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Estrutura das normas jurídicas: regras e princípios

No documento Download/Open (páginas 40-47)

A tese da normatividade dos princípios que hoje é aceita na dogmática constitucional reconhece, de uma forma geral, duas espécies de gênero normas jurídi- cas, quais sejam, as regras e os princípios, cuidando de distinguir uma da outra. É pos- sível reunir os critérios distintivos usualmente apontados pela doutrina, a saber:111

a) No que concerne ao conteúdo, os princípios estão mais próximos da ideia de valor e de direito.112 Eles formam uma exigência da justiça, da equidade ou da moralidade, ao passo que as regras têm um con- teúdo diversificado e não necessariamente moral.

b) Quanto à origem e validade. A validade dos princípios decorre de seu próprio conteúdo, ao passo que as regras derivam de outras re-

jurídica, enxergando a norma como um processo complexo envolvendo uma série de fatores (confor- me visto), não se confundindo a norma com o seu enunciado linguístico. A interpretação aqui é uma das etapas do processo de concretização, não existindo relação sinonímica entre interpretação da constituição e concretização constitucional. MÜLLER, 2005, p. 47 et seq. Conferir também: BONAVI- DES, 2004, p. 591.

Conforme ensina Bruno Galindo, quanto à realização da constituição, tem-se a ideia ligada ao que foi conceituado como efetividade. Consiste a realização constitucional precisamente na aplicação prática da norma constitucional, ou seja, a concretização fática, real, empírica, do seu conteúdo. GA- LINDO, 2003, p. 167. A ligação com a efetividade existe exatamente por uma correspondência con- ceitual entre realização e efetividade, visto que esta última significa precisamente a realização do direito, o “desempenho concreto de sua função social”. BARROSO, 2006, p. 82. Ainda, segundo le- ciona Canotilho, a realização da constituição está relacionada ao efetivo cumprimento da norma cons- titucional no plano social. CANOTILHO, 2003, p. 1200. Logo, é um conceito essencialmente ligado à sociologia do Direito Constitucional, estando, portanto, intimamente vinculado à correspondência en- tre a eficácia da norma constitucional e a conduta social observada empiricamente de acordo com a norma aludida.

111 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios fundamentais: o princípio da digni- dade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 40–57.

112 Canotilho apresenta um conjunto de critérios para a distinção entre regras e princípios, a saber: “a)

Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de

modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida. b) Grau de determinabilida-

de na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de me- diações concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta. c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do siste- ma jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito). d) ‘Proximidade’ da ideia de direito: os princípios são ‘standards’ juridicamente vinculantes radicados nas exigências de ‘justiça’ (Dworkin) ou na ‘ideia de direito’ (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional. e)

Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.” CANOTILHO, 2003, p. 1160–1161. Grifos no original.

gras ou dos princípios. Assim, é possível identificar o momento e a forma como determinada regra tornou-se norma jurídica, perquirição essa que será inútil no que diz respeito aos princípios.113

c) Concernente ao compromisso histórico. Os princípios são para mui- tos, em maior ou menor medida, universais, absolutos, objetivos e permanentes; ao passo que as regras caracterizam-se de forma bas- tante evidente pela contingência e relatividade de seus conteúdos, conforme o tempo e o lugar.

d) Em relação à função no ordenamento. Cabe aos princípios a função de explicar e justificar as regras. Ao modo dos axiomas114 e leis cien- tíficas, os princípios sintetizam uma grande quantidade de informa- ção de um setor ou de todo o ordenamento jurídico, conferindo-lhe unidade e ordenação.115

e) Referente à estrutura linguística. Os princípios são mais abstratos que as regras, em geral não descrevem as condições necessárias para sua aplicação e, por isso mesmo, aplicam-se a um número in- determinado de situações.116 Em relação às regras, diferentemente,

113 DWORKIN, 1998 apud BARCELLOS, 2002, p. 48.

114 Embora princípios e axiomas sejam fenômenos distintos, como registra Humberto Ávila. Segundo ele, “[...] os princípios jurídicos não se confundem com axiomas. Axioma denota uma proposição cuja veracidade é aceita por todos, dado que não é nem possível nem necessário prová-la. [...] Não se encontram, portanto, no mundo jurídico do dever ser, cuja concretização é sempre prático- institucional”. ÁVILA, 1999 apud BARCELLOS, 2002, p. 48. Grifos no original.

115 Esse é o ponto essencial da lição clássica de Celso Antônio Bandeira de Mello. Segundo ele, “[...] Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princí- pio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do prin- cípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fun- damentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.” BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 19. ed. rev. e atual. São Pau- lo: Malheiros Editores, 2005. p. 889.

