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Frohman afirma que a fixação da área de informação em questões instrumentais, com foco sobre a maximização técnica e gerencial da eficiência de fluxos informativos leva seus estudos a obscurecerem as questões ligadas às relações entre informação e poder. O foco sobre problemas instrumentais e questões epistemológicas restritas ao estabelecimento e policiamento de fronteiras entre disciplinas desvia a atenção de questões de como o poder é exercido em e através de relações sociais mediadas por informação, como o domínio sobre a informação é alcançado e mantido por grupos específicos e como formas específicas de dominação – especialmente aquelas de raça, classe, sexo e gênero – estão implicadas no exercício do poder sobre a informação. (FROHMAN, 1995).

Gomez (2001) ressalta que para Foucault a máquina epistemológica e suas operações de demarcação tiveram uma esfera de ação bem maior que os espaços formais das academias e as instituições de pesquisa. Para Foucault (1982), o que em Bakhtin foi definido como condições de produção do discurso resvalou para a análise das instituições discursivas (privilegiando seus aparelhos).

É nesse contexto que Moraes (2002) afirma que as atuais bases informacionais na área da saúde constituem o efeito de uma ampliação do olhar médico sobre o corpo dos indivíduos, instituindo o que é designado, sob a base teórica de Foucault (1980), de “biopoder”. Os trabalhos em Ciência da Informação no campo da saúde ainda não teriam incorporado de maneira satisfatória essas reflexões.

Barreto (1994) caminha nesse sentido quando afirma: [...] ”estoques institucionais de informação, processados, gerenciados e controlados para uso político e econômico constituem uma infocontextura que convive e permeia uma superestrutura de informação [...] Assim, quem detém a propriedade dos estoques de informação determina a sua distribuição e condiciona potencialmente a produção do conhecimento”. Foucault (1982) chama a atenção para essa dimensão. Para este autor, no entanto, poder não é “algo que se tem ou não” – são práticas e relações que se exercem de forma complexa na sociedade.

Para Moraes (2002) a constituição organizativa da informação em saúde é – nesse sentido, expressão desse complexo processo de micropoderes, tendo um papel importante na fundamentação de dispositivos de vigilância, materializando-se em técnicas de dominação mais ou menos sutis. Para essa autora saber quantos nascem, de qual sexo, quantos filhos têm, de qual sexo, como adoecem e morrem, etc. constituem exemplos de constituição de dispositivos informacionais sobre o corpo dos indivíduos, uma tecnologia de controle disseminada pelas práticas de cadastramento e qualificação. Assim, as instituições de saúde ampliam e datalham seus acervos informacionais sobre a vida das pessoas, constituindo-se potencialmente em um dispositivo disciplinar.

Para Bourdieu (1983) o discurso científico deveria referendar suas condições sociais de produção através da noção de campo científico enquanto locus de disputa pelo monopólio da autoridade científica – o que envolve legitimidade, capacidade técnica e poder social. A problemática da saúde pública coloca em evidência essa questão no que diz respeito à informação e ao conhecimento. Essa discussão diz respeito ao tipo de discurso tornado “oficial” pela prática médica e tornado “político” pela Epidemiologia – ramo da ciência médica que subsidia as ações em saúde na esfera social. Trata-se da “cientifização” da saúde – isto é, do discurso médico tornado objetivo e natural – e suas possíveis consequências sobre

as ações em saúde.

Segundo Araújo (2003) desde o início do século XX sociólogos e antropólogos têm afirmado que conceitos tais como saúde e doença não se reduzem a uma evidência orgânica, natural ou objetiva, mas estão ligados indissoluvelmente às características de cada sociedade – isto é, são realidades construídas socialmente.

As representações de saúde e doença podem de fato manifestar de forma específica as concepções da sociedade como um todo. Cada sociedade tem um discurso específico sobre saúde e doença e sobre o corpo, correspondente à sua visão de mundo e sua organização social. Desta forma tanto é válido afirmar que o tema da saúde é uma janela para compreender as relações entre os indivíduos e a sociedade como pode-se partir da sociedade para compreender os conceitos específicos da saúde. (MINAYO, 1993)

Portanto, a partir das ciências sociais pode-se afirmar que há uma ordem de

significações culturais mais abrangentes que informa o olhar sobre a saúde. A dinâmica efetiva de “ficar doente” no plano das representações compreende o olhar do outro. Na nossa sociedade o outro privilegiado é o médico, que lhe confere a legitimidade da representação. Dessa forma ele passa a ficar doente para os outros e a sociedade, assumindo as atitudes e comportamentos esperados.

