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5.3 Etapas do Estudo

5.3.5 Terceira Etapa: Fase do Estudo em Três Municípios Específicos

Neste terceiro momento três experiências na esfera local foram identificadas para um estudo em profundidade. O trabalho buscou investigar os aspectos culturais que condicionam o comportamento informacional, pela relação existente entre a cultura global, nacional, regional, local e organizacional no setor saúde. Nesse setor, a área pública foi escolhida e as secretarias municipais foram a unidade de análise. Em cada secretaria a atenção primária à saúde mereceu um foco privilegiado, assim como a estratégia de saúde da família nela contida. Mas a saúde pública, como foi dito, não é passível de fácil classificação e segmentação, uma vez que fatores tão diversos quanto trânsito ou criminalidade têm impacto relevante nos indicadores.

Para esse estudo o critério de escolha dos municípios foi intencional; esta escolha encontra-se respaldada pela sua adequação à problemática estudada e aos objetivos da pesquisa. Assim, foram escolhidos três municípios consagrados pela literatura historiográfica e sociológica como ocupantes de uma posição central no desenvolvimento social, cultural e

econômico do Estado de Minas Gerais: Diamantina, Ouro Preto e São João del Rei.

Estes três municípios ocuparam papel preponderante no processo formativo tanto das elites e da burocracia do Estado, bem como dos aspectos culturais da população em geral, visto centralizarem – ao longo da história e em regiões distintas do Estado - o maior contingente populacional e a atividade econômica de maior importância, o que os levou à condição de pólos culturais relevantes.

Além disso, os três municípios se encontram em diferentes regiões do Estado, no vale do Jequitinhonha, na região central e na região denominada Campos das Vertentes, ao Sul do Estado, o que confere certa diversidade à sua evolução a partir do panorama histórico da mineração. Os três municípios desempenharam também diferentes papéis ao longo da história. Ouro Preto foi a capital do Estado até a construção de Belo Horizonte. A proximidade com a nova capital conferiu a este município características totalmente diferentes de, por exemplo, Diamantina, que após o auge da mineração encontrou-se isolada em uma das regiões mais pobres do Estado. Por sua vez São João Del Rey teve um desenvolvimento mais discreto, dentro dos padrões de evolução das cidades médias mineiras.

Os três municípios são patrimônios histórico nacional ou mundial e apresentam traços marcantes da cultura barroca de Minas. Têm características comuns, como o fato de terem tudo seu apogeu no auge do período da mineração, constituindo-se posteriormente em centros expressivos da elite mineira; são de certa forma “cidades universitárias”, sediando Universidades Federais e servindo de palco para os três “Festivais de Inverno” mais importantes do Estado – eventos culturais importantes dessas universidades. De certa forma estão nos dois extremos e no centro da antiga Estrada Real, que atravessava o Estado no século XVIII. As três situam-se em regiões que tem o relevo mais característico do Estado – as montanhas, estando em regiões mais altas, que lhes proporcionam um clima mais frio como característica. Além disso, concentram a paternidade dos grandes mitos fundadores da chamada “mineiridade” como Tiradentes (que nasceu em São João Del Rey e desempenhou papel central na Inconfidência Mineira, em Ouro Preto), Chica da Silva (Diamantina), e continua fornecendo contemporaneamente novos “mitos” de expressão nacional como Juscelino Kubitschek (Diamantina) e Tancredo Neves (São João Del Rey), para não citar as inúmeras personalidades artísticas, políticas e acadêmicas que se originaram nos referidos municípios, além de famílias como Caldeira Brant, Garcia Leal, etc. Na fase áurea da mineração suas histórias se mesclavam (Tiradentes nasceu em São João del Rei, mas a Inconfidência Mineira teve sede em Ouro Preto; o contratador de diamantes – Felisberto Caldeira Brant, também nasceu em São João Del Rei, mas teve sua história em Diamantina,

tendo antecedido diretamente o contratador João Fernandes que manteve o romance com Chica da Silva; e muitos outros exemplos). Como o estudo tem como um dos seus esteios os condicionantes culturais da mineiridade na construção da cultura organizacional, justifica-se assim a escolha dessas três cidades.

Embora não se caracterize como um “estudo de casos” esta etapa do presente trabalho guarda com esta abordagem certas similaridades. O estudo de caso remonta, segundo Becker (1993), à tradição da pesquisa médica e psicológica, referindo-se à análise detalhada de um caso individual que explica a dinâmica de uma patologia dada; trata-se de uma delimitação “física” do problema a ser abordado, onde se supõe que se pode adquirir conhecimento do fenômeno adequadamente a partir da exploração intensa de um único ou de alguns poucos casos. Isto tende a gerar uma grande variedade de problemas teóricos e descritivos, tornando necessária uma multiplicidade de técnicas.

