• Nenhum resultado encontrado

2 REFLEXÕES DE UMA FORMAÇÃO NEOLIBERAL

2.2 AS REFORMAS POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL BRASILEIRA

promulgação de Decretos Federais com o objetivo de regulamentar a educação profissional, uma vez que o texto da LDB apresentava apenas as linhas gerais de sua concepção. Sendo assim, foram apresentados os decretos nº 2.208/97 (BRASIL,1997) e, posteriormente, o decreto nº 5.154/04 (BRASIL, 2004) editados nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, respectivamente, os quais promoveram uma organização da Educação Profissional técnica de nível médio, muito embora com ideologias distintas. Dada a sua relevância e as polêmicas que surgiram, a partir da promulgação desses decretos, assim como percebendo ser esse um marco na história da EPT, tais decretos serão retomados, em maiores detalhes, na seção seguinte.

Não obstante, mesmo com essas reformas e mudanças na maneira de conceber a EPT, ainda se percebe o princípio de educação excludente, uma vez que, sendo uma modalidade de ensino diretamente relacionada ao modo de produção capitalista, permanece sempre subordinada aos interesses do capital, adaptando-se às mudanças impulsionadas pelo processo de globalização e suas interferências no mundo do trabalho e, por conseguinte, no mercado de trabalho.

De acordo com o exposto no folheto publicado em junho de 2005 pelo Grupo de Trabalho de Política e Educação (GTPE) do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), essa adequação e submissão da EPT à hegemonia neoliberal

[...] pode ser identificada nos princípios que norteiam os dispositivos legais produzidos pelo Governo Federal, a saber: a separação entre o pensar e o agir, mediante ruptura entre a educação básica e formação profissional; o consequente aligeiramento da formação; a secundarização de um conjunto de disciplinas de cunho humanístico e de conhecimentos básicos e a priorização das disciplinas técnicas aplicadas; o favorecimento de habilidades e competências de caráter empreendedor; a concepção reducionista do papel acadêmico-científico dos CEFETs, que ficam relegados à condição de instituições periféricas na produção de conhecimentos (GTE/ANDES-SN, 2005).

Tardif e Lessard (2014), ao analisarem essa forma de pensamento neoliberal na educação profissional, destaca que a mesma influencia diretamente na perspectiva do trabalho docente, tornando-o uma ocupação secundária em relação ao trabalho material e produtivo. Na concepção dos autores, “a docência e seus agentes ficam subordinados à esfera da produção, porque sua missão primeira é preparar os filhos dos trabalhadores para o mercado de trabalho”. Por essa ótica, há de se entender que a formação do profissional docente para atuar na modalidade da educação profissional deve também caminhar rumo aos princípios neoliberais.

Em atenção às críticas suscitadas pelos autores, percebe-se que o ensino praticado nessa condição restringe-se a conteúdos preconcebidos em currículos engessados, pouco se importando com o tempo necessário a uma formação plena do indivíduo que considere o princípio da omnilateralidade6, mas instruindo-o naquilo que será útil a sua prática profissional.

O tempo de aprender não tem valor por si mesmo; é simplesmente uma preparação para a “verdadeira vida”, ou seja, o trabalho produtivo, ao passo que, comparativamente, a escolarização é dispendiosa, improdutiva ou, quando muito, reprodutiva (TARDIF e LESSARD , 2014. p. 17).

Depreende-se, pelo contexto histórico, político e sociocultural da Educação Profissional, que essa visão, de certo modo, é incentivada por políticas públicas que norteiam essa relação existente da Educação para o Trabalho e, por conseguinte, o desenvolvimento de um ensino por competências que, na concepção das atividades docentes,

[...] confere a responsabilidade de escolher adequadamente os métodos de ensino , assim como de conceber a natureza do saber a ser trabalhado nos conteúdos, que devem fazer convergir vários elementos para incentivar o

6

O conceito do homem omnilateral é observado nas obras de Marx, embora não tenha sido definido por este autor. O termo consiste na formação integral do indivíduo, dotando-o de capacidades e potencialidades libertadoras que permitem orientar suas ações de forma crítica, ética e responsável na sua relação com o mundo e a sociedade em que vive.

aluno a ser construtor de seu próprio conhecimento durante seu processo de aprendizagem e no desenvolvimento de suas competências profissionais (GOMES; MARINS, 2004, p.62).