Porém a doença, como proveniente do indivíduo é concebida inicialmente como um processo que não revela seu vínculo com o social – isto é, é o indivíduo que adoece. Mas se a noção de saúde é reveladora da realidade social na qual é construída, para compreendermos esta representação é preciso examiná-la a partir dos substratos econômico, político e cultural no qual vivemos.

As representações dominantes em toda a sociedade são mediadas de forma privilegiada pela corporação médica. O médico – enquanto intelectual que detém o discurso científico do tema – é ao mesmo tempo agente da prática e agente do conhecimento (MINAYO, 1993). Essa condição o coloca em uma situação em que convivem as lógicas conflitantes do humanitarismo, da racionalidade científica e da rentabilidade econômica. A história da afirmação do discurso médico coincide com a história da sua dominação sobre a precariedade do cotidiano. É nesse contexto que ganha sentido a discussão acerca do senso comum e do conhecimento científico. Nas representações daqueles desprovidos desse conhecimento técnico a doença surge como responsabilidade pessoal – a culpabilidade da vítima - implicando um custo financeiro e a consequente medicalização da vida - um conjunto de atos que implicam submeter-se a regras, obedecer prescrições, em suma, ter seu corpo “apreendido”.

A particularidade cultural pode ser observada a partir da linguagem, mediadora por excelência das concepções de mundo. E é através dessa linguagem – sintética, objetiva, ordenadora – que a visão unidimensional da saúde medicalizada se faz hegemônica. Porém essa visão ignora as condições de produção da linguagem – também um fenômeno social. Para Araújo (2003), na verdade, as visões do médico e do leigo se interpenetram, mas em uma perspectiva em que a segunda – ainda que incorporada, é marginalizada. Seria lícito, portanto, afirmar que as representações da saúde se configuram em um campo de luta política, que extrapola a dimensão individual ou os aspectos biopsicofisiológicos. Trata-se de uma representação que atinge o nível da abrangência social, bem como uma dimensão histórica. Oliveira (2003) afirma que a relação entre ciência e senso comum remete à questão da divulgação do conhecimento científico para um público além daquele estritamente especializado. Na área da saúde a divulgação dos saberes compreende todos os processos de comunicação que ocorrem no contato entre o médico e os demais atores envolvidos no processo – o que envolve desde outros profissionais da saúde até a mídia de massa e a sociedade em geral. Entre os campos envolvidos estão desde a prescrição individual até a chamada educação sanitária ou educação para a saúde (ARAÚJO, 2003)

Essa discussão não pode, no entanto, prescindir de uma reflexão acerca das

metodologias de produção e formas de apropriação do conhecimento científico. De fato, é lícito supor que exista uma tensão entre a regulação e a emancipação social como decorrência desse conhecimento. A cada dia a ciência está mais inserida no cotidiano das pessoas, passando também a compor sua cultura e seu arsenal cognitivo.

Dessa forma o conceito antropológico de experiência da enfermidade, discutido no tópico acima ganha um novo significado, implicando em um determinado status para o indivíduo doente. Morais(2004) adverte que se tomarmos o exemplo da divulgação científica, um sem número de problemas podem ser apontados, tanto pela especificidade do tema quanto pela visão sacralizada que se criou em torno da ciência, o que implica em tecnicismo e em decisões de poder disfarçadas de comunicação institucional.

Desta maneira a racionalidade instrumental se apropria da linguagem dentro de uma lógica que compreende relações de poder. A atividade política transforma-se em “tarefas técnicas resolúveis administrativamente” (HABERMAS, 1988).

Assim, segundo este autor, torna-se necessária uma razão que não seja instrumento de dominação, mas de democracia: a razão comunicativa. A razão comunicativa alcança a esfera da interação entre sujeitos, marcada por simbolismo e subjetivismo, experiências pessoais e a contextualização dialógica de agentes lingüísticos.

As técnicas de divulgação são utilizadas pelos serviços de saúde no país desde o início do século XX. A comunicação de massa é, nesse primeiro momento, que na realidade prossegue até os anos 70, marcada fortemente pela idéia de transferência da informação. As campanhas são direcionadas para um público alvo específico, mas, para atingi-lo percebe-se rapidamente a necessidade de um ajuste da linguagem. Prevalece, no entanto, a concepção de um emissor ativo em relação a um receptor passivo (ARAÚJO, 2003).

