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A formação de predicados complexos

1.3 P ROBLEMAS TEÓRICOS APRESENTADOS PELOS PREDICADOS COMPLEXOS Vários problemas teóricos já foram entrevistos durante a discussão de questões

1.3.2 Estrutura da sentença: uma ou duas orações?

1.3.3.1 Evidências relativas à forma de união

O trabalho de Rizzi (1982) apresentou quatro evidências para sua análise de que a constituência sintática de predicados complexos de reestruturação incluiria os dois verbos formadores de predicado complexo no mesmo nó: [VP [V (clítico dativo) Vfinito Vnão-finito]

DPobjeto]. Os exemplos abaixo mostrariam que o Vnão-finito e o DPobjeto não formam um

constituinte nos exemplos “b” de (65) a (68) (nos exemplos abaixo e em (70) só é apresentada a tradução aproximada dos exemplos “a”, com o clítico sublinhado).

(65) Movimento qu-

a. Questi argomenti, [a parlar=ti dei quali]iverrò tial più presto...

b. *Questi argomenti, [a parlare dei quali]iti=verrò tial più presto... ‘Estes argumentos, (a falar-te dos quais) virei o mais rápido possível’

(66) Formação de sentença clivada

a. Quanto a questa storia, [è discuter=ne con Mario] che dovresti. b.*Quanto a questa storia, [è discutere con Mario] che ne=dovresti

‘Quanto a esta história, (é discutir sobre ela com Mário) que você deveria’

(RIZZI 1982: 9 (31)b, (32)b)

(67) Alçamento de nó à direita

a. Piero dovrebbe ti– ma francamente com credo che vorrà ti– [parlar=ne con Gianni]i

b.*Piero ne dovrebbe ti – ma francamente non credo che ne=vorrà ti – [parlare com

Gianni]i

‘Piero deveria – mas francamente não creio que vai querer – (falar sobre isso com Gianni)’ (RIZZI 1982: 11 (38)a-b)

(68) Movimento de NP complexo

a. Fra qualche giorno, ti=verrò [ad esporre la mia idea] a Firenze b.*Fra qualche giorno, ti=verrò a Firenze [ad esporre la mia idea]

‘Qualquer dia desses, te virei (a expor minha ideia) em Florença’

(RIZZI 1982: 12 (44)a-b)

Tendo em conta a mudança em vários pressupostos da teoria da gramática desde quando o trabalho de Rizzi fora publicado, Cinque (2004) revisita sistematicamente tais testes, com o intuito de mostrar que Vfinito e Vnão-finitoocupam núcleos distintos. Dessa

forma, os exemplos em (68) foram reanalisados em termos de movimento à esquerda de um PP locativo para uma posição entre um núcleo funcional e seu complemento (um caso de

scrambling). Já a agramaticalidade dos exemplos “b” de (65) a (67) foi atribuída ao tipo de

categoria vazia que segue o predicado encalhado em clivadas, uma anáfora do complemento nulo (NCA, sigla correspondente a Null Complement Anaphora). A presença da variável inserida com a elipse seria relevante para a correta relação operador-variável que deve acompanhar o sintagma concatenado como elemento de foco, como ilustrado em (69) (o predicado em maiúsculas não é pronunciado, pois faz parte da NCA).

(69) DP è [CP PRO tener=la per se] 0i che non può FARE ti DP é [CP PRO ter=3SG para si que NEG pode FAZER ‘O que ele não pode fazer é manter isso para si’

(lit. ‘É manter isso para si que ele não pode’) (CINQUE 2004: 162 (107)a)

Em tais considerações o autor retoma o trabalho de Depiante (2001), que observou a distribuição complementar entre formação de predicado complexo e o licenciamento da NCA. Segundo Depiante, os verbos de reestruturação licenciariam uma “anáfora profunda”, entendida como categoria vazia sem estrutura sintática interna. Se isso é verdade, o clítico não pode ser associado com um vestígio dentro dessa construção elíptica não-estruturada. Portanto, a agramaticalidade de (70)b segue da impossibilidade de se relacionar clítico e vestígio.45

