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A repressão a homossexuais, escritores e artistas em Cuba

Rickley Leandro Marques (2009) faz um recorte temporal para a análise da violação dos direitos homossexuais em Cuba, dividindo a repressão aos homossexuais em dois momentos distintos: o primeiro momento de 1959 até 1970, e o segundo momento desde o Primer Congreso de Educación y Cultura, realizado em 30 de abril de 1971, até o episódio de Mariel, em 1980. O pesqui- sador lembra que o projeto da Revolução de 1959 era de erradicar a homos- sexualidade da ilha, por meio de programas de reeducação. Dessa forma, a grande preocupação do governo cubano era encontrar um lugar para onde iriam os religiosos, homossexuais e contrarrevolucionários, com o objetivo de serem reeducados.

O primeiro atrito ocorrido entre o governo e os grupos “indesejados” da população de que se tem registro, conforme destaca Marques (2009), teria acontecido na noite de 11 de outubro de 1961 e ficou conhecido como La noche de las tres P, quando a polícia cubana realizou uma grande operação, com o objetivo de aprisionar prostitutas, alcoviteiros e homossexuais, no bairro Colón, em Havana Velha, uma região portuária e boêmia. Desde sua fundação, Havana havia sido uma cidade portuária e se tornou em um balneário turístico dos estadunidenses, famosa pelos seus cassinos, pela prostituição e pelo cultivo da vida “desregrada”. Nessa época, o governo queria mostrar que a imagem de Havana e de Cuba não era essa, mas a do país da revolução dos trabalhadores cubanos, que lutavam para conseguir vencer as adversidades e construir uma nação soberana. Nesse sentido, a boemia, a prostituição e a homossexualidade eram vistos, pelo governo, como comportamentos inadequados. A noite de 11 de outubro de 1961 foi considerada, então, um marco da coerção aos homos- sexuais cubanos, não apenas pela perseguição que esta população sofreu na referida noite, mas, principalmente, pela regularidade da repressão desde então (MARQUES, 2009).

Curiosamente, a região portuária de Havana foi, também em 1961, o motivo de outro choque, o primeiro que ocorreu entre a intelectualidade cubana e o comando revolucionário. Em maio de 1961, o documentário PM _ Post Meridien, filmado por Sabá Cabrera e Orlando Jiménez-Leal, foi exibido em uma sessão na Casa de las Américas. Tal documentário, que apresentava a noite em Havana Velha, não agradou a intelectualidade cubana, sobretudo a intelectualidade

Reinaldo Arenas: o menino inoportuno de Cuba

ligada ao antigo Partido Socialista Cubano, uma vez que mostrava prostitutas, desocupados e trabalhadores embriagados. O então presidente do Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográfica (ICAIC), Alfredo Guevara, proibiu a sua exibição, sob alegação de que se tratava de um material contrarrevolu- cionário, tanto em seus aspectos políticos quanto em seus aspectos estéticos, e, então, a cópia do filme foi apreendida (MARQUES, 2009).

A censura do documentário desencadeou um intenso debate, visto que o filme havia sido financiado pelo suplemento cultural Lunes de la Revolución, o qual gozava de alto prestígio nos círculos de esquerda cubanos, o que fez com que o jornal passasse a recolher assinaturas a favor do documentário, além de acusar o ICAIC de defender o realismo socialista como única expressão artística possível na ilha. Tal abaixo-assinado não foi aceito pelo governo e, a seguir, o Lunes de la Revolución passou a sofrer perseguição. Em junho de 1961, em um discurso por ocasião da finalização das reuniões com intelectuais cubanos, na Biblioteca Nacional, Fidel Castro deixou claro o papel que o governo atribuía aos artistas e intelectuais cubanos:

¿Cuál debe ser hoy la primera preocupación de todo ciudadano? ¿La preocupación de que la Revolución vaya a desbordar sus medidas, de que la Revolución vaya a asfixiar el arte, de que la Revolución vaya a asfixiar el genio creador de nuestros ciudadanos, o la preocupación por parte de todos debe ser la Revolución misma? ¿Los peligros reales o imaginarios que puedan amenazar el espíritu creador, o los peligros que puedan amenazar a la Revolución misma?

No se trata de que nosotros vayamos a invocar ese peligro como un simple argumento. Nosotros señalamos que el estado de ánimo de todos los ciudadanos del país y que el estado de ánimo de todos los escri- tores y artistas revolucionarios, o de todos los escritores y artistas que comprenden y justifican a la Revolución, es qué peligros puedan amenazar a la Revolución y qué podemos hacer por ayudar a la Revolu- ción (CASTRO, 1961)3.

3 “Discurso pronunciado por el comandante Fidel Castro Ruz, primer ministro del gobierno revolu- cionario y secretario del PURSC, como conclusión de las reuniones con los intelectuales cubanos, efectuadas en la Biblioteca Nacional el 16, 23 y 30 de junio de 1961”. Disponível em: <http://www. cuba.cu/gobierno/discursos/1961/esp/f300661e.html>. Acesso em: 27 ago. 2015.

