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A derivação de clíticos de predicados complexos

2.3 A DERIVAÇÃO DE CLÍTICOS DE INFINITIVAS DE “ REESTRUTURAÇÃO ” Na presente seção exemplificamos as análises introduzidas anteriormente,

2.3.2 Clíticos não alçados e não precedidos por partícula infinitiva

2.3.3.3 Excurso translinguístico

Nesta seção apresentamos dados de dialetos do italiano, extraídos de Manzini & Savoia (2005), que apresentam variação semelhante à encontrada no PE, em infinitivas introduzidas por partículas. Em seguida, comparamos dados do PE e do francês fornecidos por Lamiroy (1987) referentes à preposição por/par, que, apesar de ser selecionada por verbos de “reestruturação”, impede a subida do clítico.

(i) de (português) e d (dialetos italianos)

Manzini & Savoia (2005) apresentam os resultados de uma abrangente pesquisa sobre os dialetos do italiano e outras línguas românicas.125 Com referência à colocação de clíticos em infinitivas eles apontam quatro padrões de colocação, sendo que um deles se aproxima daquele apresentado pelo PE: a ênclise é a regra geral, exceto quando há um marcador de negação sentencial ou elemento qu- no domínio infinitivo ou quando há determinadas partículas. Dentro desse grupo de dialetos, os autores ainda afirmam que alguns (p.ex. Popoli) contrastam as partículas correspondentes a a/de com por, as a/de

124 Encontram-se, em autores do CTB nascidos no século XVI, alguns dados de próclise em contexto de infinitiva introduzida por partícula a:

(i) Ergueu-se a senhora Marquesa [a o receber] e steve em pé bom pedaço, antes que o fezesse assentar entre ella e Messer Lactancio. (PCl- Holanda, 1517)

A solução nesse caso pode se dever ao estatuto de complementador de a, pois tem aí um valor semântico de finalidade (correspondente a “para”). Assim, de acordo com os pressupostos anteriormente assumidos, temos uma infinitiva não-reduzida, e a regra a ser aplicada é aquela proposta em (180). Mesmo que esteja em início de fase, o clítico não vai sofrer inversão prosódica no PE, pois o que está em jogo é a relação com um operador.

125Agradeço a Rita Manzini pela indicação de seu livro e pela discussão relacionada, por ocasião do encontro do GT de Teoria da Gramática da ANPOLL, em 2009.

sempre com ênclise e por com variação na colocação; outros (p.ex. S.Vittore, Roccasicura e

Miranda) apresentam ênclise com a partícula a, e variação com de/por, da mesma forma

que o PE (todos os exemplos provêm de Manzini & Savoia 2005; Pontecorvo apresenta o segundo padrão, com a diferença de não ter a partícula a):

(215) Popoli

a. tə=sɔ d'dittə də 'far=lə

2SG.DAT=ser.1SG dizer.PTCPde fazer=3SG.ACC ‘te disse para fazer isso’

b. ɛ m'mjɔjə a vvə'der=tə

ser.3SG melhor a ver=2SG.ACC ‘é melhor ver-te’

(216) Roccasicura

a. tə='dikə də rə='fa

2SG.DAT=dizer.1SG de 3SG.ACC=fazer ‘digo-te para não fazer isso’

b. ɛ m'mɛə ca'mar=rə/ a cca'mar=rə

ser.3SG melhor chamar=3SG.ACC/ a chamar=3SG.ACC ‘é melhor chamá-lo’

(217) Pontecorvo

a. tə=so d'diccə də ə=ca'ma/ də 'camarə=ə

2SG.DAT=ser.1SG dizer.PTCPde 3SG.ACC=chamar/ de chamar=3SG.ACC ‘te disse para chamá-lo’

b. ɛ m'mɛə ca'marə=ə

ser.3SG melhor chamar=3SG.ACC ‘é melhor chamá-lo’

