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A segunda via, caracterizada pela tradição utilitarista dos séculos XVIII e XIX, não toma como ponto de partida o Direito na delimitação da prática governamental. Nela, os limites de competência do Estado seriam definidos, então, não pelo Contrato Social, mas pelo critério de utilidade, pois é o cálculo utilitário que deve demarcar as fronteiras da intervenção da prática de governo.

Na abordagem foucaultiana, o utilitarismo-liberal figura como uma tecnologia de governo (que corresponde à nova economia da razão de governar) e não, ou nem tanto, como uma filosofia. Diferentemente do que acontece na via axiomático-revolucionária, o campo do ordenamento jurídico será concebido pelo utilitarismo muito mais como efeito de um processo que tem, numa ponta, a esfera de intervenção do poder público e, na outra, o espaço constituído pela independência dos indivíduos. Há que considerar, contudo, que nesse modelo liberal, a regulação do poder público é definida em termos utilidade. Diferença significativa em relação ao modelo contratualista-liberal, delineado com base na concepção de direitos do homem.

De modo geral, o eixo da arte de governar utilitarista é norteado pela ideia de utilidade coletiva, muito mais que de uma vontade coletiva (fruto de um suposto pacto social), tal qual fora definida no modelo axiomático-revolucionário. Procura-se, então, no utilitarismo-liberal, definir a limitação jurídica do poder público com base na utilidade que o governo pode representar à sociedade e aos indivíduos. A questão (e o dilema) da utilidade coletiva e individual será, pois, o critério de elaboração dos limites do poder público, como também da formação de um direito público e do direito administrativo.

É o que mostra Bobbio quando afirma que é com os escritos de Jeremy Bentham (1748-1842) que o pensamento anglo-saxão realiza a

vinculação entre utilitarismo e liberalismo. A passagem dos preceitos jusnaturalistas para as teses utilitárias opera uma verdadeira transformação no seio da tradição liberal. Assim, na esteira da crítica de Jeremy Bentham ao jusnaturalismo, John Stuart Mill (1806-1873) rejeita a posição de fundar e justificar a limitação do poder estatal nos direitos naturais. Vale ressaltar que a tradição utilitarista partilha, com a vertente contratualista-liberal, da noção de “liberdade negativa” (liberdade entendida como a situação na qual se encontra um sujeito que não está impedido por força externa de fazer aquilo que deseja e não está constrangido a fazer aquilo que não deseja). Assim como os liberais contratualistas, crê Stuart Mill que seja preciso erigir um “critério” que possa estabelecer, de um lado, os limites lícitos para a ação do poder público visando delimitar a liberdade dos indivíduos; de outro, o âmbito em que os indivíduos e grupos possam agir sem encontrar a obstrução do poder estatal. Contudo, diversamente ao que pensa a vertente axiomático-revolucionária, em Stuart Mill (mas também em Bentham) a utilidade social passa a ser considerada como o princípio para a delimitação do Poder Soberano (BOBBIO, 2005, p. 64-65).

Foucault chama a atenção para o fato de que nessa vertente liberal os teóricos do direito público são também economistas. Em Cesare Beccaria (1738-1794), Adam Smith (1723-1790) e Jeremy Bentham as questões concernentes à Economia Política ganhariam relevância na problematização da limitação do poder público. Os três teóricos, cada um a sua maneira, teriam procurado abordar a temática dos limites jurídicos do poder público, de modo que este último não viesse a impedir ou macular a liberdade de mercado (FOUCAULT, 2008b, p. 53).

Cabe salientar que se o termo “radical” significou, entre o final do século XVII e início do século XVIII, a posição daqueles que reivindicavam, em face dos excessos do Poder Soberano, a garantia dos seus direitos originários, no utilitarismo moderno ganhará um sentido distinto. No radicalismo inglês, a palavra radical significa, pois, a posição que consiste em recolocar sempre à prática de governo a questão (o cálculo) da sua utilidade ou da sua inutilidade. Essa diferença indica, acima de tudo, que a via utilitarista-liberal é assentada numa inusitada economia da razão de governar, na qual o “cálculo hedonista” deve nortear a prática de governo211.

