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Direitos a prestações em sentido amplo

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1.7 Categorias dos direitos fundamentais sob o ângulo funcional

1.7.2 Direitos fundamentais como direitos a prestações

1.7.2.1 Direitos a prestações em sentido amplo

Assinalara-se em incursões precedentes que o conceito de direito presta- cional deve ser entendido ou categorizado em sentido amplo e/ou em sentido estrito.

Robert Alexy sustenta que todo direito a uma ação positiva, isto é, a uma ação do Estado, é um direito prestacional.244 Desta maneira, o direito prestacional é a contrapartida exata do conceito de direito de defesa, ao abrigo do qual incide todo o di- reito a uma ação negativa, isto é, a uma omissão do Estado. Para Robert Alexy, a esca- la das ações positivas do Estado que podem ser objeto de um direito prestacional se estende desde a proteção do cidadão perante os outros cidadãos, por meio de normas de direito penal, passa pela criação de normas de organização e procedimento, e alcan- ça até prestações em dinheiro e em bens.245

Segundo Robert Alexy, “[...] em geral, com a expressão ‘direito prestacio-

nal’ vincula a concepção de um direito a algo que o titular do direito, caso dispusesse de meios financeiros suficientes e encontrasse no mercado uma oferta suficiente, poderia obter também de pessoas privadas”.246 Em seguida leciona que todos os direitos presta-

cionais, como direitos subjetivos, são relações triádicas entre um titular de direito fun- damental, o Estado e uma ação positiva do Estado.247 Se o titular de um direito funda- mental (a) tem um direito perante o Estado (e) a que realize a ação positiva (h), então, o Estado tem perante a (a) o dever de realizar (h).248 Ainda, de acordo com o ínclito autor, cada vez que existe uma relação de direito constitucional deste tipo, entre o titular de um direito fundamental e o Estado, o titular de direito fundamental tem a competência de exigir judicialmente o direito.249

Impende informar, sob a rubrica dos direitos a prestações em sentido am- plo, que se consideram todos os direitos fundamentais de natureza tipicamente (ou, no mínimo, predominantemente) prestacional que não se enquadram na categoria dos di- reitos de defesa.250

244 ALEXY, 2007, p. 391. 245 Idem, p. 391.

246 Idem, p. 391. O original da língua espanhola tem o seguinte teor: “[...] por lo general, com la expre- sión ‘derecho prestacional’ se vincula la concepción de un derecho a algo que el titular del derecho, em caso de que dispusiera de medios financieros suficientes y encontrase en el mercado una oferta suficiente, podría obtener también de personas privadas”.

247 Idem, p. 394. 248 Idem, p. 394. 249 Idem, p. 394.

250 Adota-se como parâmetro o conceito amplo de direitos fundamentais a prestações tal como formu- lado por Robert Alexy nos termos consignados acima. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, Robert Alexy

Para Ingo Wolfgang Sarlet, enquanto os direitos a prestações em sentido

estrito podem ser reconduzidos à atuação dos poderes públicos como expressão do

Estado Social (no sentido da criação, fornecimento, mas também da distribuição de prestações materiais já existentes), os direitos a prestações em sentido amplo (que in- cluem os direitos à proteção e os direitos à participação na organização e procedimento) podem ser reportados às funções do Estado de Direito de matriz liberal, dirigido princi- palmente à proteção da liberdade e igualdade na sua dimensão defensiva (status nega-

tivus ou status libertatis).251

a) Direitos à proteção

Ao ancorar-se nas formulações de Robert Alexy, os direitos à proteção podem ser conceituados como os direitos do titular de direito fundamental de exigir do Estado para que este o proteja de intervenções (ou ingerências) de terceiros.252

O reconhecimento de direitos à proteção pode ser reportado aos desen- volvimentos decorrentes da dimensão jurídico–objetiva, delineada em seguida, dos direi- tos fundamentais. Nesse contexto, aponta-se à ideia de que ao Estado, em razão do dever geral de efetivação dos direitos fundamentais, incumbe zelar – inclusive em cará- ter preventivo – pela proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, não só contra ingerências indevidas dos poderes públicos, mas também contra agressões oriundas de particulares a até mesmo de outros Estados, dever este que, por sua vez, converge na obrigação de adotar medidas positivas, com vistas em garantir e proteger de forma efe- tiva a fruição dos direitos fundamentais.253

parte do ponto de vista de que o direito à prestação pode ser concebido como a exata contrapartida do conceito do direito de defesa, na condição de direito a toda e qualquer atitude de abstenção do Estado, nos termos consignados acima. Nesse sentido, os direitos a prestações englobam toda e qualquer posição jurídica dirigida a um comportamento ativo (ação) do Estado. Robert Alexy justifica a amplitude de sua concepção com base em dois argumentos cardeais (principais). De acordo com o primeiro, é necessário ter em mente que a rubrica direitos a prestações compreende uma série complexa de posições jurídicas que podem ter como objeto tanto prestações fáticas, quanto normati- vas que, por sua vez, apresentam relevantes diferenças estruturais entre si, tornando necessário um enquadramento sistemático e suficientemente completo. Como segundo argumento, Robert Alexy aponta para a circunstância de que os direitos a prestações em geral apresentam problemas comuns que não se aplicam (ao menos não com a mesma intensidade) aos direitos de defesa, de modo es- pecial no que concerne ao fato de os direitos a prestações imporem ao Estado tarefas e fins a imple- mentar, com relação aos quais surge o problema (peculiar aos direitos prestacionais) da possibilidade de gerarem um direito subjetivo para o indivíduo. SARLET, 2007, p. 222.

