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4. A RELAÇÃO ENTRE TECNOLOGIA E INSTITUIÇÕES

4.5. A RELAÇÃO ENTRE TECNOLOGIA E INSTITUIÇÕES E AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Considerando-se o caráter evolucionário da combinação teórica aqui defendida, conclui- se que, nos casos bottom up, as mudanças tecnológicas resultam dos interesses dos produtores de conhecimento, em especial das firmas, como consequência de um determinado processo de coevolução de tecnologia e instituições. É esse processo que leva à intensificação de fluxos de conhecimento e a um ciclo de transformação de conhecimento em desenvolvimento. A atuação das firmas foi e continua sendo central para a conformação desses SNIs.

Por sua vez, o papel das políticas públicas é principalmente o de coordenação, buscando atender as necessidades de firmas e de ICTs, com a implementação de medidas para o fortalecimento das mudanças tecnológicas e institucionais provocadas por elas, incluindo o estímulo a alterações conjunturais imprescindíveis à sua sustentação. Isso não significa dizer que as políticas públicas não tiveram participação nesse processo ou que seriam prescindíveis, apenas que as relações entre firmas, ICTs e Estado se estabeleceram de forma diferente dos casos top down.

Já no modelo top down não é que não haja centralidade no papel das firmas. É justamente, pelo seu papel ineficiente - em termos de mudanças tecnológicas e institucionais – que os SNIs não se consolidaram para a transformação do conhecimento em desenvolvimento, sem que houvesse a intervenção direta das políticas públicas. O Estado precisou intervir diretamente para modificar os comportamentos das firmas, através do estímulo ao atendimento de novas demandas e à produção de conhecimento e sua aplicação nas atividades econômicas, isto é, de novas soluções. Foi somente a partir das mudanças tecnológicas - que resultaram da mudança desses novos comportamentos “forçados” pelo Estado – que houve, de fato, uma mudança institucional nas firmas (e não uma efêmera mudança comportamental), gerando mudanças também nos fluxos de conhecimento e, portanto, a consolidação do SNI. Ou seja, foi apenas a partir do sucesso da intervenção do Estado que os novos comportamentos das firmas resultaram em mudanças tecnológicas e sua difusão que, em coevolução com as reais mudanças institucionais possibilitadas por essas mesmas mudanças tecnológicas, conformaram uma nova dinâmica que fez do conhecimento e a inovação a base da competitividade da economia nacional.

Em suma, em ambos os modelos, as firmas são o elemento central. Entretanto, no modelo bottom up, sua atuação interferiu na relação entre tecnologia e instituições, de forma que a aplicação de conhecimento nas atividades econômicas se desenvolveu simultaneamente a um arranjo institucional favorável à mudança tecnológica contínua.

Já no modelo top down, a atuação das firmas era central na manutenção de um arranjo no qual a aplicação de conhecimento nas atividades econômicas era limitada. Nestas últimas, o Estado teve sucesso ao intervir no comportamento das firmas, uma vez que as firmas foram capazes de alcançar a mudança tecnológica em razão dessa intervenção. E essa intervenção foi desenhada a partir da identificação dos substratos tecnológico e institucional presentes e, portanto, do conhecimento disponível e dos hábitos e convenções estabelecidos. O Estado teve sucesso ao encontrar nos substratos já existentes brechas para alterar o comportamento das firmas. As peculiaridades das relações entre Estado e firmas nesses casos foram utilizadas de forma a “convencer” as firmas a mudarem seus comportamentos para atender novas demandas, a partir principalmente de conhecimento que podia ser alcançado pelas firmas – ainda que não fosse novo para o mundo. Isto é, fica claro que a consolidação do SNI de deve, finalmente, não às políticas públicas por si só, mas novamente às firmas, que agora passam a ser responsáveis pela mudança tecnológica viabilizadora das mudanças institucionais.

