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2 REFLEXÕES DE UMA FORMAÇÃO NEOLIBERAL

2.1 OS RUMOS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA (EPT) NO

REFORMAS POLÍTICAS

Para que hoje a Educação Profissional fosse considerada uma modalidade de ensino dotada de regulamentações e princípios que ressaltem a sua devida importância em nível educacional, percorreu-se um caminho árduo carregado de preconceitos e de reformas políticas. Ainda assim, essa modalidade leva consigo o estigma de uma educação desprestigiada focada no desenvolvimento do

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conhecimento técnico para o trabalho, subestimando sua capacidade de desenvolver o potencial crítico-reflexivo dos cidadãos que dela participam.

Essa função delegada ao ensino profissionalizante, segundo Grabowski e Ribeiro (2010, p.277), “é resultado de uma sociedade estruturada de forma dual: proprietários dos meios de produção detentores do capital e, trabalhadores, donos de sua força de trabalho a ser transformada em mercadoria de venda e produção”. Na percepção de Gomes e Marins (2004, p.30), uma educação organizada inicialmente conforme a concepção de uma sociedade capitalista separada em classes sociais, cuja divisão do trabalho faz-se entre os que “pensam” e os que “fazem”, conforme a dicotomia do saber (a teoria, o ensino secundário, normal e superior) e do executar tarefas manuais (a prática, o ensino profissional).

No âmbito histórico da Educação Profissional, encontram-se passagens que relatam o seu percurso evolutivo acompanhando as transformações ocorridas, sobretudo, a partir do processo de industrialização e urbanização das cidades iniciadas no século XIX, quando surgiam as indústrias e a produção de bens de consumo apontava para a necessidade de instrução básica e profissional popular, no intuito de operacionalizar todo o processo produtivo que se estruturava naquele período.

Contudo, a formação de uma mão de obra para atuar naquele regime não carecia de conhecimentos científicos aprofundados, bastando alguns conhecimentos técnicos, habilidades para o trabalho artesanal, com características de trabalho braçal que se desempenhava por meio de esforço físico. Percebia-se, nessa configuração, um modelo de ensino elementar que se adequava a uma classe de pessoas que necessitavam de conhecimento para o trabalho, a fim de garantir a sua subsistência e, portanto, destinado principalmente aos cidadãos desvalidos da sociedade.

O ensino profissional brasileiro percorreu alguns estágios que se constituem parte de sua trajetória histórica e que, de acordo com alguns pesquisadores dessa modalidade de ensino (Manfredi, 2002; Moll, 2010; Pacheco e Morigi, 2012), esse percurso se fez em diferentes períodos, evidenciando os contextos políticos nos quais se desenvolveram as primeiras leis que regulamentavam ações de formação focando na prática profissional.

Em seu livro “Educação Profissional no Brasil”, Manfredi (2002) apresenta os principais momentos históricos que integram a trajetória da educação profissional no Brasil em 6 períodos distintos:

1. Educação e Trabalho entre os povos nativos: iniciando com a chegada ao Brasil dos portugueses, que trouxeram suas práticas educativas, preparando os povos indígenas para a execução do trabalho, a partir da observação e da participação nas atividades de caça, pesca e coleta. Período marcado por uma economia agroexportadora de matérias-primas sustentada na exploração da força de trabalho escravo;

2. Educação e Trabalho no Brasil Colônia (1500-1822): nesse período, ressaltam-se as iniciativas praticadas pelos padres jesuítas, que incentivaram a criação dos primeiros núcleos de formação profissional, isto é, as escolas-oficina, cuja proposta era a de formação de artesãos e demais ofícios para serem aproveitados, sobretudo, nas atividades agroindustriais e no extrativismo;

3. O Ensino Profissional no Império (1822-1889): durante esse período, a economia do Brasil deixou de ser apenas agroindustrial e passou a incorporar empreendimentos industriais estatais e privados. As primeiras instituições educacionais públicas a serem fundadas foram de ensino superior destinadas a formar pessoas para exercerem funções qualificadas no exército e na administração do Estado. Os demais níveis de ensino (o primário e o secundário) serviam como cursos preparatórios à universidade. Paralelo à construção do sistema escolar público, o ensino profissional ia se desenvolvendo com o objetivo de promover a formação da força de trabalho diretamente ligada à produção, sendo ministrado nas academias militares (Exército e Marinha), em entidades filantrópicas e nos liceus de artes e ofícios; consistia num ensino de natureza assistencialista e compensatória destinadas aos pobres e desafortunados, além de ser um veículo de formação para o trabalho artesanal.