211 Explica Foucault: “Colocar a questão do governo, a cada instante, a cada momento da sua

ação, a propósito de cada uma das suas instituições, velhas ou recentes, a questão: é útil? é útil para quê? dentro de que limites é útil? a partir de que se torna útil? a partir de que se torna nocivo? Essa questão não é a questão revolucionária: quais são os meus direitos originais e

Para Foucault, as variações do liberalismo, no limiar da contemporaneidade, passam necessariamente por esses dois caminhos (“axiomático” e “radical”) que, cada um a seu modo, problematizam a regulação jurídica do poder público, definem a lei, como também a liberdade. Trata-se, pois, de duas vias heterogêneas, mas não totalmente excludentes, uma em relação à outra. Aliás, “a heterogeneidade [que as distingue] nunca impede nem a coexistência, nem a junção, nem a conexão.” Como podemos perceber, o “procedimento estratégico” por Foucault empreendido nesta genealogia objetiva viabilizar o escrutínio da vinculação entre ambas, trazendo à tona as conexões possíveis entre esses termos díspares. Isto é, o pensador francês se aplica em detectar “quais conexões puderam manter unidos, puderam fazer conjugar-se a axiomática fundamental dos direitos do homem e o cálculo utilitário da independência dos governados.” (FOUCAULT, 2008b, p. 58).

Entre os dois sistemas heterogêneos212, há uma série de conexões como, por exemplo, em torno das concepções de propriedade e de liberdade. Como já indicamos, com relação à liberdade o utilitarismo- liberal partilha com a vertente axiomático-revolucionária da concepção “negativa”. No entanto, na vertente radical-utilitarista o critério de utilidade passa a ser o princípio ordenador da liberdade caracterizada, sobretudo, pela independência dos governados (no mercado) em relação aos governantes.

Na confluência entre os dois sistemas, sobressai-se a absorção – em determinadas configurações de poder – do ordenamento jurídico pelo modo utilitarista de governo. Claro está para o pensador francês que a via utilitarista-liberal foi predominante na história do liberalismo. Nela, a limitação jurídica do poder público é constituída tendo como parâmetro a utilidade governamental. Crê Foucault que isso represente um dado essencial tanto na caracterização da história do liberalismo europeu quanto na história do poder público no Ocidente. Sobre o critério utilitarista de limitação do poder público, o pensador assevera:

E, por conseguinte, é esse problema da utilidade, da utilidade individual e coletiva, da utilidade de cada um e de todos, da utilidade dos indivíduos e como posso fazê-los valer em face de um soberano? Mas é a questão radical, é a questão do radicalismo inglês. O problema do radicalismo inglês é o problema da utilidade.” (FOUCAULT, 2008b, p. 55-56).

212 Resumidamente, podemos assim defini-los: via axiomático-revolucionária: do direito

público e dos direitos do homem; via radical-utilitarista: caminho empírico e utilitário que define, com base na necessária limitação do governo, a esfera de independência dos governados (FOUCAULT, 2008b, p. 60).

da utilidade geral, é esse problema que vai ser finalmente o grande critério de elaboração dos limites do poder público e de formação de um direito público e de um direito administrativo. Entramos, a partir do início do século XIX, numa era em que o problema da utilidade abrange cada vez mais todos os problemas tradicionais do direito (FOUCAULT, 2008b, p. 60).

Recapitulando, vimos que o mercado aparece como um dos pontos de ancoragem da razão governamental do liberalismo (como mecanismo de trocas e lugar de veridicção no que tange à relação valor/preço), e que outro ponto basilar do liberalismo se desenvolve em torno da problemática do poder público. Além disso, tendo em vista a prevalência da via radical-utilitarista na história do liberalismo, a medida para a intervenção do poder público (para sua limitação) passa a ser o princípio de utilidade. Ressalta Foucault que a confluência entre esses pontos de ancoragem viabiliza o princípio de autolimitação governamental do liberalismo moderno. No entanto, há que se perguntar pelo elemento que abrange, ao mesmo tempo, a “troca” (dado essencial do mercado/espaço de veridicção) e a utilidade (prática limitadora do poder público). A categoria que vai aglutinar a troca e a utilidade é o “interesse”. Ele é, concomitantemente, o princípio da troca e o critério de utilidade na arte liberal de governar (FOUCAULT, 2008b, p. 61).

