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A representação do domínio infinitivo na “união de orações”

A derivação de clíticos de predicados complexos

2.1 A ARQUITETURA DA SENTENÇA COM PREDICADO COMPLEXO

2.1.2 A representação do domínio infinitivo na “união de orações”

Na “união de orações” (construção de Fazer-infinitivo), a sentença com predicado complexo é igualmente mono-oracional, uma vez que o sujeito não pode ser licenciado no domínio infinitivo. A proposta defendida baseia-se na concepção de movimento do sintagma verbal para a periferia do domínio infinitivo, como já mencionado na revisão de Burzio (1986), e atualizado na proposta de Roberts (a sair). A estrutura sintática que propomos para o domínio infinitivo se aproxima da proposta por Roberts, porém com a eliminação da projeção de VoiceP:

O leitor atento deverá ter observado que a ordem de Inf e v1está trocada, se a

representação para a “união de orações” em (124) for comparada à representação para a “reestruturação” em (105). Há uma motivação independente para tal variação de ordenamento entre os núcleos, que é a caracterização nominal do complemento do verbo causativo, fato comum entre as línguas do mundo.75Confira, por exemplo, a estrutura mais “conservadora” ou “histórica” que Givón (2009) atribui às causativas da língua ute:

(125) S

qo

SBJ VP

qgo

OBJ COMP/S CAUS V

SBJ VP V OBJ V

mamach ta’wach-i [Ø] tʉkuavi cíira- -ti-kyay’u mulher.SBJ homem.OBJ[Ø] carne.OBJ fritar- -CAUS-PST-3SG ‘A mulher fez o homem fritar a carne’

(GIVÓN 2009:78 (23))

Nessa estrutura, o sujeito do verbo complemento é correferente com o objeto do verbo principal. A marcação de finitude gravita em torno do verbo principal, deixando o verbo complemento nominalizado ou não-finito. Nesse estágio, os dois verbos não estão incorporados; sua adjacência é derivada da ordem básica OV.

A correlação entre o domínio infinitivo dos verbos causativos e a nominalização tem embasamento no caso do português se tivermos em conta que ambos

75Segundo Song (2008), há 278 línguas com causativas morfológicas, numa amostra de 310. Cf. também Roberts (2009), trabalho que consultamos só após a conclusão desta tese, para uma análise que relaciona o caráter nominal de InfP e a ocorrência da construção Fazer-Infinitivo. Ainda sobre tipologia, Roberts busca provar que a quantidade de causativas morfológicas em línguas VO é menor que em língua OV; indicamos o leitor curioso ao texto original.

apresentam um padrão semelhante de organização da estrutura argumental, como se nota a partir dos seguintes exemplos de nominalização:76, 77

(126) a. A destruição da cidade (Predicado – Tema)

b. A destruição da cidade pelas gangues (Predicado – Tema – Agente)

A diferença quanto à organização dos argumentos do complemento infinitivo na “união de orações” face à estrutura acima diz respeito ao tipo de preposição (por/de versus a). Isso indica que o AE/causado recebe Caso dativo do Vreg:

(127) a. A conquista de Lisboa (Predicado – Tema)

b. A conquista de Lisboa aos mouros (Predicado – Tema – Afetado)

No caso dos infinitivos, a dupla possibilidade de marcação do argumento está relacionada aos dois tipos de construção da família da “união de orações” encontrados ainda hoje em francês e italiano; respectivamente, Fazer-por e Fazer-infinitivo. Tais construções, estudadas extensivamente por Kayne (1975), demonstram uma diferença entre dois tipos de causação. Na causação indireta, expressa por Fazer-por, o causado (o sujeito do verbo infinitivo) pode ter sido levado a realizar o evento, sem participação direta do referente do causador (o sujeito do verbo finito). Na causação direta, expressa por Fazer-infinitivo, o causado é obrigado a realizar o evento denotado pelo predicado infinitivo, devido à atuação do causador; nesse sentido, o papel semântico de experienciador é semelhante ao verificado no âmbito do DP, em (128)b.

76 Várias abordagens para a questão da atribuição de Caso aos argumentos de sentenças com “união de orações” foram apresentados na literatura, como a integração da estrutura argumental por lexicalização (Alsina 1996); a hierarquia de Casos (Folli & Harley 2007), e a apassivação (Roberts a sair). Nesse sentido, tanto uma estrutura passiva quanto uma estrutura nominalizada parecem ter seus argumentos organizados segundo um padrão ergativo-absolutivo, o que torna a abordagem aqui apresentada bastante similar à de Roberts (a sair).

77O dativo pode expressar uma relação de posse, semelhante ao que ocorre no âmbito de um DP: (i) a. Caíram as folhas às árvores.

b. Elle fera lever la main à Jean. ela fazer.FUT.3SG levantar DET mão PREP J.

(128) a. Elle fera manger cette pomme par Jean.

ela fazer.FUT.3SG comer esta maçã por J. ‘Ela fará Jean comer essa maçã’

b. On fera boire du vin à Jean.

a.gente fazer.FUT.3SG beber DET vinho a J. ‘A gente vai fazer Jean beber vinho’

(KAYNE 1975:234 (89)a; 213 (24))

Apesar de não nos determos aqui sobre a construção Fazer-por, pensamos que há evidências para postular a projeção do núcleo Voice a fim de operar a apassivação no domínio infinitivo, nesse caso.78

Voltando à estrutura em (124), temos que a identificação categorial de Root1

será de tipo nominal. Dessa forma, exploraremos na análise a ser desenvolvida em 2.4 que há o movimento de InfP (incluindo o Vinf e o AI) para o especificador mais externo de v1,

semelhantemente a um object shift, gerando a ordem Vreg – Vinf – AI – causado, como

mostrado em (128). Se é verdade que InfP é tomado como um argumento de v1, espera-se

que ele possa ser substituído por um argumento DP. De fato, é esse o resultado que encontramos em outra acepção dos verbos causativos, quando são usados como verbos triádicos, como se vê em (130).79

(129) João mandou escrever a composiçãoAIaos alunoscausado [=(28)a]

(130) a. Fiz/ mandei/ deixei [InfPescrever o trabalho] [ ao menino].

b. Fiz/ mandei/ deixei [DPa carta] [ao menino].

78Neste capítulo não mais faremos referência às especificidades da construção Fazer-Por, pois ela não é encontrada em PE (cf. Gonçalves & Duarte 2001). Sua estrutura é semelhante àquela encontrada na construção Fazer-Infinitivo. Para exemplos dessa construção em PCl, remeto o leitor ao capítulo 4 deste trabalho.

79Isso permite explicar com naturalidade outra diferença entre verbos de “união de orações” e verbos de “reestruturação”, pois aqueles sempre permitem a passiva matriz, enquanto estes variam quanto a esse aspecto:

As vantagens da adoção da mono-oracionalidade são em vários aspectos idênticas às apontadas anteriormente para a “reestruturação” (as implicações específicas dessa proposta serão exploradas na seção 2.4).