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2 REFLEXÕES DE UMA FORMAÇÃO NEOLIBERAL

2.3 A REGULAMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL A PARTIR DOS

As reformas mais significativas do ponto de vista político para a Educação Profissional ocorreram nas décadas de 1990 e 2000, envolvendo dois governos diferentes: FHC e Lula. No início da década de 90, mais especificamente no ano de 1993, o processo da reforma foi se estruturando no sentido de se redefinir e redirecionar a EPT. Buscava-se compor um documento que regulamentasse essa modalidade de ensino no Brasil. Nesse mesmo ano, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) produziu, em parceria com o Banco Mundial, um relatório que tinha por objetivo oferecer um quadro geral para a formulação de políticas públicas para a educação técnico-profissional.

O documento ficou conhecido como “Modernização Tecnológica e

Formação Técnico-profissional no Brasil: Impasses e Desafios”, que, apesar de

reconhecer a excelência da educação desenvolvida pelos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET) atribuída, sobretudo, à boa estrutura física dessas escolas e às condições de trabalho docente, afirmava que a manutenção dessas instituições, do ponto de vista orçamentário, com esse patamar de qualidade, tornava-se incompatível com as diretrizes estabelecidas pelo Banco Mundial para a educação em países emergentes. Desse modo, o documento recomendou que a educação profissional tivesse como modelo a ser seguido o estabelecido pelo “Sistema S”7

, uma vez que demonstrava ser um modelo de educação flexível e ágil, sendo facilmente adaptável às mudanças sociais e econômicas do mercado.

Em consenso com essa proposta carregada de ideologias neoliberais, o governo FHC apresentou, no início de seu governo, o projeto de Lei 1.603/96, que aderia, quase na sua totalidade, às recomendações do Banco Mundial para a educação profissional. Como era de se esperar, essa medida gerou descontentamento e manifestos contrários por parte da comunidade acadêmica, que conseguiu impedir sua aprovação no Congresso Nacional, sendo retirado de tramitação pelo Governo Federal, sob a alegação de que se tratava de um projeto que priorizava o setor privado na oferta da EPT e, por conseguinte, o distanciamento

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Fazem parte do sistema S: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); Serviço Social de Transporte (Sest) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).

de uma educação unificada que integrasse as diversas modalidades de educação num sistema único.

Uma vez fracassada a proposta de aprovação do PL 1.603/96 e, sob o pretexto de regulamentar a Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) de 20 de dezembro de 1996, eis que o governo retoma a discussão da regulamentação da EPT e baixa o Decreto 2.208/97 (BRASIL, 1997), constando os mesmos pontos do PL 1.603/96. Nessa nova configuração, o decreto é, então, promulgado, sendo complementado pela Portaria 646 do MEC e pela Medida Provisória 1.549-28/97.

Uma vez instituída a reforma pelo decreto 2.208/97, ficou decidido, pelo seu artigo 5º, que a educação profissional passaria a ser organizada de maneira independente do ensino médio. Essa medida induziu a constituição de um mercado privado da educação profissional, tendo por consequência a redução acentuada da sua oferta na esfera educacional pública, desestruturando a rede federal e estadual de ensino médio e técnico profissional.

Em seguida, surgiram programas que contribuíram para o processo de expansão da rede privada no ensino profissional, a exemplo do Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP) e o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR), os quais, segundo destaca o ANDES-SN, tiveram como objetivos centrais “a fragmentação do sistema nacional de educação, a privatização das instituições educacionais públicas e a submissão da educação à lógica e às práticas do mundo dos negócios”.

Em consequência a todas essas reformulações atribuídas à EPT dada pelo decreto 2.208/97 e seus impactos diretos no modo de execução dessa regulamentação, representantes das redes federal e estaduais, juntamente com representantes de movimentos sindicais e sociais, assim como do setor privado liderado pelo Sistema S, promoveram encontros e seminários marcados por profundas discussões, tensões e questionamentos que se mostravam a favor e contra a permanência do decreto em questão.