Em outras palavras, na arte liberal de governo o princípio de autolimitação opera tendo por base a concepção utilitária de interesse. Cabe esclarecer, contudo, que não se trata do “interesse estatal” tal qual fora idealizado no modelo de Estado intervencionista. Diversamente dessa perspectiva, inaugura-se na modernidade um complexo “jogo” entre os interesses individuais e os coletivos que problematiza as práticas de governo tendo por referência os anseios de maior utilidade e benefício econômico, tanto para indivíduos quanto para a população. Trata-se, pois, do estabelecimento de um “jogo” que incorpora “o equilíbrio do mercado e o regime do poder público, é um jogo complexo entre direitos fundamentais e independência dos governados.” Na nova racionalidade política liberal, o governo é o ente que manipula esses interesses em jogo. Foucault enfatiza:

Mais precisamente, podemos dizer o seguinte: os interesses são, no fundo, aquilo por intermédio do que o governo pode agir sobre todas estas coisas que são, para ele, os indivíduos, os atos, as

palavras, as riquezas, os recursos, a propriedade, os direitos, etc. (FOUCAULT, 2008b, p. 61).

Foucault se empenha em mostrar que o homo oeconomicus do século XVIII é aquele que personifica a ideia de interesse – é ele que busca e deve obedecer ao seu próprio interesse. Esse, por sua vez, deve convergir (espontaneamente) com o interesse dos outros – pelo menos é o que creem os seus ideólogos. Cabe acrescentar que, na teoria de governo liberal, o homo oeconomicus é o sujeito e o objeto do laissez- faire, isto é, ele figura como peça-chave de uma lógica de governo em que a regra é o laissez-faire. Ao perscrutar a noção moderna de homo oeconomicus, Foucault percebe a sua proximidade com a concepção de sujeito, própria da Filosofia empírica inglesa. A seu ver, a novidade do empirismo inglês (que remete à tradição lockeana e humeana) reside no fato de que a sua concepção de sujeito não é definida pelo livre-arbítrio, pela oposição corpo-alma, ou ainda por um núcleo de concupiscência marcado pelo pecado. Diferentemente dessas perspectivas, o sujeito no empirismo se caracterizaria como tal por suas opções individuais ao mesmo tempo “irredutíveis” e “intransmissíveis”. Mas o que isso quer dizer?

“Irredutível” porque o critério mais aproximado que se pode obter da opção do sujeito é o quanto, para ele, essa pode representar dolorosa ou não dolorosa. Quanto a isso, Foucault explica: “O caráter doloroso ou não-doloroso da coisa constitui, em si, um motivo de opção além do qual não se pode ir.” Ou seja, o que é tido como opção do sujeito figura como uma espécie de limitador regressivo na análise. “Intransmissível”, por sua vez, significa que é sempre o sentimento pessoal do sujeito (sobre a dor e o prazer) que será o princípio de sua opção. É esse elemento, ao mesmo tempo irredutível e intransmissível, que faz com que as opções do sujeito, e a compreensão que se extrai delas, girem em torno dele próprio (como uma espécie de circularidade “utilitarista” individual). De modo geral, é isso que, segundo o pensador francês, caracteriza o sujeito de interesse. Atentemos para as suas considerações:

Creio que o fundamental nessa filosofia empírica inglesa – que trato aqui muito por alto – é que ela faz surgir algo que não existia em absoluto: a idéia de um sujeito de interesse, ou seja, um sujeito como princípio de interesse, como ponto de partida de um interesse ou lugar de uma

mecânica de interesses. [...] O importante é que o interesse aparece, e isso pela primeira vez, como uma forma de vontade, uma forma de vontade ao mesmo tempo imediata e absolutamente subjetiva (FOUCAULT, 2008b, p. 372).

Na ótica de Foucault, David Hume (1711-1776), como representante dessa filosofia do sujeito, põe em xeque a tese de que as ideias de vontade jurídica e interesse estejam claramente entrelaçados formando, na experiência contratual, uma só coisa213. Diversamente, a hipótese do pensador empirista seria, então, que o respeito ao pacto está assentado não na existência do Contrato Social ou ainda porque nos tornamos sujeitos de direito, mas porque as pessoas, num dado momento, têm interesse em que haja contrato214. Isso indica, por exemplo, que se o contrato não apresenta mais interesse, nada pode obrigar os sujeitos a continuarem a obedecê-lo. Claro que o ordenamento jurídico está presente na sociedade composta por sujeitos de interesse. Mas, apesar disso, o sujeito de interesse é irredutível à vontade jurídica e ao sujeito de direito.

