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6. AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A MUDANÇA

6.6. GOVERNO BOLSONARO (2019 ATUAL)

6.6.1. Estratégias de desenvolvimento

Apesar de se relacionar ao período de 2020-2023, considerou-se que a proposta do novo PPA reflete o que seria a nova estratégia de desenvolvimento socioeconômico elaborada pelo Governo Bolsonaro. Apresentado de forma mais sucinta do que os PPAs anteriores, o título do PPA 2020-2023 é Planejar, Priorizar, Alcançar.

Inicialmente, a Mensagem Presidencial analisa dados do cenário macroeconômico chamando atenção para o fato de que a situação atual seria reflexo da má alocação dos gastos e do desequilíbrio fiscal dos governos anteriores. Acrescenta que, mesmo com as medidas tomadas nos últimos anos (no Governo Temer), a economia ainda não havia se recuperado, apesar de ter havido alguma melhora em 2018. Em relação às atividades econômicas, atribui a performance abaixo do esperado nos últimos anos a condições climáticas desfavoráveis, no caso da agropecuária, e ao impacto do rompimento da barragem de Brumadinho (em Minas Gerais) e à situação econômica da Argentina, no caso da indústria extrativa e de transformação (BRASIL, 2019). Constata-se, assim, que a dependência da economia brasileira dos recursos naturais e de parceiros comerciais em situação semelhante ao Brasil permanece.

Desta forma, para enfrentar os desafios que se impunham, o governo entende que que as ações devem ser tomadas a partir de 3 diretrizes: “(i) garantir a estabilidade macroeconômica; (ii) promover uma alocação mais eficiente dos recursos de produção e do uso de recursos públicos; (iii) melhoria do ambiente de negócios e promoção da concorrência e inovação” (BRASIL, 2019, p. 12). Entre as medidas propostas estão a reforma tributária, a concessão de serviços públicos e privatização de empresas estatais, aumento da liberalização comercial, redução e racionalização de subsídios e uma reforma administrativa (BRASIL, 2019).

Como forma de atingir o crescimento econômico, o mesmo documento propõe que devem ser priorizados o equilíbrio nas contas públicas, mas com a manutenção dos programas

sociais mais relevantes. Quanto às atividades econômicas especificamente, o Estado deveria se concentrar no estabelecimento de um ambiente adequado, incluindo o incentivo a investimentos em infraestrutura e inovação e a “redução da taxa de juros de longo prazo da economia e do custo do capital e do investimento" (BRASIL, 2019, p. 13).

O documento também menciona explicitamente que o período seria de restrições (com previsão de um resultado primário negativo do governo central nos primeiros três anos), mas, por outro lado, o novo regime fiscal do “teto dos gastos” combinado às medidas tomadas pelo atual governo seriam um estímulo a adoção de um novo padrão de eficiência nos gastos governamentais. A expressão “realismo fiscal” é utilizada com frequência nesse sentido. Mais uma vez, ao longo desses 35 anos, um fundamento importante para a mudança do modelo econômico liberal parece ser a incapacidade da manutenção do padrão anterior de gastos do Estado.

É proposto também um novo modelo para o PPA, com o objetivo de torná-lo mais simples e de lhe atribuir um caráter mais estratégico. Dessa forma, à cada programa é atribuído apenas um objetivo e uma meta. Optou-se, ainda, por basear a elaboração da proposta do PPA em 5 eixos (BRASIL, 2019).

