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A redescoberta dos psicoativos e a perseguição a sua utilização

psicoativas, pois foi neste ano que se deu a “invenção” do LSD por parte de Albert Hofmann. Alguns anos depois, em 1955, Robert Gordon Wasson descobre que o culto aos cogumelos sagrados sobrevivia no México como sacramento utilizado em rituais de cura por indígenas. Iniciou-se a partir daí um estudo sistemático de como estas substâncias psicoativas encontradas na natureza ou produzidas de forma sintética se comportam no corpo e na mente dos seres humanos.

Logo uma coisa ficou clara e se percebeu comum a todos os psicoativos botanicamente mais importantes, é o fato de que sua estrutura está relacionada com componentes biologicamente ativos no cérebro. Por exemplo, a psilocibina é um derivado da indol-triptamina que, por sua vez, tem semelhança direta com a serotonina; o mesmo se dando com a mescalina que se relaciona com a noradrenalina (FURST, 1980).

Assim, tem-se componentes quimicamente ativos no cérebro e que são também parentes próximos de substâncias que promovem o crescimento das plantas, que são na maior parte psicoativas (FURST, 1980; SCHULTES, 2000). Desde então, estas descobertas tem intrigado a comunidade científica que estuda o desenvolvimento dos mecanismos neurais, o funcionamento da memória, a função de componentes químicos que são encontrados em plantas e que são endógenos em seres humanos; mas também proporcionam reflexões nas áreas da farmacologia e da etnobotânica, já que são parte do notável quebra-cabeça de implicações evolucionistas que relaciona a humanidade e o uso de plantas psicoativas.

Um outro dado se mostrou intrigante e que foi apresentado pelo antropólogo Weston La Barre (1970) em um artigo intitulado “Old and new world hallucinogens: a statistical query and a ethnological reply”. O artigo

propunha uma resposta em termos históricos culturais para a apresentação de dados estatísticos, mas também a seguinte pergunta levantada por Richard Shultes: - Por que se conhece um maior número de plantas psicoativas no novo mundo do que no velho mundo? Chamava a atenção de Schultes o relevante número de plantas psicoativas usadas nas américas que eram, naquele momento, compreendidas entre 80 a 100 espécies, enquanto no intitulado velho mundo não chegava a 10 o número de plantas conhecidas por sua psicoatividade. Schultes ponderou em uma sequência de artigos (1960, 1961, 1963) que a massa terrestre do velho mundo é maior do que a do novo mundo, a flora é tão variada quanto no novo mundo; além disso, a humanidade tem habitado o velho mundo a mais tempo que no novo mundo. Ou seja, pela lógica o conhecimento de plantas psicoativas no velho mundo deveria ser maior do que no chamado novo mundo. Estes dados levaram o etnobotânico a concluir que a resposta não poderia ser de ordem botânica, mas sim de fato cultural.

La Barre compreendia, da mesma forma que Schultes, que a resposta à questão estava ligada a questões culturais e não botânicas. Concordou também com Schultes no tocante a uma motivação cultural por parte dos nativos do novo mundo de investigar e consumir psicoativos. La Barre acreditava que o interesse por plantas psicoativas no novo mundo estava intrinsecamente conectado à sobrevivência do xamanismo de tipo paleomesolítico, que era a base religiosa dos índios americanos.

A teoria mais aceita é que este tipo de xamanismo chegou à América nas primeiras migrações vindas da passagem que se iniciou a 50 mil anos atrás e, que continuou existindo até cerca de 15 a 20 mil anos atrás, entre a Sibéria e o Alasca, quando os glaciares derreteram e aumentaram o nível do mar entre 60 e 90 metros, inundando esta passagem entre a América e a Ásia (FURST, 1980). Esta migração é amplamente comprovada por registros arqueológicos, além de estudos linguísticos e culturais que identificam uma forte semelhança entre os rituais religiosos praticados na Sibéria e na região dos grandes lagos, em especial, a permanência do xamanismo visionário usado por grupos de caçadores nas américas e também na Sibéria (LA BARRE, 1970).

A hipótese de La Barre é que o uso mágico e religioso das plantas psicoativas no velho mundo sofreram profundas transformações a partir do momento em que mudanças nas estruturas religiosas e socioeconômicas da Eurásia, produziram a erradicação do xamanismo extático e, consequentemente, o conhecimento das plantas psicoativas foi sendo gradualmente perdido durante este processo. Portanto, diferentemente do que aconteceu na Eurásia, o culto a plantas psicoativas, o conhecimento de fungos, assim como as bases centrais do xamanismo persistiram nas Américas no tempo e no espaço.

