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Dimensões ou “gerações” de direitos fundamentais

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Há no estudo da teoria dos direitos fundamentais o debate em torno das dimensões de tais direitos, marcado pela autêntica mutação histórica experimentada por eles.177

Vale anotar a existência de críticas quanto ao uso de nomenclatura para designar os direitos fundamentais. Segundo Jairo Shäfer, a expressão gerações de di-

reitos fundamentais, em virtude de sua imprecisão, pode facilmente induzir em erro por

acreditar que os direitos fundamentais sofrem uma sucessão de acordo com o momento histórico, uma geração sendo substituída por outra.178 Por isso se torna uma compreen- são equivocada da temática, pois os direitos fundamentais estão em permanente pro- cesso de expansão, cumulação e fortalecimento.179 Em verdade, o fenômeno que se percebe é o da acumulação de direitos. Os direitos de segunda “geração”, ao invés de substituírem, agregam-se aos já existentes direitos fundamentais de primeira “geração”,

do poder estatal em face da liberdade individual”. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria

geral dos direitos fundamentais. São Paulo: RT, 2007, p. 54

175 CABRAL PINTO, 1994 apud SARLET, 2007, p. 71. 176 SARLET, 2007, p. 71–72.

177 Nesse sentido, tem-se a ilação de Jairo Schäfer. SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos fun-

damentais: do sistema geracional ao sistema unitário – uma proposta de compreensão. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2005. p. 38.

178 SCHÄFER, 2005, p. 39. No mesmo sentido é o entendimento de Carlos Weis ao ensinar que a concepção contemporânea dos direitos humanos conjuga a liberdade e a igualdade, do que decorre que esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisível. E res- salta que em decorrência disso “não há como entender que uma geração sucede a outra, pois há verdadeira interação e mesmo fusão dos direitos humanos já consagrados com os trazidos mais re- centemente”. WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 43. 179 GALINDO, 2003, p. 57.

e assim sucessivamente, sendo possível afirmar-se que os diversos modos de conceber os direitos não se excluem, mas se complementam e se fortalecem.180

Pela exposição doutrinária aventada, concorda-se que será possível al- cançar uma maior precisão terminológica utilizando a denominação “dimensões” em vez de “gerações” e, por tais motivos expostos retro, será a denominação adotada aqui.181

a) Direitos fundamentais da primeira dimensão

Os direitos fundamentais de primeira dimensão são aqueles surgidos com o Estado Liberal do século XVIII, de marcado cunho individualista, afirmando-se como direitos do indivíduo perante o Estado; singularmente considerados como direitos de defesa ao demarcar uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autono- mia individual ante o poder estatal.182 São os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade formal, isto é, a igualdade perante a lei. Em seguida são complementados por um leque de liberdades, como lembra Ingo Wolfgang Sarlet, que incluía as liberda- des de expressão coletiva (liberdades de expressão, imprensa, manifestação do pen- samento, reunião, associação etc.) e pelos direitos de participação política, como o direi- to de votar e ser votado e algumas garantias processuais (devido processo legal,

habeas corpus, direito de petição),183 enfim, como consigna Paulo Bonavides, cuida-se

dos assim chamados direitos civis e políticos que, em sua maioria, correspondem à fase inaugural do constitucionalismo ocidental.184

b) Direitos fundamentais da segunda dimensão

A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, de propiciar um direito de participar do bem-estar social.

180 SCHÄFER, 2005, p. 39. No mesmo sentido: SARLET, 2007, p. 54; CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 565. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 410.

181 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins recomendam utilizar os termos “categorias” ou “espécies” de direitos fundamentais, da mesma forma como se classifica leis e atos jurídicos em espécies de leis ou categorias de atos jurídicos e não em dimensões do ato jurídico ou da lei. Para eles, deve-se reservar o termo “dimensão” para indicar dois aspectos ou funções dos mesmos direitos fundamentais, ou seja, o objetivo e o subjetivo. DIMOULIS; MARTINS, 2007, p. 36.