O primeiro deles, o Eixo Institucional, se dirige principalmente às ações voltadas ao ganho de eficiência e modernização do Estado, à segurança jurídica (considerada um incentivo ao investimento privado na infraestrutura) e também relacionadas à Justiça e à Segurança Pública. O Eixo Social inclui programas para a educação – incluindo a educação profissional e superior consideradas carentes de uma organização mais direcionada à atender as “necessidades da sociedade e do setor produtivo” -, a saúde – abrangendo o desenvolvimento cientifico e tecnológico na área -, e programas sociais e voltados para a família (BRASIL, 2019, p.34). Por sua vez, a integração entre os programas para o meio ambiente e a agropecuária são o fundamento do Eixo Ambiental, com forte orientação para o aumento de produtividade, mencionando a inovação e a sustentabilidade como formas de garantia de segurança alimentar e de acesso ao mercado externo. O incentivo ao investimento privado em infraestrutura é objeto do Eixo de Infraestrutura. O Eixo Econômico, ao qual se destina a maior parte dos recursos previstos na proposta de PPA engloba, entre uma grande variedade de temas, programas para a construção do novo modelo de Estado (menor e garantidor de um ambiente favorável aos negócios), que estimula a competitividade e produtividade das firmas através da abertura do mercado e da simplificação administrativa (de forma geral), procurando diminuir sua influência na atividade econômica e a necessidade de financiamento estatal.

Os programas previstos como de responsabilidade do MCTIC - com o propósito de fazer o Brasil alcançar a fronteira do conhecimento - fazem parte também do Eixo Econômico. Esses programas dão destaque aos setores de comunicações, nuclear e espacial e, ainda às tecnologias aplicadas, inovação e desenvolvimento sustentável. Seus objetivos deveriam ser alcançados com a manutenção do patamar anterior dos dispêndios públicos em C&T, mas com o aumento do seu impacto (com a priorização e aumento de eficiência) e através de instrumentos como créditos e subsídios tributários. Como em outros governos, porém, se espera como resultado o aumento do investimento privado em inovação, da competitividade das empresas, da participação das MPMEs e da interação entre firmas e ICTs, além da inserção das firmas nacionais no mercado internacional e o atendimento às demandas sociais (ME, 2020).

Já a Estratégia de Defesa ganha destaque na proposta do PPA do Governo Bolsonaro, com foco principalmente na garantia da soberania e nas relações exteriores.

As firmas aparecem principalmente como beneficiadas pelas reformas promovidas pelo Estado em direção ao liberalismo econômico, incluindo a liberalização comercial, que estimularia à competitividade e a inovação (através do acesso a tecnologias estrangeiras). Mais uma vez, dentre outras tantas políticas, as firmas deveriam almejar um aumento de competitividade no mercado externo e “proporcionar produtos melhores e mais baratos aos consumidores brasileiros” (BRASIL, 2019, p.13).

6.6.2. Políticas Industriais

Não houve publicação de política industrial explícita abrangente durante esse período. Quanto às medidas implícitas se observa principalmente a pretensão de liberalização comercial como medida de incentivo à produtividade e competitividade da indústria. Apesar disso, o Governo Bolsonaro prorrogou medidas antidumping e criou outras novas, estabelecendo, portanto, mecanismos de proteção a determinados setores da indústria nacional (são exemplos de produtos alvo dessas medidas o aço, laminados, tubos de aço carbono e ventiladores de mesa, como indicados nas Portarias SECINT 494, 4.434, 543, 474 todas de 2019).

6.6.3. Políticas de CT&I

A principal iniciativa para a inovação do Governo Bolsonaro foi uma proposta, no ano de 2019, submetida à consulta pública pelo ainda MCTIC18 (que ficou aberta até 20 de janeiro de 2020). Chamada de Política Nacional de Inovação: transformando o futuro do Brasil, a proposta tem como objetivo “orientar o planejamento das iniciativas de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) no país, com vistas a produzir os efeitos desejados no desenvolvimento econômico e social, fomentando o conhecimento e transformando-o em riqueza, a fim de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros” (MCTIC, 2020, s.p.). A intenção do governo é fazer do Brasil um dos “20 países mais inovadores do mundo até 2030” (MCTIC, 2020, s.p.) e tem como argumento a importância do Estado na criação de um ambiente favorável à PD&I – por meio da minimização de riscos -, e na transformação da sociedade, modificando as políticas públicas conforme as necessidades desta. A proposta explicitava o imperativo de integração do Brasil em “cadeias globais de produção e de prestação de serviço” em oposição a uma busca por autossuficiência (MCTIC, 2020, s.p.). Diante das condições atuais dos atores do SNI brasileiro, isso deveria ser feito gradativamente, de acordo com o nível de maturidade em que cada um deles se encontrasse.

