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2. OS SISTEMAS NACIONAIS DE INOVAÇÃO

2.2. ELEMENTOS DOS SNIS

2.2.3. A escala nacional

Desde as primeiras discussões sobre a abordagem dos SNIs, o elemento nacional aparece como fundamental à proposição3. O trabalho de Friedrich List, publicado em 1841, que defendia a existência de um “sistema nacional de economia política” é apontado por Freeman (1995) como a origem remota da concepção do SNI. O autor, que buscava compreender os fatores que permitiram à Inglaterra alcançar o êxito na Revolução Industrial, tinha como motivação fundamental entender como a Alemanha poderia alcançar o mesmo sucesso. A proposição de List, portanto, já trazia um forte componente nacional, procurando oferecer subsídios para que a economia alemã alcançasse o mesmo nível de competitividade da economia inglesa.

Essa concepção, que exalta o elemento nacional do sistema, pode ser considerada como o embrião da abordagem dos SNIs, já que trata também da interação entre diversos atores. Tendo percebido a importância da acumulação de capital intangível para o acontecimento da Revolução Industrial, List defendia que a popularização da ciência e a interação entre as firmas e o sistema de educação e pesquisa eram essenciais para o desempenho superior de uma

2 Ainda assim, as funções essenciais atribuídas às ICTs e firmas são diferentes, uma vez que ambas têm objetivos primordiais distintos. Enquanto a empresa é o lócus da inovação (como na proposição de Nelson, 1993), justamente pelo seu objetivo incessante de alcançar vantagens competitivas e gerar lucro, as ICTs têm objetivos diferentes como a criação e a disseminação de conhecimento, sem que isso signifique necessariamente a busca por vantagens competitivas ou lucro (especialmente no caso das ICTs públicas). Essas diferenças são relevantes porque afetam a forma como se organizam e comportam ICTs e firmas, mas de forma nenhuma significam que não haja fluxos de conhecimentos em ambas as direções ou que se deva retomar a defesa de um modelo linear de inovação.

3 Há propostas de que consideram outros recortes, como os sistemas setoriais de inovação de Malerba (2002), por exemplo. Esse projeto concentra-se na abordagem do SNI, em virtude do interesse na conformação de um sistema que interfere no desempenho da economia nacional como um todo e, por isso, relacionado ao conjunto das instituições nacionais.

economia nacional (FREEMAN, 2002, p. 193). Lundvall et al. (2002) salientam o pioneirismo de List na compreensão da relevância da escala nacional no tocante também às instituições.

Depreende-se das definições de SNIs e do trabalho de List, que há características peculiares que fazem com que, em certos países, haja uma maior utilização pelas firmas do conhecimento científico e um maior acúmulo de capital intangível. Essas vantagens poderiam ser associadas às vantagens comparativas ricardianas relacionadas às características geográficas e históricas dos países, entre outras (RICARDO, 1831).

Mas, para além dessas características peculiares ou vantagens comparativas, a abordagem dos SNIs conclui que a forma como os diferentes recursos (disponíveis em função delas) - em especial o conhecimento - são organizados e utilizados em cada país interfere na construção da sua capacidade de promover a criação (e difusão) de inovações dentro dos limites das suas fronteiras.

Diante da constatação da importância da formação de um sistema para o melhor desempenho da economia de um país, a abordagem dos SNIs se apoia essencialmente em estudos comparativos das diferentes trajetórias dos países. O trabalho de Freeman (1987), por exemplo - o primeiro a fazer referência ao SNI explicitamente - tem como objetivo compreender as diferenças nas trajetórias de desenvolvimento de economias cujos processos de industrialização aconteceram em momentos diferentes. Freeman (1987) estava interessado no caso do Japão e da redução do seu gap tecnológico frente aos países de industrialização mais antiga.

Em outro trabalho, Freeman (1988) defendeu que, desde a industrialização da Inglaterra, há uma sucessão de ocorrências de gaps tecnológicos entre os países e tentativas de superá-los, que acabam provocando uma alteração nas suas posições competitivas. Nelson (1988b) também se preocupou com essa corrida pela manutenção ou ganho de competitividade entre os países. Ambos os autores observaram que, nos países de industrialização avançada, as firmas são as grandes responsáveis pela criação desses gaps através do desenvolvimento de inovações, mas também apontam o papel fundamental de outros atores nesse processo (NELSON, 1988a).

Na interpretação de Metcalfe (2001) “o que é nacional não é o sistema em si, mas o conjunto de capacidades em organizações nacionais e os frameworks legais e das políticas que condicionam a sua acessibilidade” (METCALFE, 2001, p. 579). A questão nacional, por conseguinte, derivaria de especificidades do contexto cultural e social, podendo incluir desde hábitos e costumes até a legislação e diferentes políticas públicas.

O caráter nacional dos SNIs também é reafirmado pela observação da importância das instituições envolvidas na construção da capacidade de inovar das empresas, já que as

instituições se relacionam à cultura e à organização social, política e econômica como delimitadas pelos Estados nacionais (LUNDVALL et al. 2002). Como já apontado, segundo a abordagem dos SNIs, as diferenças nacionais não estão apenas no comportamento individual desses atores, mas também nas formas de interação entre eles que são peculiares aos países nos quais se desenvolvem.

Deste modo, argumenta-se que, segundo a abordagem, existem interações - que ocorrem no interior de um país - capazes de promover o desenvolvimento da capacidade de inovar das firmas e a difusão dessas inovações. A constituição de fluxos de conhecimentos, em especial entre ICTs e firmas, denota que um sistema nacional é capaz de organizar os recursos disponíveis e de fomentar a criação de novos recursos, de forma a estimular o desenvolvimento da capacidade de inovar das firmas e a difusão da tecnologia criada.

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Conclui-se, então, que os SNIs são definidos como sistemas nos quais a inovação é o objetivo principal, as relações entre os diferentes atores – especialmente os fluxos de conhecimento – é o que permite que esse objetivo seja alcançado e que tanto objetivo quanto relações têm um caráter fundamentalmente nacional. Em suma, a abordagem considera que a produção de conhecimento e inovações é de responsabilidade de firmas e ICTs, mas por se tratar de uma relação que envolve atores públicos e privados (incluindo o financiamento e a regulação de suas atividades), ela é também mediada pelas políticas públicas. Logo, a interação entre os atores, considerada como a dinâmica de funcionamento do sistema, é afetada pela atuação de um Estado nacional.

Sendo assim, as conformações dos SNIs são consideradas como resultado das trajetórias particulares de cada país na construção da sua organização social, política e econômica e, por conseguinte, fundamentais para a explicação das diferenças entre eles. Também o caráter sistêmico envolvendo a diversidade de atores privados e públicos faz das trajetórias nacionais elementos essenciais, na abordagem, para o entendimento dos diferentes tipos de interações observadas nos SNIs.

Para explicar as origens dessas diferenças e direções dessas trajetórias, a abordagem dos SNIs se utiliza do termo “instituições” (não é à toa que quase todas as definições de SNIs apresentadas incluem o termo). Contudo, a interpretação das definições de SNIs e seus elementos não permite uma conclusão clara sobre o que seriam, no contexto da abordagem, as instituições e de como elas se relacionam com a capacidade de inovar das firmas. Diante dessa

insuficiência, o próximo capítulo se dedica a examinar a abordagem a partir de suas descrições de experiências de conformação de SNIs, de forma a buscar mais elementos sobre como essas relações acontecem nos casos de sucesso. Ou seja, nos casos em que efetivamente se deu a consolidação de um sistema que favorece a construção pelas firmas nacionais da capacidade de promover mudanças tecnológicas.