Contudo, Kuenzer (2000), ao mencionar as recomendações do Banco Mundial quanto às políticas para a educação, destaca que a educação profissional não é priorizada devido aos elevados investimentos demandados para a garantia de um ensino universalizado, caro e prolongado. Segundo a autora, na concepção do Banco Mundial, importa que haja a preocupação em universalizar o ensino fundamental por meio de programas de correção, cuja proposta seja a de regularizar o fluxo idade/série, a fim de evitar deficit de escolaridade. A autora conclui que “a política de educação profissional formulada para o Brasil nos próximos anos é dotada de uma lógica seletiva, baseada no pressuposto de que a ‘sociedade do conhecimento’ é para poucos”.

Nessa mesma linha de pensamento, Gabrowski e Ribeiro (2010) afirmam categoricamente que, no Brasil, não se tem a preocupação em desenvolver políticas de Estado que se mantêm no curto, médio e longo prazos, mas sim políticas de governo que se modificam a cada nova mudança de gestão governamental. Segundo os autores, “nossas elites nunca conseguiram pensar o Brasil nem a educação para o futuro. Essa realidade demonstra que, ou falta projeto ou o projeto é não tê-lo”.

Diante dessas críticas, bem como considerando os embates que circundam a Educação Profissional no Brasil, no sentido de investigar as mudanças pelas quais essa modalidade de ensino já enfrentou no decorrer de sua trajetória histórica e política, o Quadro 1 sintetiza cronologicamente as principais reformas sofridas pela EPT, evidenciando as características e mudanças instituídas em cada instrumento legal e permitindo a compreensão dos efeitos dessas mudanças em prol de uma educação controlada pelos interesses neoliberais que afetam não apenas o modo como é concebido o ensino, mas apontam para um descompasso no quesito da formação dos docentes desta modalidade de educação no país, uma vez que se torna evidente a marginalização no tocante ao desenvolvimento de políticas públicas de formação docente para a educação profissional, visto que, ao longo de sua trajetória histórica, nunca foi uma modalidade de educação que demonstrasse interesse na sua organização de modo regimental pelo governo, deixando-se evidenciar as tendências político-partidárias nessa construção.

No âmbito dessa discussão, cabe destacar o que afirma Di Giorgi (2011, p.16) ao mencionar que “só é possível obter êxito em reformas educacionais considerando o professor como um parceiro ativo e levando em conta suas necessidades, pessoais e profissionais”, dado que, em última instância, são os professores que decidem pela mudança ou não, sendo, portanto, os atores responsáveis pelo sucesso ou fracasso de qualquer que seja a reforma educativa proposta.

Em se tratando do sucesso das reformas curriculares, Ramalho e Núñez (2011) ainda acrescentam que esse processo depende, ainda que não exclusivamente, da participação ativa, criativa, transformadora de todos os atores da educação (sociedade, pais, famílias, professores alunos e diretores).

Quadro 1 – Principais Reformas Políticas da Educação Profissional Brasileira

PERÍODO (Ano) INSTRUMENTO LEGAL (Leis e Decretos) OBJETIVO PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS Governo Getúlio Vargas 1942 - 1950 Leis Orgânicas do Ensino Estruturação do Ensino técnico- profissional

- Dualidade entre o ensino secundário (para a elite) e profissional (para os pobres);

- Criação do SENAI (1942) e SENAC (1946), objetivando a formação de profissionais para a indústria e o comercio;

- Falta de flexibilidade entre os vários ramos do ensino profissional e entre este e o ensino secundário;

- Possibilidade de o aluno do ensino profissional prosseguir os estudos nos níveis superiores mediante realização de exames em disciplinas não cursadas.

Governo João Goulart 1961 Lei de Diretrizes e Base da Educação Lei nº 4.024/61 Equiparação de todos os ramos e modalidades de ensino

- Os ramos e as modalidades de ensino passaram a ser equivalentes em vista do prosseguimento de estudos em nível superior.

