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“Uma planta pode não falar, mas contém um espírito que é consciente, que vê tudo, que é a sua alma, a sua essência, que a torna viva”

Pablo Amaringo

Iniciamos este capítulo refletindo o quão espantoso deve ter sido para os primeiros etnofarmacologistas e antropólogos treinados no sistema ocidental de conhecimento escutar de um nativo ameríndio que o conhecimento farmacológico, assim como todo o dispositivo cosmológico da origem de sua etnia provinha de ensinamentos obtidos por meio da ingestão de Ayahuasca. Jeremy Narby, em “A serpente cósmica”, livro que se tornou um clássico neste campo, nos relata o seu ceticismo ao se deparar com essa afirmação no seu trabalho de campo entre os Ashaninka. Ele mesmo justifica a sua posição de incredulidade a partir do que define como sua formação de antropólogo treinado pelos preceitos da razão ocidental.

Em um primeiro momento, não foi fácil para o autor compreender que todo o universo Ashaninka era perpassado pelo uso ritualístico da Ayahuasca, assim: a flora, a fauna, o solo, o território, os elementos naturais, são fonte primária do saber. Jeremy lembra da obra de Carlos Castaneda que foi desacreditada pelas ciências humanas, em especial a Antropologia, visto que foi acusado de escrever uma obra inverossímil e inventada. Ainda que não tenha sido explicitamente censurado por demonstrar vocação por seu objeto de estudo, um aviso fora formulado: “uma consideração demasiado subjectiva dos alucinogénios indígenas podia gerar problemas com a profissão” (NARBY, 1995, p.13).

Ele demonstra que seu interesse inicial era desenvolver um projeto que fosse útil ao povo Ashaninka, no sentido de auxiliar no processo de reconhecimento oficial de seus territórios. No entanto, realçar o conhecimento farmacoquímico deste povo em relação às plantas com o poder de

psicoatividade poderia ser contraproducente e gerar desconfianças por parte das instituições ocidentais. Outros autores como Ralph Metzner (2002) e Schultes (2000) perceberam que as etnias indígenas fazem uso destas plantas e preparados vegetais porque os percebem como seres dotados de consciência inteligente, somente perceptíveis pelos Estados Ampliados da Consciência, capazes de ensinar os mistérios da vida e religar o homem a um plano superior. Por este poder de funcionar como mestres espirituais e serem fontes de poder, de cura e conhecimento são conhecidas como plantas professoras. Acessar o saber desta fonte demanda longos anos de iniciação e treinamento para o preparo e manuseio deste chá (LUNA, 1986).

Voltando à obra de Narby, este explica ainda que houve um processo de desconfiança por parte dos nativos que o questionaram se na sua volta à França iria se tornar doutor. O autor fala deste momento como uma parte tensa no desenvolvimento da sua pesquisa, mostrando como muitos nativos consideram pesquisadores, cientistas e estudantes agentes de expropriação de seus conhecimentos, já que muitas vezes não dão o devido retorno àqueles que detém o conhecimento originário. Inclusive, esta situação o levou a prestar esclarecimentos a respeito de um classificador de plantas medicinais que tinha desenvolvido com a finalidade de mostrar no meio acadêmico o emprego racional destas plantas como uma farmácia para os Ashaninka.

Para continuar pesquisando, diz o autor: “Propus-me pois parar imediatamente a colheita de plantas medicinais e confinar o classificador litigioso à escola primária da comunidade” (NARBY, 1995, p. 15). Este compromisso do pesquisador foi recebido com alivio pela comunidade e ele seguiu pesquisando, ainda que este fato gerasse um prejuízo de estruturação do seu argumento da tese em relação à natureza racional da utilização dos recursos naturais por parte dos Ashaninka.

Assim, Narby procurando compreender a ciência que está por trás da botânica Ashaninka segue se aprofundando na pesquisa a respeito das hortas indígenas, mas como não avança a contento nessa busca, resolve questionar um interlocutor: “De onde vem todo este conhecimento?”, ao que houve de resposta: “Sabe, irmão Jeremy, para compreender verdadeiramente o que lhe interessa, tem de beber Ayahuasca” (Id. Ibidem, p. 15). E o nativo

prossegue falando que a Ayahuasca é a televisão da floresta onde podem ser vistas imagens e aprender coisas.

