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A História da utilização de psicoativos tem na figura de Timolthy Leary um capítulo à parte. Leary era psicólogo e professor da Universidade de Harvard, quando foi procurado por um colega dos tempos de faculdade chamado Frank Barron, que estava fazendo experiências terapêuticas com a psilocibina. Naquele momento, Leary se autodefinia como um professor careta, avesso a qualquer tipo de experiência com ferramentas psicoativas. Inclusive, censurou o colega, advertindo-o das consequências que aquele tipo de experiência poderia ter para sua carreira acadêmica.

Com o passar do tempo, Leary e o grupo de pesquisadores106 capitaneados por ele perceberam que o processo terapêutico convencional era lento e consideraram a possibilidade de buscar uma ferramenta que pudesse provocar estímulos sensoriais, o desenvolvimento da criatividade e mudanças no comportamento (LEARY, 1999). Timolthy relata que a primeira experiência que teve com cogumelos foi reveladora, aprendendo mais sobre a mente humana do que em 15 anos dedicados integralmente à psicologia. Decidiu então inserir o uso de psicoativos em seu método de trabalho na tentativa de acelerar mudanças de comportamento entre seus pacientes.

Nesse sentido, era necessário implementar modificações nos métodos médicos convencionais, considerando a natureza singular das substâncias

106 Além de Timolthy Leary, Richard Alpert, Frank Barron e Ralph Metzner compunham o grupo de pesquisadores.

psicoativas. A principal mudança em relação aos modelos médicos estava ligada à administração de “drogas” para pacientes e a observação externa. Ele e o seu grupo propuseram aprender a usar os psicoativos, queriam conhecer os seus efeitos, fazendo auto experiências para só depois conduzir outras pessoas em sessões. Segundo Leary, tudo era novidade para o grupo que estava focado em produzir um manual acadêmico ensinando a utilizar as novas ferramentas para “múltiplas realidades”.

As primeiras terapias conduzidas com psilocibina pelo grupo de Leary teve uma resposta positiva em 85% dos casos, enquanto métodos tradicionais da psicanálise ficavam girando em torno de 33%. Foi quando o grupo resolveu dar um salto mais audacioso e criou um programa de reabilitação voluntário para presos, tendo dois objetivos em mente: mudar o comportamento violento destes a partir do uso de psicoativos; e verificar a partir de índices objetivos e sólidos se a reabilitação dos presos teria ou não uma maior constância nesse novo método. Inicialmente, escolheram seis presos: um traficante, dois assaltantes, dois assassinos e um estelionatário. Os procedimentos foram explicados e no dia combinado o grupo de pesquisadores ingeriu a substância com eles em um quarto do hospital em um presídio de segurança máxima. Antes de conduzir a experiência fizeram uma bateria de testes psicológicos com a população carcerária, usando medições objetivas de alterações de personalidade ao invés de relatórios subjetivos, para verificar em uma fase posterior se havia ou não mudanças entre os voluntários com o novo método terapêutico.

No desenvolvimento do experimento, Leary e o grupo de pesquisadores perceberam que o cenário influenciava nos efeitos da substância. Antes desse experimento no hospital do presídio, todas as outras experiências tinham sido conduzidas em ambientes naturais e confortáveis, com audição de músicas que pudessem potencializar as sensações provocadas pela psilocibina. Essa nova adequação ao “cenário” em que estava sendo realizado o programa de reabilitação entre presos, trouxe uma reflexão a respeito do ambiente ser menos inspirador. Ainda assim, os resultados foram considerados positivos tanto pelo grupo de pesquisadores quanto dos voluntários.

Após a 3° sessão, os pesquisadores repetiram os testes de personalidade e explicaram os resultados para os detentos. Em síntese, os resultados apresentados indicavam diminuição nos níveis de depressão, ansiedade e nas tendências antissociais; e um aumento nos níveis de disposição, responsabilidade e cooperação. Uma das estratégias adotadas pelo grupo de Timolthy Leary era discutir os testes de personalidade com os voluntários para verificar a percepção deles mesmos sobre os resultados. O objetivo era que eles se tornassem psicólogos de si mesmo, escolhessem os próximos voluntários, aprendessem a administrar os testes psicológicos, ministrassem a palestra de orientação, ou seja, todos os passos necessários para que assumissem o controle do projeto.

Não demorou muito para que os voluntários passassem a receber o benefício de liberdade condicional, em uma taxa de dois a três detentos por mês. No segundo ano do projeto 90% dos voluntários estavam auferindo liberdade condicional por mudanças positivas no comportamento. Um outro dado relevante é que a taxa de reincidência teve uma diminuição de 70% para 10%. As hipóteses levantadas pelo grupo de pesquisadores de Harvard é que a experiência com psicoativos em ambiente controlado, alicerçado a terapia de grupo ampliava os horizontes. Esse fato aliado a empatia criada entre o grupo de voluntários auxiliava na escolha por uma nova vida.

Esse tipo de experiência inspirou outros intelectuais nos EUA. Por exemplo, Huston Smith que era o diretor do Departamento de Filosofia do MIT, passou a fazer seminários sobre a ligação do misticismo e os efeitos da psilocibina. Conduziu junto aos seus alunos sessões com psilocibina para adensarem no estudo acerca dos aspectos do misticismo. Mas foi Walter Pahnke, um médico interessado em estados místicos, que propôs fazer um estudo de doutorado juntando a ingestão de uma substância psicoativa (psilocibina), o cenário e todo o aparato que o cerca, com a intenção de verificar se essa conjunção de fatores potencializa a ocorrência de estados místicos (SMITH, 2003; LEARY, 1999, PAHNKE, 1966).