Uma outra questão neste processo de erradicação deste conhecimento está ligado ao forte fanatismo religioso que se instalou no

velho mundo com a introdução do Cristianismo e do Islamismo, que

transformaram as áreas conquistadas e perseguiram os praticantes de religiões de mistérios, assim como os que faziam uso de plantas psicoativas. O mesmo acontecendo no novo mundo em que as práticas religiosas nativas foram amplamente perseguidas pelos colonizadores europeus, em especial, os espanhóis. A maior parte destas práticas sobreviveu por meio do uso ritualístico do segredo, ou seja, o seu uso foi sendo feito e preservado entre os nativos que passavam o conhecimento de uso destas plantas para um grupo restrito de pessoas, geralmente membros de uma mesma família.

A prática de manter em segredo o uso ritual do ololiuhqui, o peiote e o

teonanácatl (respectivamente sementes, cactos e cogumelo) é uma

consequência da repressão do Tribunal do Santo Ofício ainda no México colonial às pessoas que usavam e adoravam estas plantas em rituais sagrados (ESTRADA, 1984). Os colonizadores foram acrescentando alguns adjetivos às plantas sagradas que passaram a ser denominadas plantas

alucinógenas, assim como aos rituais baseados em práticas ancestrais de

consumo destas plantas passaram a ser nomeados de demoníacos.

As transformações que receberam estas práticas por parte do colonizador fizeram com que os informantes dos cronistas não revelassem tudo o que sabiam a respeito das plantas sagradas que conheciam e utilizavam. Por outro lado, os cronistas também não se despojaram de seus preconceitos em relação ao uso destas plantas, resultando em uma

apreensão parcial do fenômeno religioso no uso destas plantas como veículo espiritual.

No novo mundo, mesmo as civilizações indígenas expansionistas como os Incas, Maias e Astecas, raramente faziam ou fizeram supressão das práticas religiosas ou praticaram a conversão forçada dos povos conquistados. Na maior parte das vezes, se fazia um acréscimo ou mesmo uma síntese dos mecanismos de religiosidade, já que entre estes povos se tinha uma forte valoração da liberdade individual no tocante a sua relação com forças invisíveis do universo (LA BARRE, 1970). Portanto, uma situação bem diferente do que aconteceu na Europa, onde os Estados tinham uma forte influência da burocracia religiosa e ditavam os mecanismos de controle da religiosidade do indivíduo comum.

Existem algumas evidências arqueológicas em relação ao primeiro psicoativo utilizado no chamado novo mundo, no caso a Sophora

Secundiflora, que é uma semente de cor vermelha que é produzida por um

arbusto na época de sua floração. Segundo Schultes (2000), a semente da

Sophora Secundiflora contém um alcaloide altamente tóxico chamado cistina.

Este alcaloide causa convulsões, náuseas e tem uma alta psicoatividade, no entanto, em doses elevadas pode provocar parada respiratória letal. Certamente, seus benefícios individuais e sociais devem ter se sobressaído às suas desvantagens.

Há evidências arqueológicas de seu uso medicinal e xamânico por parte das sociedades indígenas, em que seu uso aparece amplamente difundido a pelo menos onze mil anos atrás. São muitos os registros encontrados em vasos, mas também em pinturas rupestres feitas em pedras e cavernas que atestam o longo tempo de uso dessa semente entre os povos nativos habitantes do que hoje conhecemos como EUA e México (FURST, 1980).

O seu uso foi constante até ser substituído pelo cacto do peiote nas últimas décadas do século XIX e que veio a ser o sacramento principal da Igreja Nativa Americana. A primeira menção europeia a esta semente foi feita por Cabeza de Vaca (1999) em um livro publicado em 1539, intitulado “Naufrágios e comentários” e que, entre outras coisas, relata que as

sementes eram usadas como moeda de troca entre os nativos e entre estes e os colonizadores.