Governo Médici 1971 Lei nº 5.692/71 Reformulação da Lei 4.024/61 no que se referia a promover alterações na estrutura organizacional do 1º e 2º graus

- Institui a profissionalização obrigatória no segundo grau;

- O trabalho e, consequentemente, a educação profissional passaram a ser integrantes da formação de primeiro e segundo graus;

- A criação de uma falsa imagem da formação profissional como solução para os problemas de emprego;

- Modelo ideológico de ensino baseado no capital humano, levando em conta as

da educação nacional

necessidades do mercado de trabalho local ou regional;

- Política ditatória que previa a formação despolitizada e fragmentada imposta por um currículo tecnicista. Governo João Figueiredo 1982 Lei nº 7.044/82 Tornar a educação profissional facultativa para o ensino do segundo grau

- Restringe a formação profissional às instituições especializadas;

- Mudança do termo “qualificação para o trabalho” proposta pela lei 5.692/71, por “preparação para o trabalho” descaracterizando o ensino do segundo grau;

- Mudanças na proposta curricular dispensando as escolas da obrigatoriedade da profissionalização, voltando à ênfase à formação geral. Governo Fernando Henrique Cardoso 1996 Lei de Diretrizes e Base da Educação Lei nº9.394/96 Reordenar o sistema educativo em: 1. Educação Básica, formada pela Educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; 2. Educação Superior

- Concepção menos tecnicista na formação dos jovens;

- A educação profissional com foco no desenvolvimento de competências profissionais;

- Educação profissional integrada às diferentes formas de educação, à ciência e à tecnologia; - Nova relação da educação com o mundo do trabalho;

- Maior preocupação com a formação do educador e com as condições de trabalho; - Educação de estrutura curricular flexível; - Valorização do conhecimento adquirido no exercício do trabalho;

- Garantia de reconhecimento nacional para os diplomas de cursos de educação profissional de nível médio. Governo Fernando Henrique Cardoso 1997 Decreto Federal nº 2.208/97 Regulamentar a Educação Profissional em 3 níveis: Básico, Técnico e Tecnológico.

- A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial;

- Os currículos do ensino técnico são estruturados em disciplinas que poderão ser agrupadas na forma de módulos;

- A organização modular permite efeito de terminalidade, garantindo a certificação parcial; - Aproveitamento de módulos em outros itinerários profissionalizantes;

- O término do ensino médio garante o direito ao diploma de técnico em nível médio;

- As disciplinas do currículo do ensino técnico podem ser ministradas por professores,

instrutores e/ou monitores com experiência profissional e preparação pedagógica comprovadas;

- A Educação Profissional de nível tecnológico corresponde a cursos de nível superior na área tecnológica, objetivando a formação profissional especializada para o mercado de trabalho;

- A preparação para o magistério na educação profissional se dá em serviço, em cursos de licenciatura ou em programas especiais.

Governo Luiz Inácio Lula da Silva 2004 Decreto 5.154/04 Reestabelecer a integração do ensino médio com o ensino técnico profissionalizante ofertado em 3 regimes: Integrado, concomitante e subsequente.

- Reintegração da educação profissional técnica de nível médio com o ensino médio; - Crescimento do número de matrículas na Educação Profissional de nível técnico;

- Ampliação das estruturas das escolas técnicas da rede pública federal – Projeto de expansão da rede Federal;

- A EPT passou a ser organizada em três níveis: Formação Inicial Continuada; Educação Profissional Técnica de nível médio e Educação Profissional Tecnológica de graduação e pós-graduação.

FONTE: Elaboração Própria (com base em Gomes e Marins, 2004)

Diante desse panorama geral das reformas, bem como da importância dada ao aspecto organizacional e estrutural da Educação Profissional nas últimas décadas, é interessante que haja uma breve análise dos dois últimos momentos representados pelos decretos promulgados nos governos de FHC e Lula que, após a aprovação da LDB, tiveram por objetivo a regulamentação da EPT por meio dos decretos 2.208/97 e 5.154/04, sendo esses considerados polêmicos pela forma como foram instituídos, apresentando rupturas político-ideológicas, representando um cenário propenso ao surgimento de novas necessidades formativas dos docentes.

2.3 A REGULAMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL A PARTIR DOS