182 SARLET, 2007, p. 56. 183 Idem, p. 56.

O que caracteriza estes direitos é a sua dimensão positiva, dado que obje- tivam não mais obstar as ingerências do estado no âmbito das liberdades individuais, mas exigir do Estado a sua intervenção para atender as crescentes necessidades do indivíduo. São direitos de crédito porque, por meio deles, o ser humano, conforme Dirley da Cunha Júnior, passa a ser credor das prestações sociais estatais, assumindo o Esta- do, nessa relação, a posição de devedor.185 Os direitos fundamentais da segunda di- mensão não estão destinados a garantir a liberdade perante o Estado e a proteção con- tra o Estado, mas são pretensões do indivíduo ou do grupo em face do Estado.186

Para Ingo Wolfgang Sarlet, estes direitos fundamentais, que embrionária e isoladamente haviam sido contemplados nas Constituições Francesas de 1793 e 1848, na Constituição do Brasil de 1824 e na Constituição da Alemanha de 1849 (que não chegou a entrar efetivamente em vigor) revelaram uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas ao utilizar-se a formulação preferida na doutrina francesa. Segundo o jurista, foi no século XX, notadamente nas constituições do segundo pós-guerra, que estes direitos foram consagrados em número expressivo de constituições, além de serem objeto de diversos pactos internacionais.187

Conforme lição de Paulo Bonavides, os direitos da segunda dimensão compreendem os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social, após germinarem por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Ainda, de acordo com o expoente jurista, os direitos da segunda dimensão “[...] nasce-

ram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula”.188

Ainda, segundo preleção de Paulo Bonavides, os direitos da segunda di- mensão passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia du- vidosa, em razão de sua própria natureza de direitos ao exigir do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exiguidade, carência ou limitação es- sencial de meios e recursos. De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remeti- dos à chamada esfera programática, visto que não continham para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de prote- ção aos direitos de liberdade. Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e exe-

185 CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 572. 186 Idem, p. 572.

187 SARLET, 2007, p. 57. 188 BONAVIDES, 2004, p. 564.

cução, cujo fim parece estar perto, para Paulo Bonavides, “desde que recentes Constitu-

ições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais”.189

Registre-se que os direitos fundamentais da segunda dimensão tendem a tornar-se tão justiciáveis quanto os da primeira; ao menos esta é a regra que já não po- derá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumenta- ção arrimada na feição programática da norma.190

Do exposto, percebe-se que a passagem para o modelo do Estado Social se impôs, uma vez que os direitos subjetivos podem ser lesados, não somente por meio de intervenções ilegais do Estado, mas também pelas omissões do poder público.191

c) Direitos fundamentais da terceira dimensão

Os direitos fundamentais da terceira dimensão, também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando- se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação) ao caracterizarem-se como direitos de titularidade coletiva ou difusa.192 Compreendem o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, o direito do consumidor, o direito à segurança, o direito à paz, o direito à solidariedade universal, ao reconhecimento mútuo de direitos entre vá- rios países, à comunicação, à autodeterminação dos povos e ao desenvolvimento. Tais direitos, em razão da sua implicação universal, exigem esforços e responsabilidades em escala, até mesmo mundial, para sua efetivação. Não têm como finalidade a liberdade ou a igualdade, mas a preservação da própria existência do grupo.

Alguns desses direitos fundamentais da terceira dimensão já lograram ob- ter reconhecimento constitucional, como o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado (CF/1988, art. 225), o direito do consumidor (CF/1988, art. 5º, XXXII e art. 170, V), o direito à paz mundial (CF/1988, art. 4º, VI e VII), o direito à autodeterminação dos povos (CF/1988, art. Art. 4º, III) e o direito ao desenvolvimento (CF/1988, art. 3º, II).193 189 BONAVIDES, 2004, p. 564. 190 Idem, p. 565. 191 CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 575. 192 SARLET, 2007, p. 58.

d) Direitos fundamentais da quarta dimensão

Atualmente, há forte tendência doutrinária em reconhecer a existência de uma quarta dimensão de direitos fundamentais, em que pese ainda não ter merecido consagração no âmbito do direito internacional e das ordens constitucionais internas.

Segundo Paulo Bonavides, essa dimensão é o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização desses direitos no plano institucional, que corresponde à última fase da institucionalização do Estado Social. Compreendem, de acordo com a lição do jurista, os direitos à democracia direta, ao plu- ralismo e à informação, que constituem a base de legitimação de uma possível globali- zação política e deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.194

O direito à democracia direta e globalizada é o mais importante dos direi- tos fundamentais de quarta dimensão, no qual o Homem é a constante axiológica, para o qual convergem todos os interesses do sistema. Nessa democracia globalizada, se- gundo Paulo Bonavides, o controle de constitucionalidade de todos os direitos de todas as quatro dimensões será obra do cidadão legitimado perante uma instância constitu- cional suprema.195

Além dos direitos enumerados, é de se reconhecer também, como direitos de quarta dimensão, o direito ao desarmamento nuclear, como forma de preservação da própria espécie humana, o direito contra a manipulação genética (como a replicação da espécie), o direito à mudança de sexo e, em geral, os relacionados à biotecnologia.196

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