Foi a partir desses movimentos que se chegou a um veredito pela revogação do decreto 2.208/97 e a defesa pela restituição da oferta do ensino técnico integrado ao ensino médio, que se formulou o novo Decreto nº 5.154/2004, contemplando todas essas reivindicações. Com essa experiência conflitante e seus tensionamentos políticos, o ANDES-SN demonstra uma preocupação em defesa de uma educação universalizada e democrática:

A partir da análise desse processo, entendemos que, mais do que nunca, devemos fortalecer nossa luta pelo estancamento e reversão das políticas de privatização da educação e a construção de uma nova política educacional que localize e integre a educação técnica e tecnológica, em âmbitos nacional e estadual, no campo de um sistema educacional público, universalizado e democratizado, em todos os níveis e modalidades (SINDOCEFET-PR / ANDES-SN, 2005).

Assim, surgiu o novo Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004, instituído e promulgado no governo Lula, cuja proposta foi de revogar o Decreto 2.208/97, que significou “uma espécie de símbolo da desastrada política educacional da era Cardoso” (FRIGOTTO, 2007. p.1141). Sua principal contribuição foi atribuir maior flexibilidade na articulação da educação profissional com o ensino médio e possibilitar às escolas maior liberdade de organizar a sua formação em consenso com as diretrizes do Conselho Nacional de Educação (CNE). Na sua gênese, dentro das contradições da travessia, tratava-se de resgatar a perspectiva do ensino médio na perspectiva da educação politécnica ou tecnológica8 (FRIGOTTO, 2007).

O decreto nº 5151/2004 não explicitou claramente qual era a política de educação profissional e tecnológica do Governo Federal, mas orientou de forma implícita os caminhos desta modalidade de ensino enfatizando a articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio (BATISTOLLI, et AL, 2010, p.202).

Nessa nova configuração, a educação profissional poderá ser desenvolvida mediante cursos e programas em três principais modalidades: a) formação inicial e continuada de trabalhadores – inclusive integrada com a educação de jovens e adultos; b) educação profissional técnica de nível médio; c) educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação.

Esperava-se, com esse decreto, que a proposta da educação unificada fosse se concretizar na perspectiva de ofertar um ensino emancipatório, que possibilitasse se desvencilhar da ideologia da educação para o mercado de trabalho. No entanto, o mesmo não atendeu às expectativas como os setores educacionais da educação

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O conceito de educação politécnica ou tecnológica esteve inicialmente discutida nas obras de Karl Marx no início do século XIX. No Brasil, teve seu representante maior o professor Demerval Saviani que caracterizou a politecnia como um método de pensar a formação humana desvencilhada das influências neoliberais tornando-se num modelo de educação com formação geral e propedêutica livre das influências do modo de produção capitalista de exploração do homem pelo homem.

profissional pretendiam, principalmente no âmbito dos sindicatos e dos pesquisadores da área de trabalho e educação.

Na concepção do SINDOCEFET-PR (2005), “a integração não se encontra contemplada como princípio, mas como estratégia, sendo uma possibilidade que poderia ser concretizada ou não, dependendo da correlação de forças sociais em disputa”. Com isso, verificou-se, no decorrer da prática do decreto, uma série de medidas que estavam contempladas no decreto 2.208/97, sendo praticadas da mesma forma. Dentre elas, destacam-se:

a) A manutenção da concomitância do ensino médio e profissional, assim como da subsequência que permite que o aluno curse o ensino técnico após a conclusão do ensino médio, expressando, com isso, a continuação da dualidade estrutural da educação brasileira;

b) Permanência da estrutura modular de organização da educação profissional (cursos técnicos oferecidos por disciplinas modulares);

c) Complementaridade da formação em instituições distintas, pressupondo homogeneidade nos projetos pedagógicos de tais instituições;

d) Continuidade de políticas de qualificação, alterando apenas sua nomenclatura de PLANFOR para Plano Nacional de Qualificação (PNQ) e) No tocante ao Sistema S, não houve mudança significativa, a não ser a de

induzi-lo a disputar fundos para atuar nos programas de capacitação.

Apesar desse impasse provocado pela quebra da expectativa causada pelo não atendimento da educação profissional pelo princípio da politecnia, o decreto contribuiu também para o crescimento da rede Educação Profissional mediante o processo de expansão que viabilizou a criação de novas instituições espalhadas por todo o Brasil, ofertando cursos na modalidade da EPT. Esse aspecto será discutido na seção seguinte.

2.4 O PROCESSO DE EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL