão de Estado131. Essa literatura teria subsidiado a constituição da nova racionalidade política, emergente na razão de Estado a partir do século XVI. Cabe explicitarmos, pois, os traços mais significativos dessa razão de Estado. Para tanto, vejamos, primeiramente, como o teórico francês procura situar a sua definição tomando por referência as proposições de autores da época:

Botero: ‘Um conhecimento perfeito dos meios através dos quais os Estados se formam, se reforçam, duram e crescem’. Palazzo (Discurso sobre o governo e a verdadeira razão de Estado, 1606): ‘Um método ou uma arte permitindo-nos descobrir como fazer reinar a ordem e a paz no seio da República’. Chemnitz (De ratione status, 1647): ‘Alguma consideração política necessária para todas as questões públicas, os conselhos e os projetos, cuja única finalidade é a preservação, a expansão e a felicidade do Estado; com que finalidade se empregam os meios mais rápidos e os mais cômodos.’ (FOUCAULT, 2006a, p. 48-49).

Foucault sintetiza, em quatro pontos, o que considera como os traços comuns às definições de razão de Estado oferecidas por Botero, Palazzo e Chemnitz:

1) a razão de Estado é tida como uma arte, isto é, como uma técnica que segue regras específicas. Essas regras não se originam exclusivamente nos costumes e na tradição, mais também no conhecimento racional. A razão de Estado é, por assim dizer, a racionalidade própria à arte de governar os Estados.

2) a arte de governar é considerada racional se a sua reflexão a

131 Foucault não se ocupa da questão dos exageros e desvios promovidos por muitas das

interpretações do pensamento maquiaveliano. Sua atenção, evidentemente, está voltada à concepção de razão de Estado gerada por parte da literatura anti-Maquiavel. Mesmo sem discutir, aqui, o tema das diferentes visões sobre Maquiavel, destacamos que os livros Maquiavel: pensamento político, de Skinner, e O sorriso de Nicolau: história de Maquiavel, de Viroli, oferecem uma leitura das teses mais controvertidas do autor florentino, e do contexto histórico-político no qual estavam inseridas, que permite desfazer alguns equívocos gerados por interpretações tendenciosas e superficiais. Cabe dizer que Skinner e Viroli – cada um a sua maneira – resgatam as raízes republicanas presentes na vida e obra de Maquiavel que, diga-se de passagem, não são exploradas de modo substancial nos estudos foucaultianos (SKINNER, 1988, VIROLI, 2002).

leva a observar a natureza do que é governado, a saber, o Estado. A propósito, isso rompe com a tradição ao mesmo tempo cristã e jurídica: “tradição que pretendia que o governo fosse justo em sua raiz. Ele respeitava todo um sistema de leis: leis humanas, lei natural, lei divina.” Conforme essa tradição (em coerência com o continuum teológico- cosmológico), Deus é o modelo da arte de governar: Deus impõe suas leis às suas criaturas (FOUCAULT, 2006a, p. 49-51). De maneira diversa, entre os séculos XVI e XVII, a razão de Estado procurará um princípio que possa balizar a prática do governo político, independentemente dessa relação descendente. O que interessa à razão de Estado é justamente o Estado como uma instituição política, bem como as exigências que dele dimanam.

3) a razão de Estado opõe-se ainda a uma outra tradição. Como mencionamos, trata-se daquilo que se convencionou como as teses políticas de Maquiavel contidas em O príncipe. Como oposição ao pensador florentino, surgirá uma vasta produção denominada literatura anti-Maquiavel. Foucault destaca que a produção dessa literatura subsidiou a concepção de razão de Estado. Crê o pensador francês que, em certa medida, essa razão de Estado distancie-se das teses políticas contidas no livro O príncipe132. Em linhas gerais, dirá que o problema apresentado neste manual de prática política é, sobretudo, o de saber como proteger um território adquirido por herança ou conquista133. Já a problemática proposta pela razão de Estado, segundo a nova governamentalidade, giraria em torno da existência e da natureza do Estado. A finalidade desta arte de governar seria a de reforçar o próprio Estado e não o poder do príncipe e o seu domínio. Nessa perspectiva, ao considerar a razão de Estado como um traço determinante da modalidade de poder que emerge nos séculos XVI e XVII, Foucault esclarece:

132 Vale ressaltar que em A vontade de saber, Foucault afirma que, embora as análises de

Maquiavel permaneçam centradas na figura do príncipe, ele, possivelmente, foi o primeiro pensador a definir o poder como “relação de forças” (Cf. FOUCAULT, 1988, p. 89-92). Não é demais lembrar que as considerações de Foucault no primeiro livro da “História da Sexualidade”, ou mesmo no curso de 1978, têm como alvo O príncipe e não o conjunto da obra do pensador florentino.

