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2.4 A aprendizagem do consultor no contexto da consultoria organizacional

2.4.1 O processo de aprendizagem de adultos

2.4.1.2 A reflexão como uma etapa do processo de aprendizagem de adultos

“É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.” (Paulo Freire)

Tendo Donald Schön como um dos principais contribuintes para o entendimento da prática reflexiva, Jarvis vê que a teoria sobre a reflexão está diretamente relacionada com a aprendizagem pela experiência. Para ele (JARVIS, 1987, p.1) “Schön não apenas considera a reflexão como um elemento do aprendizado que segue a experiência potencial de aprendizado, ele também considera a prática como reflexiva”

De acordo com Merriam e Caffarella (1999) a reflexão é largamente considerada como um elemento essencial no processo de aprendizagem de adultos. A prática reflexiva permite o

abandono do pensamento linear e simplista, possibilitando o indivíduo fazer julgamentos em situações complexas e obscuras, baseados na experiência e no conhecimento prévio.

Para Schön (1983) todas as pessoas pensam freqüentemente sobre o que estão fazendo. Refletimos na ação (reflection-in-action) e sobre a ação (reflection-on-action). Quando nós pensamos sobre o que estamos fazendo, pensando em fazer algo e, ao fazê-lo, ou seja, ao aprender fazendo, está havendo uma reflexão na ação. Nesta ótica, há uma maximização do aprendizado durante a própria prática,

Este aprendizado é típico das pessoas acostumadas com improvisação. Schön (1983) exemplifica com os músicos que compõem coletivamente, pensando no que estão fazendo e se aperfeiçoando. “Com a reflexão, pode-se nivelar e criticar as compreensões tácitas que estão em torno das experiências repetitivas de uma prática especializada e pode-se fazer um novo sentido das situações” (SCHÖN, 1983, p. 58).

Ao conhecer-na-ação geralmente permite que as pessoas dêem conta de suas tarefas, já que há situações familiares, nas quais o profissional pode resolver o problema pela aplicação rotineira de fatos, regras e procedimentos derivados da bagagem de conhecimento profissional. No entanto, há situações incomuns nas quais o problema não fica inicialmente claro e não há uma equivalência óbvia entre as características das situações e o conjunto de teorias e técnicas. As respostas de rotina produzem uma surpresa – um resultado inesperado, agradável ou desagradável, que não se encaixa nas categorias do conhecer-na-ação da pessoa. Com isso, pode-se tentar preservar a constância dos padrões normais de conhecer-na-ação, respondendo à ação de forma a ignorar seletivamente os sinais que a produzem ou pode-se responder a ela através da reflexão (SCHÖN, 2000).

A reflexão na ação pode ser chamada de “tentativa e erro”, em que a reflexão sobre cada tentativa e seus resultados prepara o campo para a próxima reflexão, formando um padrão de investigação que pode ser descrito “como uma seqüência de ´momentos` em um processo de reflexão-na-ação”. O que distingue a reflexão-na-ação de outras formas de reflexão é sua imediata significação para a ação (SCHÖN, 2000, p. 34).

Para Schön (2000) o processo de reflexão na ação tem a seguinte seqüência de momentos:

- Há uma situação de ação para a qual se traz respostas espontâneas e de rotina, que revelam um processo de conhecer-na-ação, um processo espontâneo, sem deliberação consciente e que funciona, alcançando os resultados pretendidos, enquanto a situação estiver dentro dos limites considerados normais;

- As respostas de rotina produzem uma surpresa – um resultado inesperado, agradável ou desagradável, que não se encaixa nas categorias do conhecer-na-ação de uma pessoa;

- A surpresa leva à reflexão durante a ação, que é, pelo menos em alguma medida, consciente, ainda que não seja expressa por meio de palavras;

- A reflexão-na-ação tem uma função crítica, questionando a estrutura de pressupostos do ato de conhecer-na-ação. Analisa-se criticamente sobre o pensamento que levou a essa situação difícil ou a essa oportunidade e pode-se, neste processo, reestruturar as estratégias de ação, as compreensões dos fenômenos ou as formas de conceber os problemas;

- A reflexão gera o experimento imediato de novas ações com o objetivo de explorar fenômenos recém-observados, testar compreensões experimentais acerca deles, ou afirmar as ações inventadas para mudar as coisas. Esses experimentos imediatos podem funcionar, proporcionando os resultados pretendidos, ou podem produzir surpresas que exijam uma maior reflexão e experimentação.

