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A realização dos direitos sociais fundamentais e a reserva do possível

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A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS

3.7 A eficácia dos direitos sociais fundamentais

3.7.1 A realização dos direitos sociais fundamentais e a reserva do possível

Em conformidade com o pensamento de Dirley da Cunha Júnior, o argu- mento de que a reserva do possível obsta a competência do Poder Judiciário para deci- dir acerca da distribuição dos recursos públicos não se aplica na vigente Constituição de 1988.227 Em princípio, cabe ao Poder Legislativo e Executivo a deliberação acerca da destinação e aplicação dos recursos orçamentários. Todavia, essa competência não é absoluta, pois se encontra adstrita às normas constitucionais, notadamente àquelas de- finidoras de direitos sociais fundamentais que exigem prioridade na distribuição desses recursos, considerados indispensáveis para a realização das prestações materiais que constituem o objeto desses direitos.228

Consoante lição de Ingo Wolfgang Sarlet, a assim chamada liberdade de conformação do legislador nos assuntos orçamentários “[...] encontra seu limite no mo-

mento em que o padrão mínimo para assegurar as condições materiais indispensáveis a

226 CLÈVE, 2007, p. 6–7. 227 CUNHA JÚNIOR, 2007, p. 437 228 Idem, p. 437–438.

uma existência digna não for respeitado, isto é, quando o legislador se mantiver aquém desta fronteira”.229

Paradigmática é a decisão monocrática do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, na ADPF nº 45, que enfrentou, com maestria, o tema refe- rente à reserva do possível ao considerar que o Estado não pode invocá-la “[...] com a

finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notada- mente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de es- sencial fundamentalidade”. Confira-se:

[...] Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significati- vo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (Stephen Hol- mes/Cass R. Sunstein, “The Cost of Rigts”, 1999, Norton, New York), nota- damente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações esta- tais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coleti- vas.

É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais, além de ca- racterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização, depen- de, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico–financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Polí- tica.

Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese, mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político– administrativa, criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabeleci- mento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível”, ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível, não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumpri- mento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mes- mo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial de fundamentalidade.230

Perfilha-se o entendimento de José Mastrodi que ao se posicionar sobre a questão da reserva do possível como expediente para tornar os direitos sociais funda- mentais na dependência de recursos do orçamento com o fim de justificar a ausência de

229 SARLET, 2007a, p. 342.

230 A íntegra do voto está disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Consulta em 08.08.2008. Os grifos constam no original.

políticas públicas que, segundo ele, não deve ser considerado um argumento válido.231 O autor leciona que a reserva do possível não é justificativa para negar ações sociais em países com economias classificadas entre as maiores do mundo, como é o caso do Brasil. Para ele, a reserva do possível é vista como pretexto para justificar a negativa de intervenção estatal em prioridades sociais. E arremata ao dizer que “[...] numa situação

destas, isto não é uma reserva do possível, mas uma reserva da injustiça”.232

Em sentido contrário ao exposto acima, o expoente jurista lusitano Jorge Miranda sustenta que a efetivação dos direitos sociais não depende tão somente das normas constitucionais concernentes à organização econômica, mas também, e, sobre- tudo, dos próprios fatores econômicos, bem como dos “condicionalismos institucionais”, do modo de organização e funcionamento da administração pública e dos recursos fi- nanceiros.233 O aludido jurista aduz que

Não por acaso o art. 22 da Declaração Universal liga os direitos econômi- cos, sociais e culturais “ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada povo”. E a doutrina fala no ajustamento do socialmente desejável ao economicamente possível, na subordinação da efetividade concreta a uma reserva do possível ou na raridade material do objeto da pretensão como limite real.234

Entretanto, com a devida licença ao respeitável jurista lusitano, é desarra- zoado o argumento da mera escassez de recursos financeiros utilizado com frequência pelos administradores públicos ao acarretar, portanto, a postergação da realização prá- tica dos direitos sociais fundamentais.

Ademais, é preciso entender que o atual Estado Constitucional brasileiro possui como pressuposto essencial a realização de um Estado Orçamentário. Significa dizer que o equilíbrio entre receitas e despesas é normatizado pela própria Constituição, sendo o orçamento o instrumento de concretização desse ajuste. Se o Estado alega falta de recursos para a efetivação dos direitos sociais o erro é duplo: desrespeito aos direitos humanos (notadamente os de cunho social) e desrespeito às normas constitu- cionais de planejamento orçamentários.

231 MASTRODI, Josué. Direitos sociais fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 103. 232 Idem, p. 103–104. André de Carvalho Ramos defende que o princípio do desenvolvimento pro- gressivo no âmbito dos direitos sociais deve ser aplicado com parcimônia e restrições, já que em países, como o Brasil, o desenvolvimento é associado com políticas de concentração de renda, o que torna cada vez mais distante a efetivação daqueles direitos. E acrescenta, ainda, que o desenvolvi- mento progressivo dos direitos sociais e a escassez de recursos não podem mais escusar os Estados de serem responsabilizados pela não implementação de condições materiais mínimas para as suas populações. RAMOS, 2005, p. 234.

233 MIRANDA, 2000, p. 392. 234 Idem, p. 392. Grifo no original.

Santiago Sastre Ariza revela que na eficácia dos direitos sociais estão em jogo duas ideias importantes para o constitucionalismo moderno, ou seja, a força norma- tiva da Constituição e a concepção dos direitos sociais como autênticos limites ao po- der.235 A primeira, porque por figurar em constituições que operam como verdadeiras normas, os direitos sociais devem lograr o mesmo caráter preceptivo em relação aos demais enunciados constitucionais. A segunda, por serem direitos devem funcionar co- mo obrigações para o Estado, ainda que o legislador disponha de uma enorme liberdade para ajustar-se a eles (aos direitos sociais), mas não por isso eles deixam de apresentar como limites ou imposições dirigidos ao legislador, pois isso é a vontade do Constituin- te.236

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