O nativo se chamava Ruperto e o convidou a beber Ayahuasca sob sua tutela, a experiência de Narby com a Ayahuasca é profunda e o conduz à compreensão que não passa de um ser humano, sente a arrogância de seus pressupostos e percebe que desconhecia toda uma realidade que é mostrada a si por meios das imagens e diálogos que tem com seres sob efeito do chá. Percebe assim que a maneira como foi construído seu ordenamento de pensamento, o jogo de causas e consequências do saber racionalizado produzido no ocidente era insuficiente para compreender a lógica cultural dos Ashaninka.

A experiência de EAC através do uso da Ayahuasca o levou nos meses posteriores a uma digressão acerca da história do pensamento antropológico e ele concluí que (Id. Ibidem, p. 24):

A antropologia começou assim a tomar consciência de que o seu próprio olhar é uma ferramenta de domínio e que ela não apenas nascera no colonialismo, como continuava a servir a causa colonial através da sua prática. Aquilo a que se chamou “a linguagem neutra e supra-cultural do observador” era na realidade um discurso colonial e uma forma de domínio.

Em consequência desta tradição colonialista as práticas espirituais e de cura tal como o xamanismo eram entendidos como fruto de problemas ligados à saúde mental de seus praticantes, assim os xamãs eram tidos como: neuróticos, esquizofrênicos, epiléticos, psicóticos ou histéricos.

Em seguida, Lévi-Strauss trouxe um sentido novo e diferenciado para o fenômeno do xamanismo quando percebe que o xamã é um criador de ordem, que age como um terapeuta em sua comunidade. A partir dos anos 70, surge uma nova interpretação em que coloca o xamã como um especialista de toda ordem de conflitos. Já nos anos 80, alguns iconoclastas colocaram os xamãs como criadores de desordem. Esta polifonia de interpretação fez com que Jeremy se perguntasse “Então, quem são estes xamãs? Esquizofrênicos, ou criadores de ordem? Paus-para-toda-a-obra ou criadores de desordem?” (Id. Ibidem, p. 25). O autor conclui que a realidade que se encontra por trás de qualquer que seja a abordagem a respeito do

fenômeno do xamanismo está diretamente ligada ao olhar do pesquisador que a formula.

Além disso, constrói uma reflexão que considera fundamental para entender este fenômeno e outros que não é desenvolvida pela ciência ocidental. Ou seja, a questão não se encontra a nível da palavra, mas sim no olhar daqueles que a utilizam: “a análise acadêmica do xamanismo será sempre o estudo racional do irracional, isto é, um contra-senso ou um beco sem saída” (Id. Ibidem, p.26). Para exemplificar, utiliza o exemplo de Mircea Eliade que foi considerado “Místico” pelos seus colegas acadêmicos por procurar levar a sério o que os xamãs revelavam sobre suas práticas.

Eliade percebeu que existia uma constante entre estas práticas por todas as partes em que o fenômeno do xamanismo surgiu. Entre outras, o autor destacou a língua secreta que aprendem diretamente dos espíritos, o surgimento de uma corda, escada, liana que faz a comunicação entre o céu e a terra, além da crença de que estes espíritos vieram do céu e criaram a vida na terra. No entanto, este trabalho valioso de Eliade não foi bem recebido pelos antropólogos que o consideraram descontextualizado do sistema simbólico e das práticas locais.

Após essa digressão, Narby passa a analisar a forma a qual os Ashaninka interagem com as visões provocadas pela Ayahuasca, já que para eles os ensinos recebidos pelas chamadas plantas professoras são tão reais ou mais que a própria realidade comum que a maior parte das pessoas experimentam. Conversando com um dos seus interlocutores ouve a seguinte afirmação:

Pedia muitas vezes a Carlos que me explicasse a origem dos nomes de lugares. Ele respondia invariavelmente que fora a própria natureza que os comunicara aos ayahuasqueiros-tabaqueros nas suas alucinações: “É assim que a natureza fala, porque na natureza existe Deus e Deus fala-nos nas nossas visões. Quando um ayahuasquero bebe o seu vegetal, os espíritos apresentam-se perante ele e explicam-lhe tudo” (Id. Ibidem, p. 32).