Nessa mesma ocasião, Fidel Castro declara, sob aplausos, que os escritores e artistas têm todos os direitos dentro da revolução, mas contra a revolução não há nenhum direito:

¿Cuáles son los derechos de los escritores y de los artistas, revolucio- narios o no revolucionarios? Dentro de la Revolución, todo; contra la Revolución, ningún derecho (APLAUSOS).

Y esto no sería ninguna ley de excepción para los artistas y para los escritores. Esto es un principio general para todos los ciudadanos, es un principio fundamental de la Revolución. Los contrarrevolucionarios, es decir, los enemigos de la Revolución, no tienen ningún derecho contra la Revolución, porque la Revolución tiene un derecho: el derecho de existir, el derecho a desarrollarse y el derecho a vencer (CASTRO, 1961).4

Diante desse cenário, a situação dos artistas e escritores cubanos piora com o passar dos anos, tanto para os escritores e artistas como para os homossexuais. Em 1968, o poeta cubano Heberto Padilla ganhou o prêmio Julián del Casal, da Unión de Escritores y Artistas de Cuba (UNEAC), com seu livro Fuera de juego, apesar das duras críticas que tecia ao governo de Fidel Castro. Nesse período, a repressão aumentou a censura, que deixou de acontecer de forma velada. Em seu discurso por ocasião do encerramento do Primer Congreso de Educación y Cultura, em 1971, Fidel Castro declara, sob aplausos, que “por cuestión de principio, hay algunos libros de los cuales no se debe publicar ni un ejemplar, ni un capítulo, ni una página, ni una letra! (APLAUSOS)” (CASTRO, 1971)5.

Nesse mesmo discurso, Fidel Castro fez uma referência ao poeta Heberto Padilla, então preso, por ser considerado um contrarrevolucionário. Nesse discurso, Fidel relaciona a atividade de escritor com a revolução, considerando

4 “Discurso pronunciado por el comandante Fidel Castro Ruz, primer ministro del gobierno revolu- cionário y secretario del PURSC, como conclusión de las reuniones con los intelectuales cubanos, efectuadas en la Biblioteca Nacional el 16, 23 y 30 de junio de 1961”. Disponível em: <http://www. cuba.cu/gobierno/discursos/1961/esp/f300661e.html>. Acesso em: 27 ago. 2015.

5 “Discurso pronunciado por el comandante Fidel Castro Ruz, primer secretario del comité central del Partido Comunista de Cuba y primer ministro del gobierno revolucionario, en la clausura del Primer Congreso Nacional de Educación, efectuado en el Teatro de la CTC, el 30 de abril de 1971”. <http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/1971/esp/f300471e.html>. Acesso em: 27 ago. 2015.

Reinaldo Arenas: o menino inoportuno de Cuba

como escritores de verdade apenas aqueles que eram a favor da revolução e declarando que nenhum escritor que se posicionasse contra o governo poderia ganhar algum prêmio:

Y desde luego, como se acordó por el Congreso, ¿concursitos aquí para venir a hacer el papel de jueces? ¡No!¡ Para hacer el papel de jueces hay que ser aquí revolucionarios de verdad, intelectuales de verdad, combatientes de verdad! (APLAUSOS.) Y para volver a recibir un premio, en concurso nacional o internacional, tiene que ser revolucionario de verdad, escritor de verdad, poeta de verdad (APLAUSOS), revoluciona- rio de verdad. Eso está claro. Y más claro que el agua. Y las revistas y concursos, no aptos para farsantes (CASTRO, 1971)6.

Em Antes que anochezca, Reinaldo Arenas faz referência ao caso Padilla,7

considerando que Heberto Padilla foi um poeta irreverente que teve o atrevi- mento de apresentar, em um concurso oficial, um livro crítico como Fuera del juego, tornando-se, dessa forma, um bode expiatório do regime. Arenas descreve o que sucedeu com Padilla e sua esposa, Belkis Cuza Malé, e dá especial ênfase à noite estranhamente inesquecível, quando ele e os demais escritores cubanos foram convidados, pela UNEAC, para escutar o depoimento de Padilla:

La noche en que Padilla hizo su confesión fue una noche siniestramente inolvidable. Aquel hombre vital, que había escrito hermosos poemas, se arrepentía de todo lo que había hecho, de toda su obra anterior, renegando de sí mismo, autointitulándose de cobarde, miserable y traidor. Decía que, durante el tiempo que había estado detenido por la Seguridad del Estado, había comprendido la belleza de la Revolución y había escrito unos poemas a la primavera. (ARENAS, 1996, p. 162).

6 “Discurso pronunciado por el comandante Fidel Castro Ruz, primer secretario del comite central del Partido Comunista de Cuba y primer ministro del gobierno revolucionario, en la clausura del Primer Congreso Nacional de Educación, efectuado en el Teatro de la CTC, el 30 de abril de 1971”. <http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/1971/esp/f300471e.html>. Acesso em: 27 ago. 2015. 7 Ao final de Antes que anochezca, Reinaldo Arenas faz outra referência importante a Heberto Padilla,

quando ambos já se encontram em Miami. Arenas (1996) relata que, em junho de 1980, ele e Padilla foram convidados a palestrar em uma universidade na Flórida e, nessa ocasião, Padilla, já vítima do alcoolismo, chegou ao evento embriagado e improvisou uma fala incoerente, o que fez com que o público reagisse negativamente à sua exposição.