4. A Educação Profissional durante a Primeira República (1889-1930): período marcado pela expansão e diversificação da educação escolar profissional, tendo como um marco o decreto 7.566, de 23 de setembro de 1909, assinado pelo então presidente Nilo Peçanha, por meio do qual foi possível a criação de 19 escolas de aprendizes artífices, sendo uma em

cada capital dos estados da Federação (com exceção do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul), dando início à rede federal que culminou nas escolas técnicas e, posteriormente, nos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETS). A diversificação no ensino profissional se deu ainda com a participação da iniciativa privada mediante o sistema educacional construído pelos padres salesianos oriundos da região de Torino (Itália), que não só ofertavam cursos profissionalizantes, como também o ensino secundário. Destacam-se, ainda, nesse período, as iniciativas no âmbito do movimento dos trabalhadores que, no decorrer das duas primeiras décadas do século XX, despontaram projetos de Educação Profissional diferentes dos propostos pelos setores dominantes (estatais e eclesiásticos). Devido ao movimento operário sindical liderado por grupos de ideologias anarco-sindicalistas, evidente entre os anos de 1902 a 1920, a formação para o trabalho ocorria inicialmente no chão de fábrica, onde se aprendia o ofício na prática (in loco) segundo os padrões do regime fabril e do trabalho assalariado capitalista.

5. A Educação Profissional no Estado Novo (1937-1945): nesse período, ocorre a separação entre o trabalho manual e intelectual, ressaltando uma sintonia entre a divisão social do trabalho e a estrutura escolar, isto é, um ensino secundário para as elites condutoras e os ramos profissionais do ensino médio para as classes desfavorecidas. A articulação entre os níveis de ensino seguia uma estrutura dividida em ramos, ciclos e graus instituída a partir da Reforma de Gustavo Capanema (em meados de 1942) nas leis orgânicas. Nessa configuração, o ensino secundário acontecia separadamente ao ensino profissional, e ambos eram preparatórios para o ensino superior. Porém, tanto o ensino secundário quanto o profissional aconteciam em 2 ciclos. No caso do ensino secundário, o 1º ciclo (ginásio) era propedêutico ao 2º ciclo (colegial), assim como aos segundos ciclos dos demais ramos, sendo, por sua vez, preparatório ao ensino superior. O mesmo não se dava para os primeiros ciclos do ensino profissional, os quais eram preparatórios apenas aos seus respectivos 2º ciclos e, no tocante ao ensino superior, o acesso era muito restrito apenas aos cursos relacionados ao que havia feito no 1º e 2º ciclos. É importante ainda destacar, nesse período, o surgimento do Sistema “S” representado

inicialmente pelo Senai (1942) e Senac (1943) geridos pelos organismos sindicais patronais, os quais promoviam a formação profissional paralelamente ao sistema público.

6. A Educação profissional nos tempos de redemocratização (1945 a 1990): nesse período, a educação profissional sofreu poucas adaptações

em relação à estrutura educacional concebida no período anterior que persistia numa concepção dualista: de um lado, uma educação escolar acadêmico-generalista, no qual os alunos tinham acesso a um conjunto básico de conhecimentos cada vez mais amplos; do outro lado, a Educação Profissional, na qual o aluno recebia um conjunto de informações relevantes ao domínio de seu ofício sem aprofundamento teórico, científico e humanístico que lhe proporcionasse meios de avançar nos estudos de forma a lhe garantir o domínio de outros saberes. Mais adiante, os governos militares (1964-1985) optaram por uma estratégia de desenvolvimento voltada para os grandes projetos nacionais, fazendo surgir a necessidade de desenvolver vários programas que requeriam mão de obra em massa, tais como o PIPMO (Programa Intensivo de Formação de Mão de Obra). O treinamento dos trabalhadores focava uma formação de curta duração, conteúdo reduzido, prático e operacional, executado pelo Senai, instituição que teve uma expressiva expansão durante esse período, e pelas escolas técnicas da rede federal.