Para os Ashaninka a Ayahuasca é um veículo para se comunicar com os espíritos invisíveis que estão escondidos na natureza. Para o pesquisador pode parecer que eles estão dialogando com personagens míticos, quando

na realidade dessa cultura se tratam de acontecimentos e personagens reais. No entanto, estas pessoas são dotadas de um profundo senso prático. Ele percebeu que as pessoas ensinavam umas às outras pelo exemplo, não se perdia tempo explicando coisas. Ou seja, há um grande senso prático nas atividades cotidianas em que os mais jovens são incentivados a acompanhar os pais e os mais experientes.

Esta forma de praticar o mundo influenciou Narby de tal modo que o fez declarar as seguintes palavras: “Sob a influência dos meus amigos Ashaninka eu viera a considerar a prática como a forma mais avançada da teoria. Já não tinha vontade de fazer pesquisa sobre o que quer que fosse, queria agir” (Id. Ibidem, p. 43). Passou então a fazer conferências pelo mundo afora, relatando a maneira racional e zelosa a qual os Ashaninka tem em sua relação com a natureza. Todavia, percebeu que em sua fala não estava a dizer tudo em relação a este povo, já que não relatava de onde provinha a fonte do saber Ashaninka.

Excluía de seu relato coisas a respeito da natureza racional das técnicas agrícolas, que este conhecimento e o desenvolvimento desta ciência provinha das visões provocadas pelo uso da Ayahuasca. A razão disto é que não pareceria crível ao olhar ocidental que a descoberta de avançadas substâncias com propriedades medicinais, poderia ser dado por meio da beberagem de um combinado de duas plantas, que tem a condição de fazer o elo entre o mundo dos homens e o mundo dos espíritos.

A interpretação mais comum dado pela ciência a estes acontecimentos estava (e ainda está dependendo da tradição epistêmica) ligado a um conjunto de experimentações dadas ao acaso, no qual estas culturas tropeçariam em moléculas já fabricadas pela natureza. No entanto, a literatura antropológica relata uma serie de depoimentos de xamãs que aprenderam suas técnicas medicinais por meio do contato com espíritos que se apresentaram após a beberagem do chá Ayahuasca.

Nisso se encontra o centro da questão para Jeremy Narby, a ideia de que as plantas comunicam o conhecimento aos Ashaninka contradiz os princípios fundamentais do conhecimento ocidental. Diz o autor (Id. Ibidem, p. 48):

Em primeiro lugar, as alucinações não podem ser consideradas como uma fonte de informação autêntica. Por definição, uma pessoa que alucina verdadeiramente considera que as suas visões são reais, quando elas são desprovidas de qualquer existência objectiva. E, por definição, alguém que confunde o imaginário com o real é um psicótico. Assim, no mundo ocidental, as alucinações são, na melhor das hipóteses, ilusões, e na pior, fenômenos mórbidos.

Em segundo lugar, as plantas não comunicam, pelo menos como os seres humanos. É certo que uma flor transmite informação a uma abelha ao emitir o seu perfume. Mas as teorias cientificas da comunicação consideram que só os seres humanos empregam símbolos abstractos, como palavras ou imagens... a ciência considera que o cérebro humano é a fonte das imagens alucinatórias e que as plantas psicoativas apenas desencadeiam estas imagens por intermédio das moléculas alucinogênicas que contém.

Aqui estão os dois grandes dilemas apresentados pelo autor: 1. A “alucinação” como fonte de informação; 2. A comunicação vinda de uma planta. Nenhuma das duas são consideradas legitimas pela ciência ocidental. No primeiro caso, a interpretação que a ciência dá é que todo conhecimento que é produzido por meio do alucinógeno se trata de uma ilusão e não de uma realidade. Já no segundo caso, as imagens são produtos do inconsciente humano e o que a beberagem faz é ativar estes arquivos da psique.

O antropólogo resolve inverter a lógica de constituição do pensamento, ou seja, ao invés de dar como falsos os pressupostos Ashaninka, passa a encará-los como sendo corretos e verdadeiros. E se questiona: “E se de fato a natureza falar por meio de signos?” Esta inversão na lógica agradou Jeremy, que resolveu fazer uma imersão na literatura antropológica a respeito do fenômeno do xamanismo observando a forma pela qual esse conteúdo era exprimido. Assim, ele passa a analisar o fenômeno por outra ótica (Id. Ibidem, pg.52):

Era como se, em certos casos, fosse preciso crer para ver e não o contrário… disse a mim mesmo que seria útil não só estabelecer os seus limites preciso do ponto de vista racional, mas também suspender minha incredulidade e observar com igual seriedade o

contorno das noções dos ayahuasqueiros.

