• Nenhum resultado encontrado

Direitos a prestações em sentido estrito

No documento Download/Open (páginas 74-77)

1.7 Categorias dos direitos fundamentais sob o ângulo funcional

1.7.2 Direitos fundamentais como direitos a prestações

1.7.2.2 Direitos a prestações em sentido estrito

Compreendem as normas definidoras de direitos fundamentais que con- sagram direitos a prestações materiais pelos seus destinatários na categoria dos direitos fundamentais a prestações stricto sensu que, por outro lado, identifica-se, conforme le- ciona Robert Alexy, com a dos direitos sociais fundamentais como, por exemplo, direito à seguridade social, ao trabalho, à moradia, à educação, à saúde etc.264 Estes decorrem de um processo de desenvolvimento que foi assentado a partir da Constituição francesa, encontrando-se vinculado à questão social do século XIX.265

Ingo Wolfgang Sarlet leciona que a recondução dos direitos a prestações fáticas a um status positivus socialis dos indivíduos, deve-se distinguir quanto ao Direito Constitucional positivo pátrio, no qual o conceito de direitos sociais fundamentais não se restringe à dimensão prestacional ao abranger igualmente o que se poderia denominar (para se manter fiel à inspiração jellinekiana) de um status negativus socialis ou status

libertatis socialis, constituído pelas liberdades sociais (por exemplo, pelo direito de greve

e da liberdade sindical), pelas concretizações do princípio da isonomia e da proibição de discriminações, e por todas as posições jurídicas fundamentais que podem, por sua fun- ção prioritária, ser reconduzidas ao grupo dos direitos de defesa.266

Os direitos sociais fundamentais a prestações, diversamente dos direitos de defesa, objetivam assegurar, mediante a compensação das desigualdades sociais, o exercício de uma liberdade e igualdade real e efetiva, que pressupõe um comportamen- to ativo do Estado, uma vez que a igualdade material não se oferece simplesmente por si mesma, devendo ser implementada. Além disso, os direitos sociais fundamentais vi- sam a uma igualdade real para todos, alcançável apenas por intermédio de uma elimi- nação das desigualdades, e não por meio de uma igualdade sem liberdade. Pode-se afirmar, nesse contexto, que, em certa medida, a liberdade e a igualdade são efetivadas por meio dos direitos sociais fundamentais.267

263 SARLET, 2007, p. 228. 264 ALEXY, 2007, p. 443. 265

SARLET, op. cit., p. 231–232. 266 Idem, p. 231.

Á medida que já demonstrado a existência de direitos a prestações em sentido amplo ao abrangerem, em princípio, os direitos a prestações jurídicas (normati- vas) estatais, poderia questionar a referida identidade entre os direitos a prestações em sentido estrito (no sentido de direitos a prestações fáticas) e os direitos sociais presta- cionais. Dito de outra maneira, tem de verificar se os direitos a prestações materiais se limitam aos direitos sociais prestacionais ou se estes podem ser considerados apenas uma espécie do gênero direitos a prestações em sentido estrito, que, consequentemen- te, teriam um objeto mais amplo, ainda que mais restrito do que os direitos a prestações

lato sensu. Nesse contexto, conforme lição de Ingo Wolfgang Sarlet, assume importân-

cia a distinção formulada pelo publicista alemão Murswiek entre o status positivus liber-

tatis e o status positivus socialis, sob o aspecto de dimensões específicas do status po- sitivus, representado pelos direitos a prestações em sentido amplo.268

A dificuldade encontra-se, por sua vez, estreitamente vinculada ao con- teúdo da prestação, que constitui o objeto dos direitos prestacionais em sentido amplo e estrito. De início, pode-se aceitar a já anunciada tarefa dos direitos sociais (aqui consi- derados em sentido amplo), na condição de elementos de realização da igualdade e liberdade reais, considerados como fatores de consecução da justiça social, visto que se encontram ligados à obrigação da comunidade (sociedade) para com o fomento ativo da pessoa humana.269

O Estado Social de Direito, também denominado de Estado do Bem– Estar, distingue-se justamente por ter avocado para si a tarefa de realização da justiça social, de tal modo que, juntamente com os direitos sociais, pode ser rotulado ao mesmo tempo produto, complemento, corretivo e limite do Estado Liberal de Direito e dos clás- sicos direitos de defesa de matriz liberal–burguesa.270

Percebe-se que os direitos sociais prestacionais se encontram intimamen- te vinculados às tarefas exercidas pelo Estado na condição de Estado Social, o qual deve zelar por uma adequada e justa distribuição e redistribuição dos bens existentes. Então, os direitos sociais, como direitos a prestações, se dirigem ao fornecimento de bens que podem, eles próprios, ser tidos como parte integrante da liberdade real, de

268 De acordo com a concepção de Dietrich Murswiek, mencionado por Ingo Wolfgang Sarlet, os direi- tos do primeiro grupo são formados pelos direitos à proteção e à organização e ao procedimento, encontrando-se, portanto, vinculados diretamente à atuação do Estado na condição de Estado Liberal do Direito, ao passo que os direitos a prestações fáticas devem ser reportados à atividade do Estado como Estado Social de Direito. SARLET, 2007, p. 235.

269 Idem, p. 235. 270 Idem, p. 235.

forma que o Estado pode ser considerado como destinatário de uma pretensão de for- necimento.271

Ingo Wolfgang Sarlet sustenta que um direito de defesa (negativo) pode ter uma dimensão positiva correlata, assim como os direitos prestacionais (positivos) correspondem uma dimensão negativa. Assim, para o multicitado jurista, verifica-se que os direitos fundamentais, de modo geral, possuem uma dúplice função negativa e positi- va como, por exemplo, o direito à moradia que, na condição de direito a ações positivas (fáticas ou normativas) voltadas à promoção e satisfação das necessidades materiais ligadas à moradia, pode ser definido como direito a prestações. Por outro lado, a mora- dia (agora na condição de direito negativo) também é protegida contra ingerências ex- ternas, sejam elas oriundas do Estado, sejam elas advindas de esfera jurídico–privada. Tem-se, portanto, que um mesmo direito fundamental, abrange muitas vezes um com- plexo de posições jurídicas, isto é, de direitos e deveres, negativos e positivos.272

Impende informar que a questão a ser veiculada nesta dissertação diz respeito, fundamentalmente, à plena eficácia e aplicabilidade imediata dos direitos soci- ais fundamentais, uma vez que decorrem diretamente da suprema dignidade da pessoa humana, devendo ser, desde logo, reconhecida e assegurada, pois todos os direitos fundamentais, qualquer que seja a sua natureza, são direitos diretamente aplicáveis, vinculam todos os Poderes, especialmente o Legislativo, e essa vinculação se submete ao controle judicial. É incogitável negar o caráter jurídico e, consequentemente, a exigi- bilidade e acionabilidade dos direitos sociais fundamentais, que são autênticos direitos subjetivos.273

Sobre a eficácia dos direitos sociais e a questão da reserva do possível, bem como a natureza cláusula pétrea dos direitos sociais, além de outras particularida- des, serão objeto de profunda análise no terceiro capítulo.

271 SARLET, 2007, p. 235. 272 Idem, p. 237.

273 Canotilho sustenta que os direitos sociais e econômicos (direitos dos trabalhadores, direito à assis- tência social, direito à educação, direito à previdência social etc.), uma vez alcançado determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. CANOTILHO, 2003, p. 338–339.

No documento Download/Open (páginas 74-77)