Além disso, crê Foucault que o sujeito de interesse e o sujeito de direito não obedeçam à mesma lógica. Como vimos, na concepção jurídica do sujeito, é sempre em torno dos direitos naturais, de um sistema positivo, que o indivíduo aceita, cede ou mesmo renuncia aos direitos. Lembremos, por exemplo, da visão “negativa” de liberdade (e da “negatividade do poder”) sustentada por Hobbes215 – a liberdade se dá no “silêncio da lei”. De modo geral, a noção de sujeito que emerge no pensamento hobbesiano está profundamente marcada pelas cláusulas do Contrato Social, pela obediência à vontade soberana e, dessa forma, à lei positiva que dela dimana. Já o sujeito de interesse não corresponde à mesma mecânica. Aliás, nunca se pede ao sujeito de interesse (ao homo oeconomicus moderno) que renuncie ao seu interesse216. Como esclarece

213 Este é, seguramente, um dos motivos pelos quais a teoria de Hobbes não pode ser vinculada

à vertente radical-utilitarista.

214 Sobre as divergências entre Hume e Backstone a respeito dessa questão, cf. Foucault

(2008b, p. 372-373).

215 Foucault explica: “Ou seja, o sujeito de direito é por definição um sujeito que aceita a

negatividade, que aceita a renúncia a si mesmo, que aceita, de certo modo, cindir-se e ser, num certo nível, detentor de um certo número de direitos naturais e imediatos e, em outro nível, aquele que aceita o princípio de renunciar a eles e vai com isso se constituir como um outro sujeito de direito superposto ao primeiro.” (FOUCAULT, 2008b, 374).

216 Para o teórico francês: “[É o] homo oeconomicus que atravessou todo o pensamento

econômico, sobretudo o pensamento liberal, desde aproximadamente o meado do século XVIII. Eu havia procurado lhes mostrar que esse homo oeconomicus constituía uma espécie de átomo

o pensador francês:

[...] poderíamos dizer que toda a análise do interesse no século XVIII, que à primeira vista pode parecer ligar-se sem maior dificuldade à teoria do contrato, essa análise, quando a acompanhamos de perto, produz na verdade uma problemática que é, a meu ver, totalmente nova, totalmente heterogênea aos elementos característicos da doutrina do contrato e da doutrina do sujeito de direito. É, de certo modo, no ponto de cruzamento entre essa concepção empírica do sujeito de interesse e as análises dos economistas que será possível definir um sujeito, um sujeito que é sujeito de interesse e cuja ação terá valor ao mesmo tempo multiplicador e benéfico pela própria intensificação do interesse, e é isso que caracteriza o homo oeconomicus. O homo oeconomicus é, ao meu ver, no século XVIII, uma figura absolutamente heterogênea e não superponível ao que poderíamos chamar de homo juridicus ou homo legalis, se vocês quiserem (FOUCAULT, 2008b, p. 376).

Como explica Merquior, o homo oeconomicus é uma espécie de figura moral legitimada no século XVIII pela Economia Clássica, por meio dos escritos de Adam Smith, mas também pelo Un fragmento sobre el gobierno, de Jeremy Bentham217. Com relação ao livro de Bentham, destacamos que o objetivo primeiro do autor era empreender uma crítica às teses de William Blackstone (1723-1780) contidas na obra Comentários sobre as leis da Inglaterra. Nesse livro de 1776, Bentham enuncia pela primeira vez o princípio de utilidade convertido,

de interesse insubstituível e irredutível. Havia procurado lhes mostrar como esse átomo de interesse não era superponível, nem identificável, nem redutível ao que constitui no pensamento jurídico o essencial do sujeito de direito.” (FOUCAULT, 2008b, p. 397).