Becker (1993) adverte para os perigos e limitações do estudo de caso: em primeiro lugar, a existência de “viés” causado pela interação do pesquisador com o objeto; em segundo lugar, o problema da confiabilidade. Esta é a objeção mais comum ao método do estudo de caso, visto que “um caso é, no fim das contas, apenas um caso” (BECKER, 1993, p. 129), o que impossibilitaria a generalização dos seus resultados. Segundo este autor, esse problema pode ser tratado através da coleta de vários casos e do “parcelamento” dos efeitos das várias influências. Afirma ainda que este não é verdadeiramente um problema se assumirmos uma visão de longo prazo do desenvolvimento da teoria. Conforme exposto acima a “triangulação” de métodos visa minimizar estes efeitos. Bourdieu (1998) afirma que é possível a intenção da generalização não como uma construção formal e “vazia”, mas para, através do método comparativo, buscar “homologias estruturais” entre Estados diferentes do mesmo campo. YIN (2000) adverte para o risco de considerar o caso como uma fotografia em miniatura da realidade; a concepção - presente na obra de Weber – que postula o método compreensivo como base epistemológica para as ciências sociais atribui à interpretação do significado nas ações sociais o ponto central da constituição dessas ciências. Neste estudo a Antropologia - e seus conceitos, foi acolhida como referencial interpretativo – devido ao seu poder compreensivo da inserção sócio-cultural dos envolvidos e da construção de significados tanto no campo da informação e comunicação, assim como no da saúde. (DESLANDES; GOMES, 2004).

Entre os fatores a serem considerados no trabalho incluem-se o grau de cobertura pelo Programa de Saúde da Família (que utiliza o Sistema de Informação de Atenção Básica) e a utilização de outros subsistemas de informação do SUS, bem como características como

população, localização, atividade econômica e os indicadores locais de saúde, que permitirão fazer suposições acerca da eficácia do uso dos recursos informacionais.

Esses municípios foram visitados para a identificação dos atores que constituem o conjunto de formuladores e implementadores das ações locais de saúde, mantendo-se, no entanto, o foco na gestão do setor efetuada pelo Estado, no nível municipal. Assim, as Secretarias Municipais de Saúde foram o locus privilegiado de análise.

A partir do estabelecimento desse foco da análise foram escolhidos os respondentes das entrevistas. Consoante aos objetivos da pesquisa – com ênfase na cultura e comportamento informacional dos responsáveis pela gestão pública da saúde no nível municipal - foram selecionados, em cada um dos três municípios, os seguintes respondentes (a sigla entre parênteses indica o nível da gestão – NE, nível estratégico NT, nível tático, NO, nível operacional):

O Secretário Municipal de Saúde (NE)

1. Um ex-secretário municipal de saúde (NE)

2. O coordenador do Programa de Saúde da Família (NT) 3. O responsável pela área de Epidemiologia (NT) 4. O responsável pela área de Recursos Humanos (NT)

5. O responsável pela área de Informação - ou informática, ou similar (NT) 6. Um membro do conselho Municipal de Saúde (NO)

7. Médicos da Secretaria Municipal (do PSF e de unidades de saúde – no mínimo dois) (NO)

8. Agentes comunitários de saúde do PSF e PACS (no mínimo três agentes) (NO) 10. Outros funcionários (NO)

As entrevistas priorizaram os funcionários da área administrativa das Secretarias, que são o objeto privilegiado de estudo. Médicos, conselheiros de saúde, agentes comunitários e outros foram entrevistados de maneira complementar para verificar o relacionamento com a Secretaria, a consistência dos discursos e desenhar uma rede de informação e cultura mais próxima da realidade. No entanto, privilegiar igualmente esses atores, além de fugir aos objetivos do trabalho, o tornariam excessivamente extenso. Futuros estudos podem elegê-los como objeto principal. O pesquisador se aproximou dos três municípios através de recomendações oriundas do seu trabalho na área de saúde, o que diminuiu o “estranhamento” no momento da pesquisa e possibilitou uma interface mais amigável para obtenção dos depoimentos.