O que Jeremy procurou fazer foi tomar consciência do olhar que estava direcionando para os Ashaninka. Compreendeu que o foco dado pelas pesquisas acadêmicas em relação ao fenômeno da beberagem do chá era inadequado para apreender este conhecimento em sua profundidade.

Conforme visto no capítulo anterior, foi durante os anos 50 que os pesquisadores descobriram que a composição química da maioria dos psicoativos tinha forte semelhança com a serotonina, que é um dos principais hormônios do cérebro humano, utilizada como mensageiro químico entre as células cerebrais. A partir desta constatação, os pesquisadores deduziram que essas substâncias psicoativas agiam sobre a consciência ajustando-se aos mesmos receptores cerebrais da serotonina. Mas foi somente no ano de 1979 que se descobriu que a dimetiltriptamina era produzida naturalmente no cérebro humano. Neste momento, Jeremy se pergunta: “... esta informação provinha do interior do cérebro humano, como exigia o ponto de vista científico, ou do mundo exterior das plantas, como afirmavam os xamãs?” (Id. Ibidem, p. 56). Ou seja, por um lado estava a constatação cientifica que os perfis moleculares dos psicoativos naturais e da serotonina pareciam indicar claramente que estas substâncias agiam como chaves que abrem uma mesma fechadura no interior do cérebro. Porém, o autor não podia simplesmente concordar que todo o conteúdo das visões provinha de descargas de imagens armazenadas no inconsciente.

Embora, por outro lado, estava cada vez mais inclinado a considerar o ponto de vista indígena como sendo potencialmente verdadeiro, já que as visões provocadas pela beberagem não correspondiam a nada que o autor pudesse ter sonhado. Era necessário entender a importância do preparado da Ayahuasca para a cosmologia indígena. Além disso, a velocidade e a coerência apresentadas pelas visões fizeram questionar a fonte de onde brotavam intensas informações. Isto fez com que Jeremy colocasse a questão de outra maneira, não se tratava mais de colocar as duas interpretações em oposição e sim de colocá-las para agir em conjunto, conciliando dois pontos de vista que em aparência pareciam distintos.

O que Jeremy argumenta é que existe um bloqueio epistemológico por parte do saber ocidental que não permite que se evolua para um verdadeiro diálogo entre o conhecimento produzido no Ocidente e o conhecimento produzido por parte das sociedades indígenas. Uma das respostas está na fragmentação do saber ocidental que desconectou as tradições mitológicas, xamânicas e espirituais do conhecimento produzido pela ciência. Jeremy então comenta: “Esse olhar, que se obrigava a tudo separar, mesmo aquilo que é realmente complementar, é o do especialista com os seus inevitáveis antolhos que vê, decerto com detalhe, um campo de visão necessariamente restrito” (Id. Ibidem, p. 75). A perspectiva de matematização do conhecimento advinda das duas grandes reformas universitárias europeias (Napoleão e Humboldt) excluiu inúmeros saberes e a produção de conhecimento que não se encaixavam neste universo. Goethe (2004; 1982) percebeu a nocividade desta mudança e se insurgiu contra ela falando da epistemologia de um corpo vivo versus a epistemologia de um corpo morto, contra a mensuração pelo microcóspio. Neste modelo, os saberes tradicionais e a espiritualidade ficaram de fora deste quadro Humbolditiano, afetando a constituição das ciências humanas (HUMBOLDT, 1997).

Narby afirma ainda que pelos pressupostos atuais do conhecimento Ocidental é impossível checar as afirmações narradas pelos seus interlocutores no que toca as experiências de EAC, pois além de fragmentada e ortodoxa, a ciência ainda não possui meios técnicos de verificar as questões colocadas pelas experiências visionárias da Ayahuasca, muito menos negá-las. Diz ainda Jeremy: “A abordagem racional parte da ideia de que tudo é explicável e que o mistério constitui em certo sentido o inimigo. Assim, ela prefere fornecer explicações pejorativas, mesmo falsas, a confessar a sua incompreensão” (Id. Ibidem, p. 123). Por esta colocação ele tem o bom senso de perceber que suas investigações estão previamente condenadas pela racionalidade ocidental.