(70) a. È [CPproprio a parlar=ti de questi problemi] 0iche verrà [PPP ti]

b.* È [CPproprio a parlare di questi problemi] 0iche tik=verrà [PPP ti]

PE:‘É (mesmo a falar-te desses problemas) que virá’

(CINQUE 2004: 162 (108))

Pesquisas recentes sobre o português têm sido desenvolvidas a respeito dessa questão, que, juntamente com a reinterpretação de alguns fatos sintáticos no âmbito do minimalismo, levam a certa dificuldade de explicar a conexão estabelecida entre impossibilidade de NCA e formação de predicado complexo. Cyrino & Matos (2006) defendem que a NCA tem estrutura interna em português (europeu e brasileiro), com base em testes de coocorrência com o apagamento de antecedente contido (Antecedent

Contained Deletion) em (71)a, e com a extração across-the-board, (71)b:

(71) a. Eu não me recuso a fazer qualquer coisa Opique ele mande__. (__= fazer Opi)

b. O amigo a quem tu querias telefonar mas não conseguiste__ chegou.

(__= telefonar (a quem)) (CYRINO & MATOS 2006:129 (31), (28))

45Cinque (2004) considera, contra Bošković (1994), que parte da estrutura interna da NCA deve ser visível, em especial o argumento interno. De outra forma, todos os verbos de reestruturação deveriam atribuir um papel-θ externo, o que não é verdade, pelo menos para os verbos de alçamento.

Se isso for verdade, não é possível atribuir a agramaticalidade à perda da conexão clítico- vestígio não se mantém. Por outro lado, depreende-se a partir de Gonçalves & Matos (2008) que a correlação Reestruturação  ¬NCA de fato se mantém, mas que a relação inversa ¬Reestruturação  NCA não é verdadeira: há verbos que podem formar predicado complexo e não aceitam NCA (estar (a), ir, vir, e haver (de), na variante sem reestruturação), e outros que nunca formam predicado complexo e igualmente não aceitam a elipse (como pensar).

Esse tópico merece investigação mais detalhada em trabalho futuro. De qualquer forma, as evidências clássicas de Rizzi (1982) para a ideia de que V+V formam um constituinte (ou para a incorporação V+V em abordagens ulteriorres) não parecem ser corretas. Além da reinterpretação dos dados de (65) a (68), concordamos com Cinque no sentido de que, se a incorporação V+V ocorresse, na construção Aux-para-C o verbo não-finito teria de se mover para C junto com o verbo de reestruturação, o que não ocorre.

O outro fato que poderia ser apresentado em favor da incorporação V+V diz respeito à preferência entre as alternativas de próclise ao Vreg ou ênclise ao Vinf em PE (e

obrigatoriedade em castelhano e italiano), ou seja, nas bordas do conjunto V+V. No entanto, há pelo menos uma exceção a esse padrão no quadro românico, ou seja, o sardo, em que há próclise com infinitivo em variação com a próclise ao verbo mais alto:46

(72) a. Torro a lu=léghere.

volto P 3SG=ler ‘Volto para lê-lo’

b. Lu=torro a léghere.

3SG=volto PRT ler ‘Volto a lê-lo’

(Sardo; JONES 1993: 152 (202))

46Manzini & Savoia (2005) observam também que enquanto variedades do italiano de tipo ladino (la Pli de

Mareo, Colfosco, Corte, Sief, Colle S.Lucia, Pescùl) não têm subida de clítico mas têm próclise ao infinitivo,

as variedades provençais (Pomaretto, Prali, Sarre) têm subida e próclise ao infinitivo. Segundo os autores: “Questo conferma che la possibilità o meno della salita lunga del clitico è un parametro indipendente da quello concernente la collocazione del clitico rispetto all'infinito” (capítulo 7).

A variação translinguística apontada, além da possibilidade de interveniência de outros elementos, como o sujeito em estruturas de inversão sujeito-verbo, demonstra que uma análise em termos de incorporação verbal traz mais problemas que soluções, a menos que o fenômeno se mostre como não-unificado translinguisticamente.