Percebe-se, ao longo dessa trajetória, que, desde sempre, a Educação Profissional mantém seu caráter excludente e seletivo, com o monopólio do setor empresarial no campo do ensino e da capacitação profissional, permeada por políticas de formação profissional exclusivamente centradas nas necessidades do mercado de trabalho e desarticuladas de políticas de desenvolvimento, de geração de emprego e distribuição de renda.

De acordo com Lima (2012), no Brasil, a fase mais moderna de seu desenvolvimento se deu entre os anos de 1930 e 1945 em um contexto de forte intervenção estatal e combate ao capital externo, refletindo, nesse contexto, também no modo como se estruturavam as políticas educacionais do país. Segundo o autor,

É inegável que as mudanças do caráter socioeconômico do país na década de 1930 conformaram um divisor de águas, no que diz respeito aos rumos da educação brasileira. Fruto de um crescente processo de industrialização,

de uma economia que se organizava em torno da substituição de importações, de uma reconfiguração na estrutura de classes brasileira, com a ascensão de uma burguesia industrial como classe hegemônica e de uma classe operária que passava a pressionar paulatinamente o sistema por direitos e melhores condições de vida. Surgiu então a preocupação do Estado em organizar nacionalmente as diferentes modalidades de ensino, em especial a Educação Profissional que dentro do contexto de industrialização crescente precisava ser expandida (LIMA, 2012, p. 68-69).

Embora já houvesse a preocupação da expansão da Educação Profissional na década de 1930, essa expansão não vingou naquele período, vindo a ter maior expressividade só a partir dos anos 1990. Segundo o que se afirma no Parecer 16/99, encaminhado ao Conselho Nacional de Educação, propondo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de nível Técnico:

Até meados da década de setenta, a formação profissional limitava-se ao treinamento para a produção em série e padronizada, com a incorporação maciça de operários semi-qualificados, adaptados aos postos de trabalho, desempenhando tarefas simples, rotineiras e previamente especificadas e delimitadas. A partir da década de 80, as novas formas de organização e de gestão modificaram estruturalmente o mundo do trabalho. Um novo cenário econômico e produtivo se estabeleceu com o desenvolvimento e emprego de tecnologias complexas agregadas à produção e à prestação de serviços e pela crescente internacionalização das relações econômicas. Em consequência, passou-se a requerer sólida base de educação geral para todos os trabalhadores; educação profissional básica aos não qualificados; qualificação profissional de técnicos; e educação continuada, para atualização, aperfeiçoamento, especialização e requalificação de trabalhadores. Nas décadas de 70 e 80 multiplicaram-se estudos referentes aos impactos das novas tecnologias, que revelaram a exigência de profissionais mais polivalentes, capazes de interagir em situações novas e em constante mutação. Como resposta a este desafio, escolas e instituições de educação profissional buscaram diversificar programas e cursos profissionais, atendendo novas áreas e elevando os níveis de qualidade da oferta (PARECER CNE/CEB Nº16/99, p.286.).

A educação profissional e tecnológica adquire novas perspectivas a partir da década de 1990, apresentando algumas adaptações e novas reformas nas suas políticas educacionais, acompanhando as transformações socioeconômicas e políticas vivenciadas naquele momento. Durante esse período, ocorreram alguns debates com foco na educação, nos quais as visões empresariais, sindicais e de educadores se confrontavam no sentido de estabelecer novos rumos para a formação de técnicos de nível médio. Tais debates estimularam o desenvolvimento da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em 20

de dezembro de 1996, na qual se apresenta, pela primeira vez, um capítulo abrangendo quatro artigos que trataram especificamente da EPT.

Para a nova LDB, a educação profissional assume um papel de uma educação complementar à educação básica, conduzindo ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia. Assim, a sociedade busca, então, desenvolver competências e ampliar seus conhecimentos para que possam ser compartilhados, isto é, postos em prática, sendo esta prática materializada na execução do trabalho.

2.2 AS REFORMAS POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL BRASILEIRA