Desta forma, é importante construir novos modelos epistêmicos de análise para fazer frente a uma tradição construída no Ocidente, já que este processo exige novas demandas e incorporação de saberes diferentes do conhecimento canônico que tenham por finalidade a real compreensão e valorização da lógica de funcionamento do conhecimento indígena. Isto vem

auxiliar no reconhecimento do seu saber e também na preservação das plantas que são a fonte deste conhecimento. Além do mais, Jeremy chama a atenção para a longa tradição de uso destas plantas que remonta a pelo menos cinco mil anos e lembra que as universidades são bem mais recentes, já que possuem cerca de novecentos anos. O antropólogo afirma (Id. Ibidem, p. 136):

A meu ver, assuntos como o ADN (DNA) e o saber dos povos indígenas são importantes demais para serem confiados exclusivamente ao olhar focalizado dos universitários especializados em biologia ou em antropologia: eles dizem respeito aos próprios indígenas, mas também às parteiras, aos agricultores, aos músicos, e a todas as outras pessoas.

Da mesma forma, estudos como o que ora se apresenta neste texto não tem a pretensão de ficarem confinados ao meio acadêmico, mas sim retornar aos sócios da UDV como um espelho que possa refletir em parte o que eles são, pois se trata de um recorte da realidade. Da mesma forma, este conhecimento precisa ser partilhado com quem é de fora para que se possa ter um retorno de autoreflexão. Neste sentido, a reflexão tida por Jeremy Narby nos enriquece e nos dá a confiança de que é possível e necessário apresentar o ponto de vista espiritual e de estilo de vida dos sócios da UDV para os outros.

Isto é muito importante, ainda mais em uma época em que pouco se pode falar da espiritualidade sem ser acusado de proselitismo. A conclusão do trabalho de Narby é inspiradora para quem quer navegar por este caminho que conjuga razão e fé, diz ele nas derradeiras palavras do seu texto: “No final de contas, a sabedoria exige não só a investigação de inúmeras coisas, mas também a contemplação do mistério” (Id. Ibidem, p. 141). A inclusão epistêmica é inteiramente necessária para combater o modelo eurocêntrico, visto que no modelo universitário de Humbolt, alicerce dos saberes canônicos ocidentais, as ciências são privilegiadas e a espiritualidade fica de fora, fazendo com que haja um grande passivo epistêmico excluído da universidade.

O que configura essa paisagem? A inversão de um credo. A ciência se transforma em dogma e, desta maneira, não pode haver mundo religioso e

espiritualidade na universidade. Diante desta realidade se faz necessário colocar em prática a tarefa de descolonização das paisagens mentais canonizadas, tanto no que toca às teorias quanto à eleição de temáticas, passam a ser reavaliadas por aqueles que produzem o conhecimento (CARVALHO, 2001). Esta questão está muito presente também entre os cientistas que pesquisam a Ayahuasca do ponto de vista farmacológico, já que eles perceberam as limitações da ciência, como pode ser inferido desta frase de Callaway (2005, p. 75):

É pouco provável, porém, que a justiça ou a ciência irá aceitar integralmente, ou mesmo entender, os aspectos espirituais da Hoasca, uma vez que estes aspectos estão, atualmente, além dos limites da compreensão destas referidas instituições.

Denis Mckenna também comentou a respeito destes limites da ciência acadêmica quando colocou a seguinte questão: “Por que existiriam plantas contendo alcalóides, análogos aos nossos neurotransmissores, que se tornam capazes de “falar” conosco? E que tipo de “mensagem” estão tentando nos transmitir, se é que há de fato alguma?” (MCKENNA, 2002, p. 190). O pesquisador está se referindo aos efeitos do chá no indivíduo que o levam a um EAC e que, atualmente, não é possível serem explicados pela ciência tal como a praticada hoje, algumas destas experiências não se enquadram nos modelos científicos conhecidos seja na psiquiatria, na farmacologia, na sociologia, na antropologia etc. Existe um claro limite para o