De acordo com a proposta (MCTIC, 2020), entre os desafios a serem ultrapassados encontravam-se: gerar uma base de conhecimento que permitisse o aumento do nível de inovação nas firmas (acostumadas à importação e adaptação de tecnologias estrangeiros); problemas de interação entre ICTs e firmas e entre firmas, sendo que as ICTs não deveriam se orientar exclusivamente à pesquisa sem interesse nas demandas do mercado; pouco capital privado disponível; falta de qualificação de profissionais necessária para a inovação; falta de capacidade de transformar conhecimento em inovação; insegurança jurídica para investidores privados.

É interessante notar a preocupação com os instrumentos jurídicos (que também se fazem presentes em outras políticas) que, nesse caso, orientam inclusive a definição de sistema de inovação utilizada como fundamentação teórica da proposta. A definição de SNI proposta pelo jurista Gilberto Bercovi e citada no documento como “termo empregado para avaliar as condições institucionais e jurídicas complexas, mas necessárias, para obter inovação” (Bercovici, 2012, apud MCTIC, 2020, s.p.) deixa do papel do Estado como de preparação de

18 Apesar de ter determinado, incialmente a manutenção das comunicações em seu Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, já no ano de 2020, o Governo Bolsonaro desmembrou novamente os Ministérios. Desta forma, o Ministério tornaria- se voltado exclusivamente à CT&I novamente.

um ambiente propício às suas atividades. Por outro lado, não deixa clara qual seria a participação das firmas na conformação do sistema.

A partir de então, o MCTIC enumera cerca de 50 ações a serem realizadas, mas sem nenhum detalhamento, tendo em vista que planejava aguardar a consulta pública para seguir a elaboração da Política. Essas ações se orientam de acordo com as diretrizes propostas para a Política. Relacionadas à primeira diretriz de estímulo às bases de conhecimento e de tecnologia para inovação, estão as previsões para as já tradicionais ações das políticas de CT&I no país de ampliação de investimento privado em P&D e da infraestrutura de pesquisa e de simplificação de procedimentos relacionados às patentes (mas, neste caso, se referem também a uma nova regulamentação da propriedade intelectual). Além delas, são propostas ações que também remontam a períodos anteriores, como as voltadas para TIB, a conformidade e a ampliação de serviços tecnológicos. Há previsão de ações ainda para a adoção de tecnologias digitais nos setores econômicos e transferências de tecnologias militares para a área civil.

Para a diretriz relacionada à disseminação da cultura de inovação e visão empreendedora, se planejam ações voltadas para ICTs e a sua interação com as firmas, para startups e ambientes de inovação e o estímulo ao aumento do número de firmas inovadoras e de desenvolvimento de produtos para o mercado externo (MCTIC, 2020, s.p.).

No que diz respeito à diretriz para “assegurar o fomento à inovação”, a Política parece seguir a estratégia de mudança de posicionamento do Estado da proposta de PPA, com a manutenção dos valores dos recursos públicos para a inovação, mas com a previsão de uma alocação eficiente e com o incentivo ao aumento da participação do setor privado no financiamento (incluindo novos modelos de financiamento e exigência de mais recursos privados em projetos cooperativos com ICTs sob coordenação das firmas) (MCTIC, 2020, s.p.). Para “Ampliar a base de talentos para inovação”, a Política se refere em especial a ações voltadas para a educação, com o estímulo ao empreendedorismo, a revisão de currículos, o direcionamento para as necessidades do setor produtivo e a priorização das áreas de Ciências Exatas, Agrárias, Saúde, Tecnologia e Engenharias (MCTIC, 2020, s.p.)19.

19 Em 2020, o (ainda) MCTIC publicou a portaria 1.122/20, definindo as suas prioridades no âmbito de projetos de pesquisa, de desenvolvimento de tecnologias e inovações, para o período 2020 a 2023. A Portaria indicava como prioridades o que chamava de tecnologias estratégicas, habilitadoras, de produção, para o desenvolvimento sustentável e para a qualidade de vida. Embora esse documento não seja objeto dessa análise, pois publicado já no ano de 2020, cumpre salientar que ele deixa de fora das prioridades a ciência básica, incluindo-se as ciências humanas e sociais, e não foi objeto de discussão com a comunidade científica (como destaca a Manifestação das Entidades Científicas, subscrita pela Academia Brasileira de Ciências e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e disponível em ABC, 2020).

A quinta diretriz para o “estímulo do desenvolvimento de mercados para produtos e serviços inovadores” mencionava a necessidade de simplificação de procedimentos administrativos e tributários e do estímulo à agregação de valor (também recorrentes), além de estabelecer incentivos através de instrumentos de modificação da demanda, com encomendas tecnológicas e facilitação de contratação de startups pelo Estado, por meio de instrumentos específicos (MCTIC, 2020, s.p.).

Por fim, eram propostas as ações para “aprimoramento e disseminação de instrumentos jurídicos para um ambiente inovador” incluindo avaliações, disseminação de informações e revisões periódicas desses instrumentos, além de promover o acesso a equipamento públicos ao setor privado, através de parcerias (MCTIC, 2020, s.p.).

Como próximas discussões a serem feitas para elaboração da Política, o MCTIC se referia às questões de monitoramento avaliação e governança e também à escolha de setores temas estratégicos. Isto é, a elaboração da Política deveria se orientar de forma gradual e com consultas públicas acerca de suas diversas etapas.

Além dessa proposta, o Governo Bolsonaro optou por substituir o antigo PNI pelo novo Programa Nacional de Apoio aos Ambientes Inovadores, ampliando seu apoio a outros ambientes além dos parques científicos e tecnológicos, incluindo as cidades inteligentes, distritos ou áreas de inovação, polos tecnológicos e centros de inovação (MCTIC, 2019). Incorporou também na categoria de “mecanismos de geração de empreendimentos” as incubadoras, as aceleradoras de negócios, os espaços de coworking e laboratórios abertos de prototipagem de produtos e processos (MCTIC, 2019).

Ainda no ano de 2019, também foi publicada a Lei 13.969, que estabelece a política industrial para os setores de tecnologias da informação e comunicação e de semicondutores e revogava vários pontos da Lei de Informática (lei 8248/1991) e da Lei do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (lei 11484/2007). A principal mudança no incentivo a PD&I aos setores, é que este deve acontecer através da concessão de crédito fiscal e não da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados, em decorrência de decisão da Organização Mundial do Comércio contrária ao praticado anteriormente (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2019).

Apesar de ter sido encaminhado apenas no ano de 2020 (e ainda não ter sido objeto de deliberação), acredita-se que o Projeto de Lei que pretende instituir o Programa Universidades e Institutos Empreendedores e Inovadores - Future-se (MEC, 2020) merece ser mencionado nessa seção, em virtude de sua proposta ter sido apresentada ainda em 2019 e pelo fato deste fazer parte das expectativas de mudanças no Governo Bolsonaro para a CT&I. Trata-se

essencialmente de um programa, ao qual universidades e institutos federais de ensino poderão aderir voluntariamente, com o propósito de facilitar a obtenção de recursos privados para o financiamento de suas atividades, estimular o empreendedorismo e a internacionalização e, ainda, aumentar a empregabilidade de seus egressos. Como condição, as universidades e institutos devem celebrar contratos de resultados com o Ministério da Educação, prevendo o recebimento de recursos adicionais, de acordo com o alcance desses resultados. Destaca-se que os Ministros da Educação, de CTIC e da Economia assinaram a proposta conjuntamente, o que traduz a importância dada ao projeto pelo Governo Bolsonaro. Mais uma vez, a restrição de recursos públicos é o fundamento para uma proposta na qual se propõe a ampliação de investimentos privados (MEC, 2020).