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A representação do domínio finito e os pressupostos sobre fases

A derivação de clíticos de predicados complexos

2.1 A ARQUITETURA DA SENTENÇA COM PREDICADO COMPLEXO

2.1.3 A representação do domínio finito e os pressupostos sobre fases

Apontamos a seguir as categorias assumidas no domínio finito e o conceito de fases que levamos em consideração neste trabalho:

(131) [CP [T2P[T1P[vP2[RootPVinf] ] ] ] ]

Em (131), o núcleo Root selecionará como complemento a oração infinitiva. Já comentamos sobre a projeção de RootP anteriormente.80 A camada TP em PE é representada por duas categorias, T1 e T2. Para T1 move-se o verbo; para T2, o sujeito e o

clítico.81 Duas são as evidências para a adoção da categoria T2: (i) a interpolação, ainda

muito comum em variedades não-standard do PE, que implica a existência de uma posição não-adjacente ao verbo na qual o clítico possa se alojar; (ii) a relativa exterioridade do sujeito em PE, que pode ser separado do complexo verbal por um advérbio de TP:

(132) a. A Maria cuidadosamente fechou as janelas. b. O João provavelmente resolveu esse problema.

(ROUVERET 1999: 643 (13)a,c)

A camada CP será representada por uma única categoria. Se bem que a proposta de periferia esquerda de Rizzi (1997) ou outra proposta articulada da camada CP deva ser necessária para a correta representação dos dados, não nos deteremos nessa questão. Para

80Sobre o caráter defectivo ou completo de v

2, vide as seções seguintes.

81Nesse aspecto, seguimos Rouveret (1999) e Galves & Sandalo (a sair), que denominam tais categorias de W e F, respectivamente. Preferimos não usar essa terminologia somente para evitar confusão com a categoria F proposta por Uriagereka (1995), que faz parte da camada CP.

fins de compreensão da colocação de clíticos, assumiremos a presença de um traço de operador inserido nesse estágio da numeração, com os elementos proclisadores.

A derivação sintática ocorre passo a passo, com os itens lexicais presentes na numeração concatenados de baixo para cima. Os itens lexicais também são organizados em arranjos lexicais, que permitem a redução da complexidade computacional. Tais arranjos lexicais - na perspectiva de Chomsky (2000), cujo espírito seguimos aqui - formam fases, unidades com relevância para a fonologia, semântica e sintaxe, uma vez que determinam: que estruturas serão enviadas às interfaces com o sistema computacional da linguagem, por meio da operação Spell-Out [~pronuncie]; e qual o alcance dos objetos sintáticos que podem se mover.

Apesar de haver controvérsia a respeito de quais categorias instanciam fases, adotaremos em linhas gerais a visão tradicional obtida a partir dos trabalhos mais recentes de Chomsky. Originalmente, Chomsky atribui a v*P (v completo, formado por verbos inergativos e transitivos) e CP o estatuto de fases, com base no pressuposto de que são estruturas com interpretação semântica completa (Chomsky 2000:106). Consideraremos, no entanto, que todo vP forma fase, de acordo com as evidências levantadas por Legate (2003). Um dos testes apresentados por essa autora é a possibilidade de efeitos de reconstrução de sintagmas qu- na borda de vP, que se aplica igualmente para verbos ativos ou passivos (remeto o leitor interessado ao texto de Legate para acesso a todos os testes):

(133) a. [Which of the papers that [he]i gave [Mary]j] did every [student]i  ask [her]j to

read * carefully ?

b. *[Which of the papers that [he]i gave [Mary]j] did [she]j * ask every student to

revise * ?

(134) a. [At which of the parties that [he]i invited [Mary]j to] was [every man]i 

introduced to [her]j * ?

b. *[At which of the parties that [he]iinvited [Mary]jto] was [she]j * introduced to

[every man]i * ?

Com a aplicação do teste, tem-se o interesse de observar os fatos de ligação, que podem servir como diagnóstico da presença de cópias intermediárias no caso do movimento qu- cíclico-sucessivo. Os sintagmas qu- nesses exemplos apresentam um pronome (he) e uma expressão referencial (Mary). O tique de verificação () nas sentenças ‘a’ acima aponta possíveis locais de reconstrução do sintagma qu-, em que o pronome pode ser interpretado porque tem um antecedente. Já as sentenças ‘b’ são agramaticais, pois a reconstrução para qualquer uma das posições marcadas violaria o Princípio C da Teoria de Ligação (she c- comandaria Mary). Os resultados são os mesmos quando o verbo é ativo ou passivo, o que dá suporte à ideia de que todo vP é uma fase.

A visão de que todos os vPs formam fase apresenta dois problemas: (i) como caracterizar a defectividade de v, atribuída aos verbos inacusativos/passivos/de alçamento? (ii) como possibilitar o movimento do DP para Spec,TP em (135)a ou a efetivação da concordância com o associado em inglês, em (135)b?

(135) a. [TP The letter you were waiting for has [vP arrived __ ]]. b. There [vP arrives the letter you were waiting for].

