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Lopes e Nascimento (1998) lembram que os serviços de saúde possuem características próprias que os diferenciam de outros serviços e organizações, por atenderem necessidades complexas com dimensões biofísicas e psicosociais, com uma dimensão ética própria e um intrincado contexto de informações. No caso específico do Brasil o setor da saúde pública tem de ser compreendido, além disso, no contexto da Movimento da Reforma Sanitária que culminou na constituição do Sistema Único de Saúde – como possibilidade de atendimento das necessidades da população dentro dos moldes do Estado do Bem Estar Social. Para a compreensão da constituição do Sistema Único de Saúde faz-se necessária uma breve revisão da reforma do Estado brasileiro a partir dos anos 80 e o processo de descentralização administrativa que a caracterizou – essa descentralização veio a tornar-se um marco fundador da constituição dos serviços de saúde no país.

Em relação à descentralização já foram explicitadas diferentes concepções, que mostram perspectivas conflitantes. Por um lado argumenta-se que a provisão local de serviços públicos favorece a responsabilização do governo, porque o aproxima da população que ele serve. Por outro lado, as políticas descentralizadoras podem aumentar as desigualdades entre as regiões e fragmentar a prestação dos serviços.

Subirats (1989) afirma que a descentralização possibilita transformar a gestão em um processo que envolve diferentes níveis governamentais, órgãos administrativos e outros interesses afetados, constituindo o que chamou de “rede política” ou “comunidade política”, isto é, redes de atores institucionais políticos e sociais que fazem frente a uma tarefa ou a um programa de atuação específico. Essas redes expressam simultaneamente possibilidades de cooperação e conflito, podendo nesse contexto desenvolver formas originais de articulação entre o Estado e a sociedade civil. O mesmo autor afirma a existência de um nível horizontal - dado pelas relações locais - e um nível vertical - dado pelas relações intergovernamentais.

Marteleto (2001) utiliza o conceito de rede em sua dupla acepção: “dinâmica” e “estática”. A primeira noção remete à idéia de estrutura, como elemento de compreensão de articulação entre agentes. A segunda noção diz respeito a uma estratégia de ação no nível pessoal ou grupal para mobilização de recursos. Segundo Marteleto (2001) embora tenha havido grande investimento acadêmico nos estudos acerca de redes, não há ainda uma teoria consolidada das redes sociais, sendo este conceito empregado com vários significados. O conceito de rede social geralmente implica, no entanto, em uma valorização dos elos informais e das relações, em detrimento de estruturas hierárquicas.

A apreensão da estrutura social sob esse novo paradigma abre uma nova janela de estudos – a análise de redes sociais. Para Marteleto (2001) estudar a informação sob esse prisma significa considerar também a existência de relações de poder em formações não hierárquicas e espontâneas – como por exemplo as redes de movimentos sociais e sua interação com os vários níveis da gestão pública para formulação e implementação de políticas.

Mendes (1996) questiona a colocação tradicional do binômio público/privado, quando este é reduzido à duas dimensões antagônicas. Segundo ele essa polarização tende a desconsiderar a sociedade como agente no planejamento e na operacionalização dos serviços públicos, o que o leva a trabalhar com três categorias de análise: o estatal (o que pertence ao domínio do Estado), o privado (domínio de agentes não estatais, lucrativos ou não) e o público.

Esta recolocação do conceito do público tenta escapar do dilema entre privatização e estatização e privilegia um sistema plural exercido por um mix estatal/privado, sob a regulação do Estado, na perspectiva da cidadania, uma vez que o controle social é um dos seus princípios estruturantes.

Simultaneamente à discussão administrativa houve uma mudança na trajetória dos

movimentos sociais no país. Segundo Cardoso (1994) depois de uma fase de “emergência heróica” (dos anos 70 até o início da década de 80) a experiência dos movimentos sociais tendeu a uma institucionalização e a uma mudança no relacionamento com o Estado, dentro do novo contexto político iniciado pelas eleições estaduais de 1982 e reforçado com a promulgação da Constituição de 1988, de cunho descentralizador. Essa descentralização viabilizou a abertura de novos espaços de participação e a possibilidade de um novo padrão das políticas públicas.

No entanto o panorama herdado da década de 80 trouxe complicações para os gestores do setor público, em virtude da crise financeira do setor que impedia a resolução adequada

dos problemas - particularmente nas grandes cidades - nos setores de saúde, educação, habitação e saneamento. Nessa encruzilhada de fatores políticos, administrativos e técnicos pode ser compreendida a análise das políticas públicas, cuja implementação passou a incorporar princípios oriundos do setor privado como a eficiência, a flexibilidade e a participação de novos sujeitos sociais.

Estudos contemporâneos chamam a atenção para o fato de que a chamada “crise do Estado” no caso brasileiro já se encontra discutida por um grande e crescente número de estudos onde é abordada segundo um enfoque que privilegia a emergência de um novo contexto de gestão das políticas públicas, contemplando experiências de referência local ou municipal.

Silva (2001) aponta duas significações distintas do conceito de descentralização: uma, política – como instrumento de democratização do Estado; outra, econômica – como estratégia de redução do déficit público e estabilização da economia. A municipalização, para este mesmo autor, seria principalmente “descentralização territorial” ou “político- administrativa”.

No entanto Souto-Maior e Gondim (1992) chama a atenção para o fato de que embora a democracia - entendida como participação - e a eficácia sejam dois valores importantes no que concerne à administração e ao planejamento público, a tradução desses valores em ações concretas envolve inúmeras dificuldades conceituais e operacionais. O mesmo autor aponta uma carência de avaliações e propostas de planejamento e gestão participativa feitas de maneira rigorosa.

4.2 A Conformação do Sistema Único de Saúde e os sistemas de saúde no âmbito do SUS

As políticas de saúde no Brasil têm, historicamente, um forte vínculo com as políticas de Previdência Social, o que leva a uma certa dificuldade de restringir a análise global do setor ao Ministério da Saúde e às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Mas para a compreensão das políticas de saúde que estão sendo implementadas atualmente, como o Programa de Saúde da Família, é necessário reconstruir a trajetória que levou à construção do Sistema Único de Saúde, e sua afirmação (COHN; WESTPHAL; ELIAS, 2005).

O modelo de organização dos serviços de saúde tem raízes históricas desde a década de 20, com a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões e Institutos de Previdência. Em