116 Veja-se transcrição em nota de rodapé previamente citada sobre a distinção entre princípios e regras. CANOTILHO, 2003, p. 1160–1161. A concepção de Humberto Bergmann Ávila sobre a maté- ria guarda relação com esse elemento distintivo, como se vê das definições que apresenta para prin- cípio e regra: “Diante do exposto, pode-se definir os princípios como normas que estabelecem dire-

tamente fins, para cuja concretização estabelecem com menor exatidão qual o comportamento devido (menor grau de determinação da ordem e maior generalidade dos destinatários), e por isso depen- dem mais intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação para a determinação da conduta devida.

As regras podem ser definidas como normas que estabelecem indiretamente fins, para cuja con-

cretização estabelecem com maior exatidão qual o comportamento devido (maior grau de determina- ção da ordem e maior especificação dos destinatários), e por isso dependem menos intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação para a de- terminação da conduta devida”. ÁVILA, 1999 apud BARCELLOS, 2002, p. 49. Grifos no original.

é possível identificar, com maior ou menor trabalho, suas hipóteses de aplicação.

f) Quanto ao esforço interpretativo exigido. Os princípios exigem uma atividade argumentativa muito mais intensa, não apenas para preci- sar seu sentido, como também para inferir a solução que ele propõe para o caso, ao passo que as regras demandam apenas uma aplica- bilidade, na expressão de Josef Esser, mencionada por Barcellos, “burocrática e técnica”.117

g) Quanto ao modo de aplicação. As regras têm estrutura biunívoca, aplicando-se de acordo com o modelo do “tudo ou nada”, populari- zado por Ronald Dworkin.118 Isto é, dado seu substrato fático típico,

as regras só admitem duas espécies de situação: ou são válidas e se aplicam ou não se aplicam por inválidas, de acordo com a lição de Robert Alexy.119 Uma regra vale ou não vale juridicamente. Não são admitidas gradações. Como registra Robert Alexy, ao contrário das regras, os princípios determinam que algo seja realizado na maior medida possível, admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as possibilidades físicas e jurídicas existentes. Estes li- mites jurídicos, que podem restringir a otimização de um princípio, são (i) regras que o excepcionam em algum ponto e (ii) outros prin- cípios opostos que procuram igualmente maximizar-se, daí a neces- sidade eventual de ponderá-los. Desenvolvendo esse critério de dis- tinção, Robert Alexy denomina as regras de comandos de definição e os princípios de comandos de otimização.120

Conforme magistério de Felipe Derbli, a técnica da ponderação de valores ou interesses consiste, basicamente, no estabelecimento do peso relativo de cada prin- cípio aplicável a um caso concreto. Procede-se, então, à compressão recíproca entre os princípios contrapostos, observando-se a proporcionalidade e a preservação do núcleo

117 ESSER, 1961 apud BARCELLOS, 2002, p. 50. 118 DWORKIN, 1998 apud BARCELLOS, 2002, p. 50.

119 ALEXY, 2007, p. 68–69. Segundo Ana Paula de Barcellos “A não aplicabilidade da regra decorre, em geral, de sua invalidade (inconstitucionalidade) ou da perda de sua vigência, como nos casos em que ela é revogada por norma hierarquicamente superior ou posterior de igual hierarquia. No caso da relação entre norma geral e especial, entretanto, a norma geral deixa de ser aplicada não por qual- quer dessas duas razões, mas porque os fatos realizam de forma específica a previsão da norma especial, que afasta a incidência da geral.” BARCELLOS, op. cit., p. 50.

essencial de cada princípio, nada havendo que se falar em hierarquia em tese entre princípios (sem prejuízo de uma hierarquia axiológica).121

Canotilho leciona que ponderar princípios significa sopesar com o fim de se decidir qual dos princípios, num caso concreto, tem maior peso ou valor os princípios conflitantes.122

Tais ideias que logo encontraram entusiasmada acolhida na doutrina e, logo depois, na jurisprudência brasileira, foram parcialmente contestadas no recente estudo de Humberto Ávila intitulado: Teoria dos Princípios.123 O jurista gaúcho, primei- ramente, identifica no pensamento dominante o recurso a um critério do “caráter hipoté- tico–condicional”, segundo o qual as regras seriam estruturadas de modo a prever uma hipótese e uma consequência para a ocorrência de um fato que se enquadrasse na hi- pótese prevista – isto é, seriam aplicadas de acordo com a fórmula “se, então” –, o que as distinguiria dos princípios, que estabeleceriam apenas uma diretriz.124