A distinção básica entre verbos inacusativos/passivos/de alçamento face aos demais verbos é captada pela Generalização de Burzio: o argumento interno não recebe Caso acusativo, o que leva ao seu movimento para T, em que é licenciado com nominativo. Uma maneira de captar essa diferença é assumir que vdefnão tem traços u[], uma vez que assumimos o

sistema de Chomsky (2001), segundo o qual a atribuição de Caso está relacionada à checagem de traços u[] em determinados núcleos funcionais. No nosso caso, o núcleo v2,

que corresponde aos verbos de “reestruturação” (uma vez que recebe verbos de alçamento), é defectivo nesse sentido. Esse resultado é bastante desejável, pois, caso contrário, o DP concatenado em Spec,vP1 receberia Caso duas vezes: por v2 e por Tempo, e com

informações contraditórias.

Há várias propostas para derivar sentenças como as em (135). Chomsky (2000) considera que verbos inacusativos, instanciados por vdef, não são fases. Já em (2001),

envio para Spell-out, mudança que é estendida para os verbos transitivos, por evidência de

Agree entre T e o DP argumento interno em construções com Dativo+Nominativo do

islandês. Essa alteração deriva das definições para a Condição de Impenetrabilidade de Fases (Phase Impenetrability Condition – PIC):

(136) PIC1

In a phase  with head H, the domain of H is not accessible to operations outside ; only H and its edge are accessible to such operations.

(CHOMSKY 2000: 138)

(137) PIC2

The domain of H [the head of a strong phase] is not accessible to operations at ZP [the next strong phase]; only H and its edge are accessible to such operations.

(CHOMSKY 2001:14)

Richards (2006) apresenta um modelo de fases que se baseia, por um lado, na noção de sub- arranjos lexicais e, por outro, no envio retardado da fase mais baixa, combinando, portanto, elementos das duas abordagens. Para tanto, propõe que fases sejam compostas por pares de categorias, a mais baixa correspondendo ao “núcleo da fase”, e a mais alta, à categoria que demarca a fase enquanto unidade para ser pronunciada: {T, v}, por exemplo. A definição da PIC que garante a “demora” no envio da fase mais baixa para Spell-out é:

(138) Spell-out phase LAnat LAn+2. (RICHARDS 2006 (26))

Ainda há um ganho suplementar, que é a redução dos conceitos ligados à teoria de fases, como representado no esquema abaixo (note-se que as fases passam a ser representadas pelas próprias categorias agrupadas no sub-arranjo lexical):

(139) {... C} {T, v} {V, D}

LAn+2 LAn+1 LAn

↑ ↑ ↑

‘spellout trigger’/ ‘edge’ ‘spelled-out unit’/

Em (139), o complemento do verbo é D (ou Inf, no caso dos verbos de “reestruturação”). Dessa forma, o clítico que está nesse domínio estará acessível a T1 (~T) categoria

responsável pela subida de clíticos.

A abordagem para a localidade do movimento que consideramos, além de ser definida em termos de fases como arranjos lexicais, parte da condição de não-distintividade proposta por Rackowski & Richards (2005):

(140) A goal α is the closest one to a given probe if there is no distinct goal β such that for some X (X a head or maximal projection), X c-commands α but does not c- command β.

(RACKOWSKI & RICHARDS 2005:579)

Esse princípio prevê a atração do elemento mais próximo (shortest attract) e a condição A- sobre-A. Note-se que a condição A-sobre-A não se aplica no caso do movimento de núcleo, pois o núcleo da fase e sua projeção máxima são indistintos e, portanto, equidistantes da sonda mais próxima (cf. Roberts a sair:56). Assim, não há razão para não se aceitar esse tipo de movimento, ainda mais se adotarmos a Estrutura sintagmática nua (bare phrase

structure). De fato, a diferença entre os domínios mínimo e máximo é relativa:

(141) a. The label L of category α is minimal iff α dominates no category β whose label is distinct from α’s.

b. The label L of category β is maximal iff there is no immediately dominating category α whose label is non-distinct from β’s.

(ROBERTS a sair:86 (20))

Duas conclusões emergem do paralelismo entre movimento de XP e de X0. A primeira é a total eliminação da Restrição sobre movimento de núcleos. De fato, Roberts (a

sair:capítulo 5) apresenta vários exemplos que ilustram violações a essa pretensa restrição.

como faz Marantz (a sair) por meio do conceito de fases mínimas (em oposição a fases máximas). Essa parece ser uma consequência da adoção do conceito de Estrutura sintagmática nua, uma vez que, se um xmaxé uma fase, então xmintambém o será. A intuição por trás dessa postulação é que as palavras são interpretadas como unidades pelas interfaces, já que expressam uma correspondência entre som e significado. Se as palavras (ou pelo menos as palavras de certas categorias) são tratadas como fases, elas serão domínios opacos para determinadas operações sintáticas. Da mesma forma que fases têm uma margem esquerda que é transparente a elementos no seu exterior, certas palavras poderão ter sua integridade lexical afetada por operações sintáticas (o que possibilita a excorporação).82