251

SARLET, 2007, p. 222–223. 252 ALEXY, 2007, p. 398. 253 SARLET, op. cit., p. 223.

Quanto ao objeto dos direitos à proteção, é preciso destacar que estes não se circunscrevem à proteção da vida e da integridade física, alcançando tudo o que se encontra sob o âmbito de proteção dos direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana em geral, a liberdade, a propriedade, abrangendo também a proteção contra os riscos da utilização pacífica da energia atômica, de modo que são múltiplas as maneiras de realização desta proteção, que pode se efetuar, já mencionado supra, por meio de normas penais, de normas procedimentais, de atos administrativos e, ainda, mediante atuação concreta dos poderes públicos.254

b) Direitos à participação na organização e no procedimento

Consigna-se a dificuldade de identificar, conforme pontifica Robert Alexy, o objeto dos direitos à participação na organização e procedimento por engendrar relati- va imprecisão técnica no uso dos vocábulos organização e procedimento na doutrina e na jurisprudência alemãs, causada notadamente pelo amplo espectro de posições jurídi- cas que podem estar abrangidas sob esta rubrica, que variam, como demonstra o referi- do autor, desde direitos à tutela judiciária efetiva, que, para o autor, ninguém duvidaria em chamá-los de “direitos a procedimentos”, até aqueles direitos a medidas estatais na esfera organizatória, tais como a participação nos colegiados das universidades.255 Para Robert Alexy, a utilização conjugada das expressões “organização” e “procedimento” somente é possível se identificar alguma afinidade que justifique esta aglutinação. A afinidade que justifica esta aglutinação está na ideia de procedimento, considerando-se esta em sentido amplo, no sentido de sistema de regras e/ou princípios destinados à obtenção de resultados. Então, segundo Robert Alexy, o conceito amplo de procedimen- to compreende tudo aquilo que recai sob a fórmula “realização e garantia dos direitos

fundamentais por meio da organização e do procedimento”.256 O multicitado autor sus-

tenta que as normas de procedimento e de organização devem criar de tal maneira que, com suficiente probabilidade e em suficiente medida, o resultado seja de acordo com os direitos fundamentais.257 Ainda no que diz com o objeto dos direitos de participação na organização e procedimento, Robert Alexy lembra que estes tanto podem ser qualifica- dos como direitos à emissão de determinadas normas procedimentais, quanto direitos a

254 SARLET, 2007, p. 224. 255 ALEXY, 2007, p. 419. 256 Idem, p. 419.

uma determinada interpretação e aplicação concreta de normas procedimentais; salien- tando, em seguida, que o direito procedimental, sob a forma do direito à tutela jurídica efetiva, está dirigido aos tribunais de justiça, e que os direitos procedimentais ao terem como objeto a criação de normas procedimentais, estão dirigidos ao legislador.258

Ingo Wolfgang Sarlet ensina que há uma estreita ligação entre as noções de organização e procedimento e os direitos fundamentais ao admitir, nesse contexto, uma influência recíproca entre as três categorias, no sentido de que, se os direitos fun- damentais são, de certa forma, dependentes da organização e do procedimento, sobre estes exercem também uma influência que, dentre outros aspectos, se manifesta à me- dida que os direitos fundamentais podem ser considerados como parâmetro para a for- matação das estruturas organizatórias e dos procedimentos ao servir, para além disso, como diretrizes para a aplicação e interpretação das normas procedimentais.259

Ingo Wolfgang Sarlet ressalta o fato de que a fruição de diversos direitos fundamentais não se revela possível ou, no mínimo, perde em efetividade, sem que se- jam colocadas à disposição prestações estatais na esfera organizacional e procedimen- tal. Além disso, para o citado jurista, que importantes liberdades pessoais somente atin- gem um nível de efetiva realização no âmbito de uma cooperação (no sentido de atua- ção conjunta e ordenada) por outros titulares de direitos fundamentais, implicando pres- tações estatais de cunho organizativo e coordenativo, em regra de natureza normati- va.260 É com base nessas constatações, segundo o multicitado jurista, que se verifica a necessidade dos denominados direitos à participação na organização e no procedimen- to, na qualidade de posições jurídico–prestacionais fundamentais.261

Felipe Derbli exibe como exemplos de prestações relacionadas com os di- reitos à participação na organização e no procedimento a atividade jurisdicional – art. 5º, XXXV, da CF/1988 – (excluídas, no entanto, as garantias fundamentais de natureza processual que, como já visto, são direitos de defesa) e, dentre os políticos, o direito dos partidos políticos a recursos do fundo partidário e do acesso gratuito à propaganda polí- tica nos meios de comunicação (art. 17, § 3º, da CF/1988),262 visto que se trata de pres- tações dirigidas tanto à manutenção da estrutura organizacional dos partidos (e até mesmo de sua própria existência como instituições de importância vital para a democra-

258 ALEXY, 2007, p. 420. 259 SARLET, 2007, p. 225. 260 Idem, p. 227–228. 261 Idem, p. 228. 262 DERBLI, 2007, p. 96.

cia), quanto à garantia de uma igualdade de oportunidades no que concerne à participa- ção no processo democrático.263

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