Assim, a reinterpretação dos SNIs segundo a combinação teórica proposta nesta tese pode ser resumida no Quadro 2.

Quadro 2 - Síntese das propostas da visão tradicional dos SNIs e da reinterpretação segundo a combinação teórica Neoschumpeteriana e Neoinstitucionalista

Proposições Visão tradicional dos SNIs Combinação Neoschumpeteriana e

Neoinstitucionalista Centralidade

das Firmas Para a mudança tecnológica

Para as mudanças tecnológica e institucional Modelos bem- sucedidos 1) Mudança tecnológica – Mudança institucional

a) Bottom up – firmas geraram mudanças tecnológicas e institucionais

apoiadas e reforçadas pelas políticas públicas, levando à consolidação do SNI

2) Mudança institucional – mudança tecnológica

b) Top down – Políticas públicas provocaram mudanças de comportamento das firmas, que possibilitaram que elas realizassem as mudanças tecnológicas, viabilizando as

mudanças institucionais, de fato, nas firmas e no SNI

O que fica claro com a combinação teórica proposta é que não há mudança no SNI sem mudança institucional viabilizada pelas mudanças tecnológicas e, portanto, sem mudanças nas firmas. É equivocado imaginar que, em se tratando de SNI e de tecnologia, o Estado seja capaz de forçar uma modificação, se ela não for “abraçada” pelas firmas. Isto é, se ela não for tornada mudança institucional nas firmas e pelas firmas. Mudanças de comportamento mantidas apenas pela força do Estado – seus incentivos e sanções – que não sejam acompanhadas pela mudança tecnológica – viabilizadora das mudanças institucionais – serão efêmeras, posto que serão apenas do Estado e não das firmas. E o Estado não promove mudança tecnológica e, portanto, não é capaz de gerar mudanças no substrato tecnológico que permitam mudanças no substrato institucional, o que inclusive pode comprometer a continuidade das políticas públicas em virtude da manutenção do arranjo e ambiente institucional desfavorável às mudanças tecnológicas. O SNI só muda quando houver mudanças nas firmas (o que não significa que sejam as únicas mudanças eventualmente necessárias, mas que são condição sine qua non).

Desta forma, não resta dúvida de que a relação entre tecnologia e instituições – que, em nível micro, se concretiza nas firmas - e sua variação ao longo do tempo está no centro da abordagem dos SNIs, que, como já se mencionou, são caracterizados como a concretização dessa relação - no nível macro - conformando um sistema, que determina o quanto um país é capaz de basear sua economia em conhecimento e inovação e interfere no seu nível de desenvolvimento.

Entretanto, a experiência de diversos países malsucedidos no manejo desta relação mostra que as mudanças tecnológicas não são um resultado necessário da produção de conhecimento, assim como mudanças institucionais não são um resultado necessário da intervenção do Estado. Em grande parte desses países estão presentes firmas, ICTs e políticas públicas para a inovação e, mesmo após as tentativas de intervenção do Estado, não se conformaram fluxos de conhecimento significativos para a aplicação crescente do conhecimento na atividade econômica15.

O SNI brasileiro, a ser discutido nos capítulos seguintes, ilustra essa situação. Não se trata de uma experiência bottom up, e, apesar de ter avançado na construção de um “sistema científico”, o país ainda não logrou êxito em se tornar uma economia baseada em conhecimento e inovação. Portanto, é preciso entender como se dá a relação entre tecnologia e instituições que conforma seu SNI para se chegar às razões desse insucesso. Portanto, é necessário também compreender como o Estado tem procurado alterar essa relação e, em especial, como ele tem pretendido modificar os comportamentos das firmas com relação à aplicação de conhecimento nas suas atividades.

15 O trabalho de Albuquerque et al. (2015) discute a formação dos fluxos de conhecimento em vários países em desenvolvimento, servindo como ilustração da literatura sobre esses países.

5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA O ESTUDO DO CASO