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3. EXPERIÊNCIAS DE CONFORMAÇÃO DE SNIS

3.3. A CONSOLIDAÇÃO DO SNI DO JAPÃO, APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

No caso da consolidação do SNI do Japão, é comum que a literatura ressalte a importância da política de importação de tecnologia combinada com o fomento da atividade de engenharia reversa para a modificação dessa tecnologia de acordo com as condições locais, no momento imediatamente posterior à II Guerra Mundial. O papel do Ministério de Comércio Internacional e Indústria (MITI, na sigla em inglês) é considerado pela literatura como essencial no desenvolvimento do SNI da Japão, após 1945 (FREEMAN, 1988; NELSON, 1988a; ODAGIRI; GOTO, 1993).

Odagiri e Goto (1993) mencionam que o MITI, considerando a sua capacidade de financiar essas atividades numa economia de recursos escassos, decidiu quais firmas fariam parte do processo de redução do gap tecnológico do país. Os autores acrescentam que “a maior parte das firmas com background tecnológico adequado” pôde participar da política de transferência de tecnologia (ODAGIRI; GOTO,1993, p. 85, tradução nossa). Segundo os autores, o sucesso japonês dependeu essencialmente das firmas japonesas e das formas de cooperação entre elas, mas foi o MITI que deu início ao processo de mudanças.

Freeman (1988) ressalta que o MITI foi fundamental na rejeição do modelo de crescimento econômico baseado na exploração crescente de vantagens competitivas calcadas na produtividade da força de trabalho. O autor afirma ainda que sua visão de longo prazo incluía a promoção do desenvolvimento de novas tecnologias tendo como objetivo explorar o mercado internacional. Isto é, o governo interferiu nas firmas para estabelecer novas necessidades a serem atendidas por elas. Essas novas necessidades é que justificavam a ampliação do conhecimento a ser aplicado nas suas atividades e a mudanças na forma como atuavam habitualmente.

Nelson (1988b) acrescenta que ao MITI era atribuído o papel de coordenação dos esforços mais amplos de desenvolvimento de tecnologias comuns aos grupos de firmas, mas no sentido de fazer com que as firmas encontrassem em conjunto as direções mais apropriadas. O autor comenta que tal política não encontraria sucesso nos Estados Unidos, país no qual a ação direta do governo não encontra apoio se beneficiar um grupo específico de firmas, somente sendo tolerada se apoiar toda uma indústria.

No caso japonês, apenas a partir da atuação do MITI, as firmas se constituíram em atores centrais no processo da mudança tecnológica e a disseminação da prática da engenharia reversa modificou o próprio modelo organizacional das firmas. Esse modelo passou a ser baseado em fluxos horizontais de informação, assim como fomentou a visão do conjunto de trabalhadores

do processo produtivo como um sistema e possibilitou a disseminação da percepção de que toda a organização trabalhava como um grande laboratório (FREEMAN, 1988). Como salientam Bell e Pavitt (1993), a diferença da capacidade produtiva para a capacidade tecnológica, que possibilita o aprendizado tecnológico, está justamente na possibilidade de realizar mudanças nas tecnologias incorporadas.

A cooperação entre as firmas e o MITI é sem dúvida um ponto chave da constituição do SNI japonês. Evans (2004) menciona a importância das relações entre profissionais das firmas e do MITI, uma vez que a burocracia era composta de profissionais selecionados de forma meritória e que vinham de excelentes universidades, assim como os administradores das empresas. Essa identificação permitia uma relação de confiança (sem a captura do Estado por interesses particulares) e a troca de experiências entre profissionais do governo e das firmas (inclusive sendo comum que profissionais aposentados no governo fossem trabalhar em firmas e agências relacionadas). De acordo com Evans (2004), essa combinação de autonomia e parceria de firmas e governos foi essencial para o desenvolvimento do Japão.

Em suma, no caso da conformação do SNI do Japão, as firmas precisaram de uma intervenção governamental mais significativa do que aquelas observadas nas experiências anteriores. O MITI selecionou as firmas que participariam do processo de constituição dos fluxos de conhecimento necessários à criação das inovações e foi responsável pelo fomento à produção de conhecimento através de instituições de pesquisa de natureza cooperativa. As universidades tiveram um papel menor na criação de conhecimento a ser aplicado nas firmas, mas foram responsáveis pela qualificação de profissionais e, indiretamente, pela constituição de uma relação de confiança entre empresários e agentes do MITI.

Dentro das possibilidades nacionais, o governo foi capaz de estabelecer uma relação com as firmas que resultou em maior interesse pelas mudanças tecnológicas. Essa relação se estabeleceu com um papel importante das pessoas envolvidas na constituição do próprio Ministério e das firmas. Por isso, ainda que fossem “dirigidas” pelo MITI, as firmas foram capazes de criar um novo modelo organizacional de fluxos horizontais. Esse modelo favoreceu a consolidação de fluxos de conhecimento intensos fundamentais à criação de uma capacidade de inovar dessas firmas. Além disso, as ICTs assumiram o seu papel de oferecer conhecimento de fronteira na qualificação profissional, no caso das universidades, e de dar suporte à criação de conhecimento, no caso da pesquisa cooperativa.

No caso japonês, se observa que, segundo a literatura tradicional, não se conformaram, inicialmente, a interação e os fluxos entre diferentes tipos de produtores de conhecimento. As firmas não necessitavam dessa interação para a realização de suas atividades nem de

conhecimentos realmente novos, a não ser a partir do momento em que o Estado interferiu para modificar as suas necessidades de aplicação de conhecimento. Sendo assim, as relações a partir das quais se iniciaram as mudanças no SNI foram aquelas que envolveram a disseminação de tecnologia nova para as firmas, mas que não era resultado de conhecimento de fronteira – como o que costuma ser produzido pelas universidades. O sistema se consolidou graças a cooperação entre firmas e entre Estado e firmas e do entendimento de que apenas através do aprendizado tecnológico haveria uma mudança no patamar de competitividade das firmas e do desenvolvimento do país. O Estado contou com peculiaridades nacionais, no que diz respeito à organização industrial e às relações entre seus agentes e os empresários (relações público- privadas), permitindo que suas características fossem utilizadas para viabilizar as mudanças de comportamento das firmas, emulando os resultados de uma mudança tecnológica até que ela, de fato, acontecesse e permitisse que os novos comportamentos das firmas relacionados à inovação se tornassem permanentes sem a intervenção direta do Estado.