No entanto, essa compreensão rigidamente técnica desconsidera que a comunicação constitui-se não em técnica auxiliar, mas em área constitutiva do campo da saúde, possuidora de um status próprio – o que implicaria em uma reestruturação da comunicação no interior desse campo.

Compreender a comunicação enquanto conhecimento compartilhado permitiria a

dinamização dos conhecimentos que circulam informalmente e daí potencializar a ação. Segundo Oliveira (2003) essa perspectiva admite a legitimidade de diversos conhecimentos e conhecedores, de acordo com suas respectivas realidades. E o acúmulo de informações não é por si só, capaz de dar sustentação a ações coletivas. Portanto não se trata também de conscientizar, educar, despertar ou sensibilizar a população, como pretendem os programas oficiais de educação em saúde (OLIVEIRA, 2003).

Segundo Lima e Bolaño (2003), o abandono do paradigma da filosofia da consciência em favor do paradigma da "filosofia da linguagem, do entendimento intersubjetivo ou comunicação" insere o aspecto cognitivo-instrumental no conceito habermasiano mais amplo de racionalidade comunicativa.

A construção compartilhada do conhecimento em saúde pressupõe uma interação

comunicacional onde sujeitos detentores de diferentes saberes – porém não hierarquizados – se relacionam a partir de interesses comuns.

Isto significa não negligenciar ou submeter a fala dos atores não hegemônicos – dentro da hierarquia social – porque é através da interação cultural e linguística que novos sentidos e novas realidades são criados.

É nesse contexto que a teoria da ação comunicativa de Habermas encontra o modelo político de decisão, em um contexto que compreende tanto a dinâmica informacional da sociedade, que inclui os processos públicos de formação da opinião e da vontade quanto a possibilidade de uma democratização do processo decisório que dará origem à realização das políticas.

3.3 Informação em saúde e tomada de decisão

A questão do poder remete necessariamente a uma outra questão: a tomada de decisões. De fato, a informação tem sido apontada como fundamental para a eficiência, eficácia e efetividade do processo decisório no campo da saúde coletiva.

Existe uma grande dificuldade de integrar as diferentes teorias existentes no campo decisional. Como não se dispõe de uma teoria ou modelo universalmente válidos a escolha das referências teóricas e a adaptação dos instrumentos empíricos varia segundo a natureza da realidade analisada, mas alguns conceitos, como a racionalidade limitada do decisor, o uso (frequentemente excessivo) da perspectiva incremental no setor público, e as características da política, que transformam as organizações de diversos tipos em verdadeiras “arenas” (e não só no setor público) – bem como as preocupações éticas que devem cercar o processo decisório - são compartilhados pela maioria dos autores desse vasto campo de estudos.

O uso da informação, assim, pode ser compreendido como um componente da redução de incertezas e busca de maior racionalidade. Mas o seu uso, assim como de ferramentas quantitativas é limitado pelas características sociais e humanas das organizações, bem como pela limitação de tempo e recursos – tanto financeiros quanto humanos, quando não propriamente informacionais (limitações de hardware, software, e da informação propriamente dita).

De acordo com Choo (2003), de uma análise da tomada de decisões nas organizações fariam parte estudos sobre a criação de significados e construção de conhecimentos. O uso de informações (desde a intenção da coleta de dados, passando pela organização e tratamento, até a análise dos efeitos pós-utilização) e os comportamentos decisórios (meios de tomada de decisão) estariam condicionados pela realidade dos significados sociais construída social e organizacionalmente. Esses comportamentos foram codificados em alguns modelos analisados por Silva (2000).

Segundo esse autor, a perspectiva do comportamento puramente racional, apoiado por informações carregadas de significado foi descrita por Simon (1965) como um “mito”.

Para Simon (1965) o modelo racional de tomada de decisão geralmente é descrito como um processo de construção de opções onde se calculam níveis ótimos de risco e escolhe-se a alternativa que tiver melhores chances de sucesso. Este modelo identifica o processo decisório como uma questão de maximização de utilidades, incorporando a racionalidade econômica. Segundo Etzioni (1967) os modelos racionalistas tendem a