Em regra geral, todos os dialetos que apresentam a partícula a têm ênclise nesse contexto, da mesma forma que na ausência de partícula – cf. (215)b, (216)b e (217)b. Isso se coaduna com a hipótese de que tais dialetos têm uma sensibilidade à prosódia semelhante ao PE. A questão que se coloca é a ênclise obrigatória com de – cf. (215)a, (216)a e (217)a. Nesse caso, Manzini & Savoia (2005) supõem que tal elemento não tem estatuto de operador. Na abordagem aqui oferecida, teríamos de avançar a hipótese de que de no referido dialeto não permitiria redução com o clítico. No entanto, somente uma investigação mais sistemática de dados como esses permitiria a confirmação ou infirmação da referida hipótese.

(ii) por (português) e par (francês)

Como já mencionamos anteriormente, as partículas a e de podem iniciar infinitivas de “reestruturação” e permitem a subida de clíticos. Um fato digno de nota é que alguns verbos que permitem “reestruturação” também selecionam a preposição por, mas nesse contexto a subida de clíticos é impossível:

(218) a.*O João acabou-se por esquecer da festa. b. O João acabou por se esquecer da festa.

(BRITO, DUARTE & MATOS 2003: 858 (50)c, (51)c)

Além do verbo acabar, que seleciona em outra acepção a partícula de, os outros verbos que selecionam por são começar, estar e ficar, que podem selecionar a partícula a em outra acepção:

(219) a. É inevitável que comece por lhe perguntar se acha que estes 20 êxitos agora editados em CD traduzem os seus 20 anos de carreira? (Jornal de Notícias)

b. O desabafo é de Luís Leitão, filho do homem de Manteigas assassinado há quatro anos – cujo cadáver ainda está por encontrar - e que a PJ diz ter sido morto pela mulher, mãe de Luís. (Correio da Manhã)

c. É o regresso às aulas, “é um sonho que ficou por realizar em criança”, fruto das exigências da vida familiar que aguardava o apoio dos filhos para ajudarem a suportar as dificuldades que eram grandes. (O Regional)

Esses verbos, quando selecionam a, indicam aspecto progressivo. Quando selecionam por, indicam que a eventualidade ainda não ocorreu, o que pode ser captado pelo sentido passivo da infinitiva (especialmente quando selecionada por estar ou ficar).

Podemos encontrar uma explicação para os fatos do PE se olharmos para os dados de outra língua românica, o francês. Lamiroy (1987) notou que determinados verbos aspectuais do francês, como finir (‘acabar’) e commencer (‘começar’), quando seguidos pela preposição par, instanciam um “sequenciamento de eventos”, na terminologia da autora. A evidência apresentada nesse sentido é a possibilidade de complementos estativos quando o verbo seleciona par, mas não quando seleciona de:

(220) a. Jean finit {par être irrité/ *d’être irrité}

J. acabar.PST.3SG {por estar irritado/ de.estar irritado} ‘Jean acabou ficando irritado (*de ficar irritado)’

b. Jean a commencé {par avoir un restaurant/ *à avoir un restaurant}

J. AUX.3SG começar {por ter um restaurante/ *a ter um restaurante} ‘Jean começou {por ter um restaurante / *a ter um restaurante}’

(LAMIROY 1987:284 (37); (38))

A explicação para o contraste diz respeito ao fato de estados serem eventualidades sem estrutura dinâmica interna. Portanto, a expressão do aspecto pelo verbo regente causa incompatibilidade semântica. Tal incompatibilidade é, no entanto, desfeita, a partir de certos mecanismos que impõem uma delimitação à eventualidade, como o uso da partícula

por, e outros, como o uso de DPs plurais ou genéricos (remeto o leitor interessado em

acessar todas das evidências ao artigo de Lamiroy). No PE, o contraste parece ser o mesmo, uma vez que frases semelhantes às de (220) só são possíveis se a partícula introdutora for

(221) a. A Maria insistiu que o João deveria ir ao concerto com seu fato azul. Com isso, o João acabou {por /*de} estar irritado.

b. Como o João ganhou um prêmio na lotaria, queria investir em comércio. Assim, o João começou {por / *a} ter um restaurante.