Pahnke propôs uma parceria com o grupo de Harvard para a pesquisa que seria realizada em um ambiente controlado, supervisionado por médicos, com testes de duplo-cego, avaliação por questionários e entrevistas para

selecionar os voluntários. Utilizaria dois grupos, um de controle e o outro com os voluntários que ingeririam a psilocibina. Os pesquisadores acompanhantes de cada grupo seria formado por 4 estudantes de teologia (dois iriam fazer o acompanhamento sob efeito da psilocibina e dois tomariam placebo) e 2 guias (um sob efeito da psilocibina e outro tomaria placebo). O cenário pensado foi uma capela no contexto de uma semana santa com todo o aparato religioso que envolve a data. Posteriormente, Pahnke convidou psicólogos, que não tinham conhecimento que um dos grupos tinha ingerido psilocibina, para avaliar os questionários e as entrevistas. Os resultados avaliados por esses psicólogos mostraram que o grupo que tinha ingerido a psilocibina no cenário proposto tinham tido experiências religiosas místicas, enquanto o grupo de controle não tinha tido.

Segundo Leary (1999), a revista Time publicou um artigo descrevendo o experimento, contendo depoimentos de teólogos renomados apoiando o projeto conduzido por Pahnke. Houve uma forte repercussão na comunidade acadêmica, já que havia evidências de que a psilocibina utilizada em um cenário seguro e sob métodos adequados poderia trazer bons resultados. No entanto, essa repercussão não se traduziu em apoio, mas sim em perseguições, desaprovações e corte de verbas às pesquisas conduzidas com psilocibina. A direção de Harvard solicitou que o grupo de Leary fosse mais discreto com os experimentos, reconhecia a importância dos resultados apresentados, mas havia muita repercussão nos meios de comunicação e setores do governo que passaram a pedir esclarecimentos acerca da condução dessas pesquisas.

A atmosfera piorou com a introdução do LSD como ferramenta de pesquisa, houve uma forte propaganda de seus efeitos por parte dos estudantes voluntários da pesquisa. Eles descreviam a ação do LSD como mais densa em termos filosóficos em comparação com a psilocibina. Os estudantes que não conseguiam ser atendidos como voluntários das pesquisas conduzidas por Leary, passaram a conseguir sua própria remessa de LSD adquirindo diretamente de laboratórios domésticos, conduzidos por estudantes de química. Naquele início dos anos sessenta do século passado, por volta de 1963, a produção do LSD não era proibida, porque a substância não era considerada “droga”, mas sim um medicamento. Eram os primeiros

passos dados no rumo do uso não controlado do LSD. Antes mesmo de ocorrer essa disseminação do LSD para fora dos muros acadêmicos, Timolthy Leary e Richard Alpert foram demitidos de Harvard, tendo sido a primeira demissão de professores dessa instituição em quase um século.

Timolthy Leary e Richard Alpert acreditavam que a administração de uma substância psicoativa deveria se dar em um ambiente seguro. Para esses pesquisadores o cenário era determinante para os efeitos serem positivos. Viajaram pelos EUA dando palestras a respeito das pesquisas desenvolvidas em Harvard com psilocibina e LSD, sempre defendendo o uso em ambiente adequado, sob a conduta de pessoas treinadas e com o propósito de auxiliar as pessoas.

Essa é a postura apresentada pelos pesquisadores citados aqui neste capítulo: Hofmann, McKenna, Strassman, Calaway, Smith, Harner, entre outros, destacam que as substâncias psicoativas podem ter um efeito positivo se usadas em ambiente adequado, conduzidos por pessoas experientes e com treinamento para potencializar os seus benefícios. Segundo Hofmann, o LSD não é inerentemente terapêutico, depende de um contexto apropriado e de um uso responsável. Ele considerava que as condições psicológicas do indivíduo somadas a um ambiente seguro eram a chave para uma experiência positiva e reveladora. Strassman partilha da mesma opinião em relação ao DMT. O capítulo que se segue discorre a respeito das pesquisas feitas com a Ayahuasca e com a Hoasca. Este chá vem sendo utilizado desde a sua origem como um canal de comunicação com o sagrado, foi e é utilizado ritualisticamente por povos tradicionais e pelas religiões ayahuasqueiras e hoasqueiras com o objetivo de evolução espiritual.

Iremos pautar nossa análise com base nessas três esferas que se relacionam: o indivíduo, o cenário onde acontece a experiência e a Hoasca. Diferentemente das pesquisas conduzidas por Leary com a psilocibina e o LSD e; por Strassman com a DMT, em que o cenário era conduzido em quartos de hospitais e/ou salas de aula com o aparato de música e ou discussões filosóficas. O cenário será o uso ritualístico religioso da Hoasca/Ayahuasca e as implicações da transmissão de ensinos religiosos sob os efeitos desse sacramento.

CAPÍTULO 3

O USO TRADICIONAL, NEO-AYAHUASQUEIRO E A FARMACOLOGIA HUMANA DA HOASCA