Reinaldo Arenas sofria uma dupla repressão em seu país: posicionava-se, então, contra o regime de Fidel Castro e era homossexual. Ademais, na década de 1970, as leis cubanas se tornaram cada vez mais severas para com a população homossexual do país. O quinto número da revista Mariel dedicou uma sessão especial à discussão do homossexualismo em Cuba, retomando os aspectos legais e evidenciando o quanto tal prática era vista como um delito no país. A Lei nº 1.249, de 1973, publicada no dia 23 de junho de 1973, na Gaceta Oficial, apresenta a lei denominada “Delitos contra el normal desarrollo de las relaciones sexuales”, a qual diz claramente que:

Será sancionado con privación de libertad de tres meses a un año, o multa de cien a trescientas cuotas, o ambas: (1) el que, con grave escándalo, se dedique a la práctica de actos homosexuales, o haga pública ostentación de esa conducta, o importune o solicite con sus requerimientos a otro (MARIEL, 1984, p. 8).

Em 1979, essa lei foi alterada, tornando-se mais rigorosa: o tempo de privação de liberdade e a multa aumentaram, a expressão “com grave escándalo” foi suprimida, e o Estado passou a intervir ainda mais no âmbito privado, como demonstra a modificação da lei, publicada na Gaceta Oficial, em 1º de março de 1979:

Se sanciona con privación de libertad de tres a nueve años o multa de hasta doscientos setenta cuotas o ambas al que: (a) haga pública os- tentación de su condición homosexual o importune o solicite con sus requerimientos a otro; (b) realice actos homosexuales en sitio público o en sitio privado pero expuestos a ser vistos involuntariamente por otras personas (MARIEL, 1984, p. 8).

Ademais, os homossexuais eram considerados pessoas de alta periculo- sidade para o Estado, passíveis de inclusão na “Ley de peligrosidad”, também publicada na Gaceta Oficial, de 1º de março de 1979: “El estado peligroso se aprecia cuando en el sujeto concurre alguno de los índices de peligrosidad siguientes: […] d) la explotación o el ejercicio de vicios socialmente repro- bables.” (MARIEL, 1984, p. 8). Esse contexto de extrema repressão e controle estatal é o cenário da maior parte de Antes que anochezca, considerado por

Reinaldo Arenas: o menino inoportuno de Cuba

Mario Vargas Llosa (1992) como um dos mais estarrecedores testemunhos escritos em língua espanhola sobre a opressão e a rebeldia. Inserido em um Estado que perseguia os opositores do governo e condenava qualquer forma de relacionamento homossexual, o narrador-protagonista descreve tanto a censura a suas obras quanto a repressão que os homossexuais e opositores do governo vivenciavam em Cuba.

No que se refere à censura a suas obras e à perseguição aos opositores do regime de Fidel Castro, cabe ressaltar que Reinaldo Arenas conseguiu publicar apenas um livro em Cuba (Celestino antes del alba), além de alguns contos curtos e algumas críticas literárias. A maior parte de sua produção literária ocorreu fora da ilha, mesmo na época em que ainda vivia em Cuba. Logo após a publicação de Celestino antes del alba, Reinaldo Arenas conheceu o pintor Jorge Camacho e sua esposa, Margarita, que haviam partido de Cuba em 1959. O casal, que na ocasião estava em Cuba a passeio, procurou Arenas, visto que haviam comprado e lido sua obra publicada em Cuba. Quando partiram, levaram também o manuscrito de El mundo alucinante8, que foi publicado na França. Em Cuba, o impacto da

publicação de El mundo alucinante foi negativo, do ponto de vista oficial, como relata Arenas em Antes que anochezca:

En Cuba, el impacto de la crítica de la edición de El mundo alucinante en su versión francesa, se convirtió para mí en un golpe absolutamente negativo desde el punto de vista oficial. Fui puesto en la mirilla de la Seguridad del estado, ya no sólo como un tipo conflictivo que había escrito novelas como El mundo alucinante o Celestino antes del alba, que eran textos irreverentes que no le hacían apología al régimen (que más bien lo criticaban), sino que, además, había cometido la osadía de sacar, clandestinamente, aquellas obras, y publicarlas sin el permiso, naturalmente, de Nicolás Guillén que era el presidente de la UNEAC (ARENAS, 1996, p. 143).

8 El mundo alucinante, um dos romances mais conhecidos de Reinaldo Arenas, foi publicado, pela primeira vez, em Paris, em 1968, e seu original, em espanhol, foi publicado um ano depois, no México (OLIVARES, 2013).

Reinaldo Arenas: contrarrevolucionário, homossexual,