Sobre esse critério, assinala Humberto Ávila a sua imprecisão, visto que as regras, conquanto realmente possuam elementos descritivos, não permitem a com- preensão de seu conteúdo normativo senão ao final do processo de interpretação e apli- cação, necessariamente condicionado pelas possibilidades fáticas e normativas. Além disso, a existência de uma hipótese de incidência é questão de formulação linguística e, por isso, não pode ser elemento distintivo de uma espécie normativa. Algumas normas que são qualificáveis segundo esse critério, como princípios podem ser reformuladas de modo hipotético.125

Humberto Ávila questiona que a indicação do modo final de aplicação co- mo critério distintivo entre as regras e princípios – para o qual aquelas seriam aplicadas segundo a lógica do tudo ou nada, acima referida, enquanto os princípios seriam aplica- dos de forma gradual mediante ponderação –, uma vez que se trata, segundo o autor, de contingência que não pode ser tida como decisiva na distinção entre as espécies normativas. Nesse sentido, dissocia a incidência das regras de sua aplicação ao afirmar que existem casos em que as regras jurídicas não incidem sobre uma situação concreta,

121 DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 109–110.

122 CANOTILHO, 2003, p. 1241.

123 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

124 Idem, p. 40. 125 Idem, p. 40–41.

ou seja, a realidade fática não se enquadra na sua hipótese de incidência, mas que, ainda assim, são aplicadas, como nos casos de uso da analogia.126

Por outro lado, existem para Humberto Ávila situações em que, embora a regra incida sobre o caso concreto, a sua aplicação poderá ser afastada por ser contrá- ria às razões que fundamentam a própria regra ou outras razões, estranhas à própria regra que incidiu ou a outras, que se mostram mais relevantes especificamente no caso concreto; em ambas as situações, a solução do caso (e, portanto, a não aplicação da regra) envolverá um juízo de ponderação das razões envolvidas.127 Contudo, a supera- ção das regras é algo excepcional e, portanto, exigirá atividade argumentativa muito mais intensa do que trata para a superação de um princípio.128

Posiciona-se Humberto Ávila, ainda, contra o critério com o conflito norma- tivo, segundo o qual a antinomia entre regras se resolveria com a declaração de invali- dade de uma delas ou do estabelecimento de uma exceção, enquanto o conflito entre princípios envolveria uma ponderação na qual se atribuiria uma “dimensão de peso”, de modo que o princípio com maior peso relativo no caso concreto prevaleceria sobre o outro, sem prejuízo da validade deste.129 Para sustentar tal posição, utiliza os seguintes argumentos: primeiro, a ponderação não seria técnica privativa da aplicação de princí- pios, sendo possível a realização de ponderação também na aplicação de regras; se- gundo, porque nem sempre o conflito entre regras se resolveria em abstrato, no plano da validade ou da relação de especialidade, visto que é possível que duas regras vies- sem a contrapor-se apenas no caso concreto, sem prejuízo da sua validade, sendo ne- cessário ponderar as finalidades em consideração naquele caso.130

O multicitado jurista acrescenta que a chamada dimensão de peso não se- ria privativa ou inerente aos princípios abstratamente considerados, sendo-lhes atribuída apenas na solução do conflito posto no caso concreto.131 E, ainda, aduz que mesmo nos casos de antinomias entre princípios, a ponderação poderia levar à aplicação de um

126 ÁVILA, 2006, p. 44, 50. 127 Idem, p. 49–50. 128 Idem, p. 50. 129 Idem, p. 51.

130 Idem, p. 52. Humberto Ávila, na página 53, traz como exemplo situação em que haja uma regra no Código de Ética Médica estatuindo que o médico deva contar ao paciente toda a verdade sobre a sua doença, e outra, no mesmo diploma normativo, determinando que o médico deva utilizar todos os meios disponíveis para curar seu paciente, sendo que, no caso concreto, deliberar dizer a verdade ao paciente poderia causar-lhe abalo emocional que poderia reduzir as suas possibilidades de cura. Têm-se, na hipótese, regras perfeitamente válidas, que entram em conflito tão somente no caso con- creto – a solução para esse conflito exigirá, necessariamente, um juízo de ponderação, pelo qual se afastará aplicação de uma regra em favor de outra.

princípio e o afastamento de outro ao deixar de gerar efeitos sobre o caso a decidir – o que se verificaria, por exemplo, nas situações em que estivessem em colisão os princí- pios da liberdade de informação e da inviolabilidade da intimidade e da vida privada.132

De uma forma geral, portanto, Humberto Ávila exibe sua posição quanto aos critérios em que normalmente se baseiam a doutrina e a jurisprudência para distin- guir regras de princípios e destaca situações em que nem mesmo tais fórmulas distinti- vas são suficientes. Diante disso, propõe a conceituação de ambas as espécies norma- tivas da seguinte forma, expressis verbis:

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospecti- vas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobre- jacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a constru- ção conceitual dos fatos.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente pros- pectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cu- ja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.133

Têm-se, pois, que regra e princípio, como espécies de normas jurídicas estabelecem um dever ser, sendo que, no caso da regra, o dever imediatamente estabe- lecido é o de adoção da conduta nela descrita, enquanto se atender à finalidade que lhe é subjacente e aos princípios que lhe são superiores, ao passo que, quanto ao princípio, o dever imediatamente estabelecido é o de promover uma finalidade, um estado ideal de coisas mediante a prática das condutas necessárias para tanto. Ademais, diferirão tam- bém um do outro porque a regra possui a pretensão de proporcionar uma solução espe- cífica e decisiva para os casos a que for aplicável, cabendo ao princípio cuidar apenas de parte dos elementos relevantes para a solução do caso concreto, que também deve- rá levar em conta outras razões.134

132 ÁVILA, 2006, p. 62, 67.

133 Idem, p. 78–79. Registre-se a definição de princípio traçada por Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual princípio é “[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, dispo- sição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.” BANDEIRA DE MELLO, 2005, p. 888–889.

Consigna-se que Humberto Ávila reconhece ainda uma terceira categoria de normas jurídicas qual seja, a dos postulados normativos, normas metódicas voltadas para a estrutura da interpretação e aplicação de princípios e regras – seriam, portanto, postulados, a ponderação, a concordância prática, a proibição de excesso, a razoabili- dade, a proporcionalidade, entre outros.135 Note-se, porém, que o autor entende como

postulados normativos (divididos, por sua vez, em específicos e inespecíficos) como

normas estruturantes da aplicação de princípios e regras tidas por boa parte da doutrina, ainda que usualmente já se lhes reconheça um caráter metódico ou instrumental.136 Tal especificidade encontra-se um pouco além dos propósitos deste estudo ao ser desne- cessário o aprofundamento da questão.

Ante o expendido, os critérios distintivos enumerados por Humberto Ávila são seguros para diferençar as regras dos princípios, razão pela qual serão os adotados para os fins deste estudo, visto que não parecem conflitar com a noção generalizada na doutrina, dos princípios como sendo dotados de maior carga axiológica e da função de permitir a integração do ordenamento jurídico, sobretudo na qualidade de vetor herme- nêutico das demais normas jurídicas, o que, aliás, decorre da eficácia jurídica interpreta- tiva que se lhes reconhece.

Mostra-se importante, neste particular, avaliar a questão da eficácia jurídi- ca das regras e princípios constitucionais, uma vez que, como se verá adiante, os direi- tos fundamentais e, em especial, os chamados direitos sociais, estão consagrados na Constituição de 1988 em normas jurídicas de ambas as espécies. É o que se pretende elucidar no terceiro capítulo.

Cumpre informar que paralelamente às espécies normativas referidas (re- gras, princípios e postulados), outra categoria – não autônoma ou diversa acompanhará o presente estudo. Trata-se do relevante conceito de sobreprincípio, o qual, em certa medida, consiste numa noção peculiar de alguns princípios, caracterizando-se pela maior amplitude dos fins (estado de coisas almejado) para os quais existem.137 De acor- do com a lição de Rafael Maffini, nessa espécie de princípio, inquestionável é a conju- gação hermenêutica de vários outros subprincípios que são conformados e, ao mesmo

135 ÁVILA, 2006, p. 121 et seq. 136 Idem, p. 127.

137 Segundo lapidar magistério de Humberto Ávila, “[...] Há princípios que se caracterizam justamente por impor a realização de um ideal mais amplo, que engloba outros ideais mais restritos. Esses prin- cípios podem ser denominados de sobreprincípios. [...] Exatamente por isso, o princípio mais amplo exerce influência na interpretação e aplicação do princípio mais restrito”. ÁVILA, Humberto. Sistema

tempo, dão conformação ao sobreprincípio que se posta sobre eles.138 Ainda, consoante ilação de Rafael Maffini, forma-se uma espécie de reenvio de significação que se opera necessariamente em duas mãos, de forma virtuosamente circular, no sentido de que um determinado princípio (subprincípio) será necessário para, ao lado de outros, culminar na compreensão do fim mais amplo justificador do sobreprincípio.139 Do mesmo modo, o sobreprincípio terá um significado que proporcionará a possibilidade de melhor compre- ensão dos fins menos amplos peculiares a cada um dos subprincípios que lhes são cor- relatos. Possuem, pois, os sobreprincípios uma função de amalgamação dos vários subprincípios que lhe dão conformação.140

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