217 No ensaio “Guerra ao homo oeconomicus”, Merquior chama a atenção para os exageros que

marcam o tratamento caricatural dado a essa categoria de análise: “Trata-se de descobrir, no atual panorama das ideias filosófico-sociológicas, quem deseja assassinar o homo oeconomicus! [...] A imagem do indivíduo calculador, imbuído de racionalidade instrumental – a Zweckrationalität de Max Weber – é cada vez mais pintada como uma mutilação moral e, ao mesmo tempo, como verdadeira aberração metodológica em ciência social.” (MERQUIOR, 1983, p. 181-182). Outra coisa: esclarecemos que, tendo em vista a utilização da tradução espanhola do livro de Bentham, de Enrique Bocardo Crespo, mantivemos em nosso texto o título, as referências e as citações em espanhol.

posteriormente, em fundamento para o utilitarismo moderno218. Segundo Crespo, os objetivos do pensador inglês com o livro são os seguintes:

Primero derriba la idea arcaica de ordenamiento jurídico, después la ficción del contrato original, a continuación una peculiar noción de Blackstone demoninada los fundamentos naturales de la soberanía y finalmente, la teoría de la voluntad uniforme para explicar la cohesión política de un Estado (CRESPO apud BENTHAM, 2010, p. XLIX).

Próximo à teoria hobbesiana, Blackstone teria procurado justificar a tese do contrato original, o que Bentham refuta indicando que as relações políticas não derivam de tal pacto, mas do “hábito de obediência”. A posição de Bentham, conforme Crespo, é a de distinguir “aquellos que tienen el poder de emitir una expresión de la voluntad para hacer algo, y los que han de obedecer la expresión de la voluntad del superior; es decir, entre gobernantes y gobernados219.” Como vimos, para Bentham o critério que justifica as obrigações políticas é a utilidade da comunidade e não o Contrato Social.

O fim comum dos homens, dirá Bentham, é a felicidade, e essa não é outra coisa senão a utilidade (“possibilidade de satisfação dos homens”). A utilidade é, pois, um princípio de governo que pode ser identificado por todos os homens. Em que pese os problemas em torno da definição dos termos utilidade e felicidade, e o seu refinamento empreendido pelo utilitarismo oitocentista, em Bentham, o critério da

218 Cabe destacar que Bentham não deixa de reconhecer o legado de Beccaria as suas teses

utilitaristas. Aliás, é possível localizar, em Dos delitos e das penas, a formulação do “cálculo hedonista” (entre os delitos e as penas) e sua aplicação ao tratamento (humanista) aos detentos. No mais, Beccaria figura como um defensor de princípios liberais indicando que o Estado deve estar a serviço dos interesses dos indivíduos. O critério de “bem comum” aparece, nas teses do pensador italiano, como um condicionante da liberdade. Vejamos o que dirá Costa sobre o entendimento que Beccaria tem da ação do direito penal sobre a liberdade: “O direito penal é, assim, visto por Beccaria como um instrumento de limitação da liberdade dos indivíduos. Todavia, um instrumento legítimo, desde que em tais limitações se contemple o quantum necessário de modo a assegurar o bem comum.” Por fim, atentemos para o fato de que o pensador italiano justifica o uso e o benefício das leis (como farão Bentham e Stuart Mill) com base no princípio da máxima utilidade: “Mais vale prevenir os delitos que puni-los. Este é o principal objectivo de qualquer boa legislação, que é a arte de conduzir os homens ao máximo de felicidade ou ao mínimo de infelicidade possível, para falar segundo os cálculos dos bens e dos males da vida.” (BECCARIA, 2007, p. 19, 154).

219 Dirá Bentham: “Un acto de obediencia POLÍTICA (que es lo que aquí se quiere decir) es

cualquier acto realizado en consecusión de una expresión de la voluntad de parte de una persona que gobierna.” (BENTHAM, 2010, p. 64).

máxima felicidade para o maior número (“cálculo hedonista”) passa a ser visto, ao mesmo tempo, como princípio de governo e critério para a conduta humana. Vejamos o que afirma o teórico utilitarista:

[...] la felicidad más grande para el mayor número en el carácter del propio, y sólo del propio y defendible, fin del gobierno; como el único criterio por el que cualquier juicio apropiado pudiera ser formado, sobre la propiedad de cualquier medida, o de la conducta de cualquiera persona, ocupada en hacer oposición, o darle apoyo (BENTHAM, 2010, p. 38, 95-97, 204).

Crê o pensador inglês que seja possível uma união de interesses na sociedade e, para que isso aconteça, o governo deve procurar agir visando sempre (e salvaguardando) o interesse da coletividade. Em Princípios da moral e da legislação, sustenta que uma medida do