O número total de entrevistas em cada município nesta fase foi, portanto, no mínimo, treze. O roteiro dessas entrevistas contemplou os seguintes aspectos: a cultura nos seus diversos níveis, as principais fontes de informação; a coleta, disponibilidade, tratamento e uso das informações; as estratégias dos atores e sua articulação com os demais; o relacionamento com outros atores (outros níveis do governo, outras organizações do setor, como os conselhos de Saúde e outras organizações fora dessa área); a cultura e o comportamento informacional dentro da organização; os processos de gestão, a dinâmica de funcionamento das instâncias formais e informais e o levantamento de outras variáveis ambientais que poderiam interferir na gestão da informação (ver roteiro nos Apêndices).

As entrevistas, que não foram numeradas para não possibilitar a identificação dos respondentes, foram assim codificadas:

No município piloto (João Monlevade):

E/MO/NE – Entrevista/Monlevade/Nível estratégico E/MO/NT - Entrevista/Monlevade/Nível tático E/MO/NO - Entrevista/Monlevade/Nível operacional

No nível municipal foi mantida a mesma padronização, substituindo-se “MO” por OP (Ouro Preto), DI (Diamantina) ou SJ (São João Del Rei). Assim, E/DI/NO significa “Entrevista/Diamantina/ Nível operacional”. Dados dos questionários seguem o mesmo padrão, substituindo-se a letra ¨E¨ pela letra ¨Q¨ (por exemplo: Q/DI/NO).

Foram também aplicados questionários para uma amostra de pessoas envolvidas no setor - funcionários das secretarias municipais, agentes de saúde e membros do Conselho Municipal de Saúde, com o intuito de se ter uma visão mais ampla do quadro em questão – informação em saúde no nível municipal. Essa amostra foi intencional, escolhendo-se funcionários que detinham informações relevantes para o estudo. O questionário foi basicamente o mesmo aplicado no momento quantitativo em todo o estado da pesquisa – adaptado para funcionários do nível municipal. Quando citadas informações dessa fonte (os questionários) usou-se o mesmo padrão de codificação, com a letra “Q” no lugar de “E”: “Q/DI/NO” - “Questionário/Diamantina/ Nível operacional”.

O critério de interrupção da coleta de informações foi a “saturação” (PALMADE, 1988), isto é, foi interrompida a série de entrevistas ou aplicação de questionários (que não foram tratados estatisticamente) quando deixavam de oferecer informações suplementares.

Este momento qualitativo do estudo foi complementado por entrevistas com pessoas que têm informações sobre informação e saúde em todo o Estado de Minas Gerais, por

ocuparem cargos importantes na gestão ou no estudo dessa temática. Foram escolhidos para entrevistas:

1. O Secretário Adjunto da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais – (SES/NE) 2. O Gerente de Tecnologia de Informação da Secretaria Estadual de Saúde (SES/NT) 3. O Coordenador do Programa de Saúde da Família na Secretaria Estadual de Saúde

(SES/NE)

4. Um funcionário do nível das Regionais da Secretaria Estadual de Saúde (SES/NT) 5. Coordenadores do programa Banco de Dados Social da Secretaria Estadual de Ciência

e Tecnologia (dois coordenadores) (SECTES)

6. Um professor integrante do Núcleo de Educação em Saúde Coletiva - da Escola de Medicina da UFMG (UFMG)

7. Um professor do Programa do Internato Rural do Departamento de Medicina Social da UFMG (UFMG)

8. Um integrante do Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde (COSEMS) 9. Um representante do Conselho Estadual de Saúde - CES

10. Um funcionário do nível estratégico do Ministério da Saúde, originário dos quadros dos serviços estaduais de saúde pública de Minas Gerais (ME)

O total de entrevistas neste momento foi, portanto, onze. O critério de escolha destes respondentes foi intencional, levando-se em conta basicamente o fato de serem os responsáveis pelas informações que interessavam ao pesquisador, além do fato de pertencerem a diferentes organizações e instâncias, evitando o viés de se ter informações provenientes de uma única fonte. Foram omitidos também o nome dos respondentes e a identificação do cargo, mas identificada a instituição, conforme acordo prévio com os entrevistados. Na codificação, a sigla “SES” identifica esse momento do estudo – assim: “E/SES/NT” significa “Entrevista/Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais/ Nível tático”. As siglas UFMG, SECTES, COSEMS, CES e MS têm a mesma função – nesses casos foi suprimida a referência aos níveis estratégico, tático e operacional (Exemplo: E “E/UFMG” significa “Entrevista com um professor da UFMG” – um dos mencionados acima).

Foram entrevistas em profundidade de caráter semi-estruturado, contemplando basicamente a percepção dos pesquisados sobre a informação em saúde no Estado de Minas Gerais, bem como sua possível relação com a cultura global, brasileira, mineira, local e organizacional do setor da saúde pública.