133 Alguns títulos dos capítulos de O príncipe revelam a importância do tema da proteção de

um território herdado ou conquistado pelo príncipe. Por exemplo: “Dos principados hereditários”, “Por que o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se rebelou contra seus sucessores após a morte deste”, “De que modo se devem governar as cidades ou principados que, antes de serem ocupados, viviam com as suas próprias leis”, “Dos principados novos que se conquistam com as armas próprias e virtuosamente”, “Dos principados novos que se conquistam com as armas e fortuna dos outros.” (MAQUIAVEL, 1988).

O governo racional resume-se, por assim dizer, nisso: dada a natureza do Estado, ele pode aterrorizar seus inimigos durante um período indeterminado. Não o pode fazer senão aumentando sua própria potência. E seus inimigos farão o mesmo. O Estado cuja única preocupação fosse a de manter-se acabaria certamente em catástrofe. Essa idéia é da maior importância e se costura com uma nova perspectiva histórica. De fato, ela supõe que os Estados são realidades que devem forçosamente resistir durante um período histórico de duração indefinida no contexto de uma área geográfica contestada (FOUCAULT, 2006a, p. 52-53).

Nesse ponto, há que considerar ainda outro aspecto. Como mencionamos, a crise do pastorado não anula o fato de que os seus instrumentos possam reaparecer em outra época, por meio de distintos dispositivos e objetivando outras produtividades. Assim sendo, Foucault sugere que as grandes temáticas do pastorado cristão são metamorfoseadas na nova racionalidade, o que favorece a inserção de problemáticas políticas e econômicas no espectro da governamentalidade. É esse o caso do tema da obediência.

Visando explicitar as transformações ocorridas na modernidade no que tange à prática da obediência, Foucault recorre ao conteúdo do Ensaio de Francis Bacon (1561-1626), intitulado “De sedições e desordens”134. No texto, o filósofo inglês faz uma minuciosa análise tanto dos perigos causados pelas sedições num Estado, quanto das precauções que devem ser tomadas para evitá-las. Para o teórico empirista, as sedições não expressam a negação da política. Diferente disso, elas são normais, naturais, portanto, imanentes à vida da res publica. Atentemos para os argumentos de Bacon.

Estas são as proposições iniciais do Ensaio: “Os pastores de homens têm necessidade de saber as épocas de tempestades de Estado, as quais são comumente maiores quando cresce a igualdade”. Acrescenta Bacon: “Do mesmo modo que as tempestades naturais são maiores à época dos equinócios.” Se, por um lado, as sedições representam um perigo iminente no interior do Estado, por outro, é possível conhecer os seus conteúdos, os seus motivos e, com isso, criar

134 Na aula de 15 de março de 1978, Foucault indica que analisará o seguinte Ensaio de Francis

Bacon: Essai sur les séditions et les trubles (“Ensaio sobre sedições e distúrbios”). Em nossa análise, optamos por manter o título da edição brasileira: “De sedições e desordens”.

os remédios necessários para superá-las135.

Bacon se aplica em detalhar os procedimentos necessários para resolver os conflitos no Estado. A seu ver, o governo não deve perder de vista que é sua incumbência cuidar da população do reino – não se trata, contudo, do cuidado das almas, mas da condução política das pessoas. Por exemplo, o governo deve cuidar para que a população não exceda os recursos do reino. Aliás, o número de pessoas não é o único critério para avaliar as instabilidades e/ou estabilidades geradas pela população. Quanto a isso, ilustra o pensador inglês: uma pequena população pode gastar muito e, dessa forma, exceder os recursos do reino. Em contrapartida, há populações bem maiores que sabem viver com menos. Essas podem, então, satisfazer-se com menos e, além disso, gerar riqueza com sua produção excedente. Por sinal, são três os elementos que viabilizam a riqueza de uma nação: os artigos extraídos da natureza, a manufatura e o transporte. Crê o autor moderno que a boa política deva impedir a concentração da riqueza nas mãos de poucos. Para evitar a concentração perniciosa, sugere Bacon: “Isso é principalmente conseguido com a supressão ou estrito controle sobre as atividades vorazes da usura, da formação de grandes pastagens, e o semelhante.” (BACON, 2007, p. 54).

Atentemos também para o fato de que, ao estabelecer uma tipologia dos homens que habitam o Estado, Bacon recupera uma definição já presente no ideário político. Dirá, portanto, que existem duas ordens de pessoas no Estado: os nobres e os plebeus. Para evitar os conflitos, é preciso saber conduzi-los, é preciso persuadi-los à obediência. Para tanto, há preceitos que auxiliam no combate às desordens e sedições. Por exemplo, viabilizar a liberdade moderada no Estado. E mais, a política exercida com habilidade gera as condições (artificiais) necessárias para que sejam mantidas as esperanças das pessoas. Sustentar as esperanças é um dos antídotos contra o descontentamento dos indivíduos e das facções, pois esses têm a tendência a se enganar e a aceitar melhor as vicissitudes quando creem

