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A formação de predicados complexos

1.4 C ASOS ESPECIAIS DE PREDICADOS COMPLEXOS

Nesta seção abordamos duas construções em que núcleos não-verbais formam predicado complexo com um verbo. A apresentação é esquemática, de forma a oferecer ao leitor uma notícia sobre essas construções. Elas apresentam uma derivação que se inicia com uma oração pequena ou uma oração infinitiva complemento de um N ou A. Ao mesmo tempo em que mostraremos as possibilidades oferecidas pela gramática e as existentes nos

corpora analisados nesta tese, buscaremos mostrar alternativas para uma análise em termos

de incorporação.

1.4.1 Predicados complexos iniciados com uma oração pequena

Como já observado por Gonçalves (1999), é possível a formação de predicados complexos envolvendo um verbo e uma categoria não-verbal, como N ou A, como se vê a partir dos dados em (97)b-c, em que se nota respectivamente o deslocamento e ou a ligação de elementos entre a oração “plena” e a oração pequena (OPeq).

(97) a. This will make [John angry]. b. Johniseems [ tifoolish].

c. John ate the meati[ PROiraw].

(STOWELL 1991:182 (1)b, (2)b, (3)b)

A autora faz um paralelo entre esse fenômeno e a possibilidade de incorporação nominal em línguas polissintéticas, como as estudadas por Baker (1996), seguindo sugestão de Stowell (1991). No entanto, não é necessário postular o movimento coberto do adjetivo que nucleia a oração pequena para o verbo, em exemplos como (97). Há duas outras opções: uma consiste em considerar que esse é um caso de reanálise, nos termos de Rouveret &

Vergnaud (1980), em que V e A seriam coindexados; outra vem a ser uma proposta de

Agree mencionada logo acima. Consideremos esta última, em duas situações:54

- Se a OPeq é introduzida por uma cópula, esta não tem valor semântico, e a propriedade instaurada pelo próprio adjetivo que nucleia a OPeq seleciona uma variável e (visto que ele é uma propriedade; e essa variável e está relacionada via Agree à variável t em T).

- Se a OPeq é selecionada por verbos epistêmicos como julgar ou considerar, propõe-se que está em causa a introdução de um evento a que está vinculado um subevento expresso pela OPeq, que torna-se acessível, seguindo o mecanismo de compartilhamento temporal acima esboçado; via de regra o núcleo da OPeq não pode ser extraído, se pronominalizado, mas somente seu argumento externo, por razões de localidade:

(98) a. O João não a podia julgar [OPeq_ inocente].

b. *O João não o podia julgar [OPeqa ré _ ].

Como o critério de escolha das sentenças que compuseram os corpora analisados nesta tese foi a existência de predicado complexo formado por dois verbos (ortogonalmente ao fato de o verbo não-finito selecionar uma OPeq), foram incluídos dados do tipo em pauta. Tais clíticos pronominalizam ou o núcleo da OPeq, como em (99)a (em que via de regra o verbo infinitivo é ser), ou seu argumento externo, como em (99)b. No exemplos abaixo, mostram-se as OPeqs entre colchetes, para melhor ilustração:

54Propõe-se que todo o predicado complexo é composto por um só evento principal. No caso de verbos de “reestruturação”, há a inclusão de um operador (de tempo, modo, aspecto etc.) que modifica um evento num contexto de intensionalidade. No caso de verbos de “união de orações”, há a inclusão de um evento principal (CAUSA, no caso dos causativos), ao qual o domínio infinitivo se agrega como subevento (para a noção de subevento, cf. Parsons 1990, inter alia). Ver Truswell (2006) e de Andrade (em preparação) para a visão de que o evento (incluindo seus subeventos) é a unidade básica dentro da qual ocorrem extrações.

(99) a. O segundo é do ser dessas cousas, que julgamos por boas, que mal o podem ser [[essas cousas] [boas]], pois apenas se alcançam, quando já aborrecem. (PCl-Melo, 1608)

b. A minha cobardia me embaraçou de despedir-me de Vossa Senhoria crendo que me não devia julgar [[eu] [homem de importância]]...(PCl- Cavaleiro, 1702)

Em nenhum dos casos encontrados observou-se o movimento do clítico de dentro do complemento do nome ou adjetivo núcleo da OPeq. Contudo, não há uma proibição intrínseca a esse movimento, como mostra (98)a abaixo. O estranhamento da sentença (98)b seria decorrente da presença do sujeito da OPeq Maria, devido a uma exigência de contiguidade entre os núcleos que formam o predicado complexo (V e A).55