A interpretação desses exemplos varia de acordo com o verbo regente. Com acabar por a eventualidade expressa um significado mais involuntário, sendo que o contrário ocorre com

começar por. Nos dois casos, pressupõe-se uma sequência de eventualidades, sendo que a

descrita pela sentença em questão é a primeira ou a última relacionada.

Apesar de a análise mencionada acima ser descritivamente correta, ela não explica per se a impossibilidade de subida de clíticos quando há uma preposição por. Isso ocorre porque o argumento não pode ser estendido aos verbos estar e ficar. A derivação com estes é bastante diferente, pois o sujeito corresponde ao argumento interno do Vinf. Já

com aqueles verbos, o sujeito pode ser o argumento interno ou externo do Vinf:

(222) a. [A Maria]iestá/fica por encontrar [ ]i.

b. [O Pedro]iacabou/ começou por [ ]ivoltar tarde.

Podemos buscar apoio no estatuto das preposições, como fizemos anteriormente. Dessa forma, a partícula por junto a acabar/ começar parece ter estatuto de verdadeira preposição, pois também pode ocorrer com complementos nominais.

(223) a. O suposto impacto do meteorito acabou por [uma forma de chamar a atenção para a vila costeira]. (Jornal Oeste Online)

b. Começou por [um duelo], à partida desigual, entre Trotsky, chefe do Exército Vermelho, e Stalin, secretário-geral do Partido comunista. (Instituto Português

Como vimos, as preposições podem ser ambíguas com complementadores. Uma evidência disso é a substituição do domínio infinitivo por um domínio finito iniciado pelo complementador que, pelo menos com o verbo acabar:

(224) a. O João acabou por ficar irritado. b. Acabou que o João ficou irritado.

Já no complemento de estar/ ficar, por tem estatuto de núcleo funcional, cuja natureza atribuímos a um complementador. Dessa forma, supomos que o domínio infinitivo em todos esses casos apresentaria uma estrutura funcional completa, impedindo a ocorrência da reestruturação. De fato, por parece contribuir para a lexicalização de propriedades modais necessárias à definição da variável proposicional associada ao infinitivo. Essa sugestão seria compatível com a análise de sequenciamento de eventos, porém com a vantagem de oferecer o nível correto de generalização.

2.3.4 Síntese

Os dados discutidos na presente seção permitiram oferecer um quadro mais preciso das diferentes possibilidades de colocação para o clítico pronominal na construção de “reestruturação”. Seguindo os pressupostos delineados na seção 2.2, defendemos uma análise não-unificada para a colocação, que segue uma regra de motivação sintática no domínio da fase {T,v} outra de cunho prosódico na fase {V, ...}, que correspondem às possibilidades de clítico alçado e não-alçado, respectivamente. A motivação para a esta última é a atribuição de proeminência (acento principal de sentença) ao elemento na borda fonológica do bloco pronunciado correspondente à fase {V,...}.

Um aspecto principal dessa análise consiste no estatuto das infinitivas iniciadas por partícula, que podem ser rotuladas como Asp ou P, com base nos critérios apresentados por Gonçalves, Duarte & Miguel (a sair). A ideia, muito comum, de considerar tais elementos como complementadores foi atribuída à homofonia entre partículas e elementos de outras categorias. O fato de a partícula a sempre codificar aspecto não-terminado leva a que ela seja prosodizada numa fase superior, e assim o clítico pronominal fica numa posição de proeminência. A partícula de pode sofrer redução e ressilabação com o clítico pronominal porque pode ser prosodizada como categoria lexical. Assim, o clítico não fica não ocupa sozinho a posição de proeminência.

2.4 ADERIVAÇÃO DE CLÍTICOS DE INFINITIVAS DE “UNIÃO DE ORAÇÕES”