135 Matéria das sedições: “As sedições vêm de duas origens: muita pobreza e muito

descontentamento.” Seus motivos: “inovação e religião, impostos, alterações de leis e costumes, quebra de privilégios, opressão geral, avanço de pessoas desmerecedoras, estranhos, carências, soldados dispensados, facções tornadas desesperadas e tudo que, ao ofender as pessoas, une e tece-as numa causa comum.” Seus remédios: remover a causa da sedição, ou seja, a indigência e o descontentamento que geram, respectivamente, os males da “barriga” e da “cabeça”. Na consecução desse propósito deve ser viabilizado: “a abertura de comércio bem equilibrado; o fomento da indústria; o banimento da ociosidade; a repressão do desperdício e excesso por leis suntuárias; a melhora da lavoura; a regulamentação de preços de venda de coisas; a moderação de impostos e tributos; e outros.” (BACON, 2007, p. 52-53).

em algo. Outro preceito relevante (embora também não pareça original), é a indicação de Bacon de que o príncipe deve ter um cuidado especial com os discursos que profere, evitando com isto desencadear a revolta por parte dos nobres ou da plebe. Além disso, dirá que é importante que o príncipe saiba tecer boas relações com as forças militares e com os homens mais proeminentes do Estado (BACON, 2007, p. 54-56).

Após essa breve apresentação do percurso argumentativo de Bacon, cabe explicitarmos sua relevância à questão da “secularização” da obediência na sua articulação com a razão de Estado. Com base em Foucault, podemos observar que:

a) se, em Maquiavel, o problema político centra-se na aquisição ou perda do principado, para Bacon é o das virtualidades presentes no interior do Estado, suas possibilidades, sua vida cotidiana136. Nesse horizonte, há que se constituir uma prática de governo que iniba as sedições e sublevações. Fomentar a obediência dos governados é um passo importante desse processo.

b) para o autor inglês o povo é, ao mesmo tempo, ingênuo e substrato do governo do Estado: “governar vai ser essencialmente governar o povo.” É preciso conformar a obediência do povo aos propósitos racionais do governo.

c) em Bacon, a nova prática de governo não está centrada nos qualificativos (virtualidades) do príncipe. Diversamente, ela procura se utilizar de um cálculo voltado para elementos (reais) da economia e investe na campanha de opinião. Como salienta Foucault: “Economia e opinião são, a meu ver, os dois grandes elementos de realidade que o governo terá de manipular.”137 Os motivos da obediência são “humanos demasiado humanos”, pois estão calcados na ideia de felicidade terrena das pessoas. A articulação da obediência aos propósitos do governo é materializada no desenvolvimento de estratégias (racionalmente

136 Embora não exploremos o tema, salientamos que nesse e nos dois argumentos subsequentes,

Foucault diferencia as inferências de Bacon com o que considera como as proposições políticas de Maquiavel. No aprofundamento do tema, cf. FOUCAULT, 2008a, p. 361-363.

137 Foucault explica: “Ora, o que encontramos em filigrana, apenas esboçado em Bacon, é na

realidade a prática política da época, pois é a partir dessa época que vemos desenvolver-se, por um lado, com o mercantilismo, uma política que vai ser uma política de cálculo econômico, que não é teoria mas, antes de mais nada, essencialmente, prática política, e [, por outro lado,] as primeiras grandes campanhas de opinião que, na França, vão acompanhar o governo de Richelieu. Richelieu inventou a campanha política por meio de libelos, de panfletos, e inventou essa profissão de manipuladores da opinião, chamados naquela época de ‘publicistas’. Nascimento dos economistas, nascimento dos publicistas. São os dois grandes aspectos do campo de realidade, os dois elementos correlativos do campo de realidade que o governo terá de manipular.” (FOUCAULT, 2008a, p. 363).

calculadas) que objetivam, concomitantemente, a anulação das sedições e o fortalecimento do Estado.

Como vemos, as linhas de ação apresentadas por Bacon para evitar as sublevações são indicativos, para Foucault, do aparecimento de estratégias de governo que visam à condução política do povo. A obediência política é, por assim dizer, um momento na consecução da condução política dos outros. A tecnologia política da obediência só é possível mediante as ações do Estado (por exemplo: os remédios contra as sedições) efetivadas como práticas racionais de governo. Além disso, no que tange à noção de população, Foucault deixa transparecer que ela está esboçada (implícita) no Ensaio de Bacon, mas não plenamente desenvolvida. Sua consolidação só acontecerá com a emergência dos dispositivos modernos de segurança.

4) a razão de Estado como racionalidade capaz de ampliar a potência do Estado, pressupõe a formação de um saber. Nesse ponto, tal qual acontece com o pastorado cristão, há a produção de uma verdade. Lembremos que no pastorado havia uma relação pedagógica pela qual a verdade era ensinada, descoberta, conhecida, extraída, testemunhada. Na razão de Estado, entretanto, o campo de produção da verdade é inteiramente diferente e corresponde a outras positividades. Isso quer indicar, por exemplo, que o governo só é viável ante o conhecimento da