Uma outra substância que tem um destaque neste mundo dos psicoativos é o peiote. Seu uso é atestado por representações encontradas em tumbas arqueológicas, cujo uso remonta a pelo menos dois mil anos. Considerado sagrado e terapêutico pelos índios norte americanos, seu uso está garantido pelas leis dos EUA para uso ritualístico religioso dentro do contexto da Igreja Nativa Americana (CALABRESE, 2013). No entanto, fora do uso religioso seu uso é considerado ilegal e com status assemelhado ao da heroína, inclusive, seu porte pode gerar multa e prisão.

É um paradoxo que mesmo com todo o conhecimento adquirido por pesquisas acadêmicas não se avançou muito desde o período da colonização no tocante ao esclarecimento de funcionamento e benefícios destas substâncias, permanecendo as leis duras e restritivas ao seu uso.

Os trabalhos de campo feitos com grupos sociais que fazem uso de substâncias psicoativas, advertem que o olhar analítico tem que ir para além de seus efeitos bioquímicos, já que a grande riqueza de seu uso está conectado a como o grupo social e os indivíduos determinam a natureza e a intensidade do uso da substância psicoativa, assim como a interpretação e assimilação dada à experiência. Ou seja, a substância psicoativa faz parte de um contexto bem mais amplo, onde o espaço físico, as pessoas no entorno, o conhecimento adquirido e os propósitos na utilização da substância estão conectados à experiência como um todo (FURST, 1980; STRASSMAN, 2013; LEARY, 1999; MCKENNA, 2004).

O uso de psicoativos pelos nativos das américas trouxe um forte estranhamento para os europeus que aqui chegaram. O sentimento era um misto de fascinação e repugnância, mas logo reconheceram que seu uso estava intrinsecamente ligado às práticas religiosas locais. Enquanto para os nativos ingerir o produto feito de plantas psicoativas estava diretamente conectado ao sagrado; para os europeus os poderes sobrenaturais eram instrumento do demônio para evitar a vitória da cristandade.

Além do mais, o clero missionário percebeu que o uso de plantas mágicas dificultava a conversão dos nativos e passou a coibir seu uso. Desta maneira, as práticas religiosas nativas passaram à clandestinidade sob

ameaça e prática de castigos cruéis, flagelação pública e a temida fogueira. Os rituais religiosos sob uso de psicoativos passaram a ser praticados em segredo, o que tornou mais difícil o seu combate por parte do clero. Os nativos na fachada adotavam as crenças dos europeus, enquanto nos bastidores procuravam seus guias espirituais pela ingestão de plantas mágicas. Segundo os pesquisadores citados neste capítulo, esse processo do que ocorria entre a fachada e os bastidores resultou em um processo sincrético visto hoje em muitas regiões dos andes e da mesoamérica.

Uma coisa necessita ser ressaltada aqui, os padres missionários aceitavam o uso de psicoativos no que toca às práticas de cura e adivinhação. Porém, objetavam a ausência de Jesus Cristo no seu sistema simbólico e religioso. Desta forma, concluíam que os efeitos sobrenaturais advindos do consumo das plantas mágicas só poderiam ser explicadas pela influência do diabo. Este quadro fez com que os espanhóis se colocassem a missão de salvar os nativos desta condição e, assim, encerrar com práticas tidas como idolatria.

Neste momento, o uso da rica farmacopeia nativa passou a ser perseguida pelo colonizador e muito do conhecimento que se tinha do seu uso se perdeu. O que ficou registrado pelos cronistas foi o uso do peiote, da Ayahuasca, de fungos sagrados, das sementes da virgem, o uso de tabaco e da datura103. Só recentemente estão se descobrindo os efeitos químicos destas substâncias, cito como exemplo o ololiuhqui, uma semente tida como o fruto do divino pelas populações indígenas, recentemente teve seu princípio ativo identificado pelo químico Albert Hoffman, que notou a semelhança entre a estrutura e o efeito dessa semente e o LSD.

É interessante perceber que na América Latina tanto as sociedades indígenas materialmente mais simples, como também as sociedades mais avançadas como os Incas, utilizavam plantas psicoativas no seu complexo religioso. Além disso, estavam em um grau de conhecimento farmacológico que mesclavam espécies de plantas com o fim de aprofundar e prolongar seus efeitos. Uma consequência direta da conquista militar, econômica e espiritual é a considerável perda de informações a respeito do uso e da

aplicação destas substâncias psicoativas. Os poucos registros que se têm a este respeito, resumem-se a dois ou três compêndios104, feitos por missionários espanhóis. E o período de três séculos de silêncio a respeito destas plantas é uma tragédia irreparável.