Por outro lado, os profissionais também podem refletir após a ação (SCHÖN, 1983). Podemos pensar em algo que já realizamos e de situações vividas refletindo sobre o ocorrido, aprendendo e se preparando para casos futuros. Com a reflexão após a ação, as pessoas pensam retrospectivamente sobre o que fizeram, conscientemente analisam e avaliam sua experiência, decidem o que pode ser feito diferente, e, então, tentam implantar (MERRIAN; CAFFARELLA, 1999; SCHÖN, 2000).

Além dos dois tipos de reflexão citados anteriormente Schön (1983) considera a existência da “reflexão sobre a reflexão-na-ação”. A reflexão-na-ação é um processo que pode ser desenvolvido sem que se precise dizer o que se está fazendo. E a reflexão sobre a reflexão- na-ação acontece quando se é capaz de refletir, de modo a produzir uma boa descrição verbal da reflexão-na-ação, possibilitando, ainda, influenciar indiretamente a ação futura.

O estoque de conhecimentos também é considerado como importante para Schön (1983). Para ele, este conhecimento cumulativo - “princípios e máximas da prática, imagens da missão e identidade, fatos sobre o ambiente da tarefa, técnicas da operação, histórias da experiência passada” (p. 238) – serve como exemplares para a ação futura.

Em alguns trabalhos com parceria com Schön, Argyris (1978; 1996) também considerou como relevante a reflexão. Desse modo eles desenvolveram a noção de aprendizagem de ciclo único (single loop learning) e de aprendizagem de ciclo duplo (double

loop learning). O modelo de ciclo único (single loop learning) é orientado para a manutenção

do conhecimento e caracterizado pelo fato do erro ser detectado e corrigido sem se mexer no modelo, tornando-se uma rotina. No aprendizado de ciclo duplo (double loop learning)

corrige-se o erro detectado e revisam-se os valores inerentes ao modelo, sendo este citado pelos autores como mais adequado para mudanças e inovações que requerem maior adaptabilidade e flexibilidade. Como os trabalhos de Argyris tiveram como foco central a prática da consultoria daremos maior destaque à sua contribuição sobre o processo de aprendizagem do consultor na seção 2.4.2.

A reflexão também é destacada por Mezirow (1991) ao considerar que o processo de aprendizagem é modelado e delimitado por nossas estruturas de significado, que podem ser transformadas através de reflexão, e tem duas dimensões distintas: os esquemas de significado, que são as crenças, sentimentos, atitudes e juízos de valor, e as perspectivas de significado, que são as predisposições orientadoras, os sistemas de regras que governam a percepção e a cognição, como as ideologias, os traços de personalidade e os estilos de aprendizagem. Os esquemas, na verdade, são manifestações das perspectivas de significado, sendo estas últimas, as lentes através das quais as pessoas filtram e interpretam o mundo.

Para o autor (1990), todo ser humano tem uma necessidade de compreender suas experiências, dando sentido aos acontecimentos de suas vidas, e é somente através desse processo de reflexão de premissas que existe a oportunidade para uma mudança das perspectivas de significado, ou seja, uma aprendizagem pela experiência mais significativa e transformadora.

A aprendizagem transformadora significativa, para ele, é menos comum de acontecer e envolve três fases: a reflexão crítica dos pressupostos da pessoa, o diálogo para validar esta reflexão, que envolve concordância e consenso para construir novos entendimentos e significados, e ação reflexiva e decisão para mudança, componentes estes, indispensáveis para que ocorra este tipo de aprendizagem.

Para Rigano e Edwards (1998) os trabalhos de John Dewey também enfatizaram a importância do pensamento reflexivo na aprendizagem pela experiência. Uma das principais premissas de Dewey, segundo estes autores, é que para o desenvolvimento da própria reflexão os membros das organizações necessitam que seus gerentes, colegas e mentores lhes dêem

feedbacks e orientação. Sob esta perspectiva, é destacada outra variável que favorece o

processo de reflexão, sendo esta o contexto social.