(100) a. Gianni [gli]j=è [ti affezionato [e]j ] G. 3SG.DAT=é [ afeiçoar.PTCP ]

‘Gianni é afeiçoado a ele/a’ (PE: ‘Gianni é-lhe afeiçoado’)

b.? I nostri amici [gli]i=hanno reso [Maria più affezionata [e]i ] DET nossos amigos 3SG.DAT=têm tornar.PTCP [M. mais afeiçoada ]

‘Nossos amigos tornaram Maria mais afeiçoada a ele/a’ (PE: (*)Nossos amigos tornaram-lhe Maria mais afeiçoada’)

(RIZZI 1986: 81 (40)b; 82 (42))

1.4.2 Predicados complexos iniciados com uma completiva nominal ou adjetival

Outro tipo de predicado complexo envolvendo um predicador verbal e outro não-verbal foi estudado, para o PE dialetal, por Magro (2004). Os exemplos apresentam dados em que o clítico aparentemente ultrapassa dois predicados: um verbo e um nome (ou adjetivo) que seleciona uma completiva infinitiva (o verbo regente e o nome incorporado

55 Em se considerando, como era comum em TRL, que vestígios de clíticos são anáforas, haveria um problema se se considerasse o domínio de ligação como limitado à oração pequena.

aparecem em itálico e o verbo infinitivo a que o clítico se refere, com sublinhado reforçado):56

(101) a. Se fosse muita quantidade – que a gente visse que era muita quantidade – não vinha-se, não se tinha hora de chegar a terra. (Câmara de Lobos, CLC13)

b. Já não o tinha esperança de encontrar. (F-II-SUP-Lisboa-O-2004)

c. Eu não lhe tive coragem de dizer tudo aquilo que pensava. (F-II-SUP-Porto-O-

2004) (MAGRO 2004:23 (62)-(64))

A autora compara essas “pseudo-completivas nominais”, formadas sempre por um verbo leve e um nome abstrato, a completivas nominais bona fide, baseada em estudo de Leonetti (1999) sobre exemplos correlatos do castelhano. Os testes utilizados consistem (i) na formação de uma relativa em que o elemento relativizado pertença à oração subordinada; e (ii) na legitimação de palavras negativas no interior da oração subordinada através da presença de um marcador de negação sentencial na oração principal. Confira os resultados das transformações a partir de (101)a em (102) e das alterações feitas a partir de (103)a em (103)b-c.

(102) a. A terra a que não se tinha hora [de chegar _ ]. b. Não se tinha hora [de chegar a lado nenhum].

(MAGRO 2004:(65);(68))

(103) a. O João não apreciou a ideia [de fazer uma homenagem à mãe]. b.*A homenagem que o João não apreciou a ideia [de fazer _ à mãe]. c.*O João não apreciou a ideia [de fazer nenhuma homenagem à mãe].

(MAGRO 2004: (71)-(73))

56 Os dados de Magro (2004) foram extraídos do Corpus Dialectal para o Estudo da Sintaxe (CORDIAL- SIN).

Esses casos podem ser analisados como resultantes de uma incorporação Vfinito+N nos

termos de Baker (1988, 1996). Porém, consistentemente com a perspectiva minimalista aqui assumida que deriva a formação de predicado complexo por concatenação, vamos assumir, mais uma vez, que a variável e consiste no complemento do complexo formado pelo conjunto Verbo Finito + Nome. De fato, “ter coragem”, “ter esperança” são propriedades. O evento selecionado é seu complemento PP, p. ex., “de encontrar uma luz”. O verbo finito é leve, e por essa razão concatena-se em v, como na representação abaixo:

(104) vP 2 v nP ter 2 n √P 2 √coragem PP . . .

É relevante notar que os nomes abstratos que formam essa construção não têm um determinante. Em termos morfológicos, uma vez que não há predicadores verbais com significado correspondente a ter+coragem, ter+esperança, a formação dessa construção é permitida pela gramática. Em outros termos, não há um efeito de bloqueio, nos termos propostos por Aronoff (1976), diferentemente do caso do item lexical encorajar, que expressa um evento de CAUSA, que por sua vez seleciona a propriedade de “ter coragem”. Essas observações ainda não configuram uma proposta, mas apontam para o fato de que os predicados complexos compartilham propriedades estruturais e semânticas que não podem ser simplesmente listados no léxico.

A construção descrita não foi encontrada nos corpora de base deste estudo e, por isso, não será mais referida no curso da presente tese.