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Entre o dito e o sugerido: gênero, fragmentação e performatividade

Depois de muito tempo preso ao discurso da tradição, no qual sujeitos femininos procuram lugar, ao passo que sujeitos masculinos não o querem perder, chega o momento de entender diferentes perspectivas e questionar conceitos de gênero e sexo, a fim de combater o “reducionismo biológico” (CARVALHO, 2009, p. 85) que ainda predomina. Nesse contexto, surge Judith Butler _ filósofa que traz outras abordagens acerca das concepções de gênero, de sexo, de sexualidade e de desejo.

Em Gender trouble (publicado pela primeira vez em 1990), a autora quebra o paradigma da teoria feminista ao propor uma desconstrução do conceito do

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binômio sexo/gênero, no qual o gênero é culturalmente constituído, enquanto o sexo é biologicamente adquirido, que, até então, serve como base para a teoria feminista. Essa relação é utilizada, no início, com o propósito de defender a “associação do feminino com fragilidade e submissão, que até hoje servem para justificar preconceitos” (RODRIGUES, 2005, p. 179). Vale ressaltar que desconstruir, no pensamento butleriano, é entendido, de acordo com a teoria derrideana da desconstrução, como uma forma de libertar os conceitos herdados de antigas tradições, cristalizados, e dar-lhes significações adicionais. Em outras palavras, o que se encontra, com essa desconstrução, é o questionamento, ou a inversão, de posições hierarquizadas e, até então, indiscutíveis. Para Derrida (2001, p. 48), tudo se constitui em um jogo dual: “um dos dois termos comanda (axiologicamente, logicamente etc.), ocupa o lugar mais alto. Desconstruir a oposição significa, primeiramente, em um momento dado, inverter a hierarquia”.

Em “The way we live now”, é possível observar essa inversão entre dominador/subalternizado proposta por Butler, pois a posição marginalizada, de soropositividade, é questionada e, dessa forma, colocada no lugar mais alto do patamar, a fim de ser discutida e compreendida. Mesmo que sutilmente, no início do texto, a autora menciona a doença, porém sem a nomear. Nota-se o protagonista doente por meio da descrição de sintomas:

[...] a princípio, estava apenas perdendo peso, se sentia um pouco mal, Max disse a Ellen. E ele não marcou médico, de acordo com Greg, porque estava procurando manter-se mais ou menos no mesmo ritmo com o trabalho, mas parou de fumar. Tanya pontuou que estava assustado, mas também queria, cada vez mais, sentir-se saudável, ou mais saudável, ou talvez apenas ganhar de volta alguns quilinhos (SONTAG, 1986, p. 7)3.

Percebe-se que o protagonista ainda não sabe o que porta, mas perde peso, uma das características da doença. A preocupação torna-se evidente. É impossível não se incomodar quando o medo da infecção o assombra. Como a autora sugere, meses depois, ainda se sentindo mal, “tinha o gosto metálico do pânico na boca” (SONTAG, 1986. p. 7).

3 Cf. o original: “at first he was just losing weight, he felt only a little ill, Max said to Ellen, and he didn’t call for an appointment with his doctor, according to Greg, because he was managing to

O binarismo sexo/gênero é, então, desconstruído por Butler, partindo da premissa de que, para discutir gênero, faz-se necessário questionar, por exemplo, o conceito de “mulheres” como sujeito do feminismo. É aventada a possibilidade do debate sobre o lugar de homens e de mulheres na sociedade, e uma postura contra a corrente se instaura, ao não considerar as ideias essen- cialistas de cunho discriminatório: “um modo muito mais efetivo de contestar o status quo consiste em deslocar categorias tais como ‘homem’, ‘mulher’, ‘macho’ e ‘fêmea’, revelando como elas são discursivamente construídas no interior de uma matriz heterossexual de poder” (SALIH, 2012, p. 68). Ao deslocar essas categorias, desconstrói-se a hierarquia patriarcal e mostra-se a contingência em (re)construir a sociedade, cujos indivíduos são apreciados comoabjetos (por uma sociedade determinante do certo e do errado), para que sejam trazidos para o patamar dos dominantes.

Seguindo as premissas de Butler, Sontag também procura “reconstruir” a sociedade ao tratar o sujeito abjeto sem preconceito. Após a descoberta da doença, a autora mostra como esta atinge não somente o protagonista, mas prin- cipalmente o círculo de amigos. Como Sontag elucida, todos estavam apreensi- vos e direcionavam pensamentos solidários ao amigo: “seja cuidadoso e tenha esperança. E mesmo que se prove a doença, ninguém vai desistir, existem novos tratamentos que prometem parar o curso da doença, as pesquisas estão em progresso” (SONTAG, 1986, p. 8). Pode-se dizer que, diferentemente do ocorrido nos casos de soropositivos da época, o protagonista desfruta de um tratamento especial proveniente dos amigos, levando o leitor a pensar que Sontag faz isso propositalmente para mostrar os sujeitos acometidos de AIDS não como seres abjetos, mas como humanos que necessitam de cuidado e atenção.

Para Butler, sexo e gênero podem ser “sinônimos” apenas quando podem ser desconstruídos. Em outras palavras, “se o caráter imutável do sexo é contestável, talvez o próprio construto chamado ‘sexo’ seja tão culturalmen- te construído quanto o gênero; a rigor, talvez, o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absoluta- mente nenhuma” (BUTLER, 2003, p. 24, grifo nosso). Ao desconstruir o par sexo/gênero, consequentemente, é desconstruída a tese da teoria feminista essencialista, em que o gênero é visto como “atributo da pessoa, caracterizada keep on working at more or less the same rhythm, but he did stop smoking, Tanya pointed out, which suggests he was frightened, but also that he wanted, even more than he knew, to be health, or healthier, or maybe just gain back a few pounds” (SONTAG, 1986, p. 8).

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essencialmente como uma substância ou um ‘núcleo’ de gênero preestabelecido” (2003, p. 29), e o sexo é tido como inerente ao ser, não construído em contextos socioculturais. Para a teórica, ocorre o oposto: “o gênero não denota um ser substantivo, mas um ponto relativo de convergência entre conjuntos espe- cíficos de relações, cultural e historicamente convergentes” (BUTLER, 2003, p. 29). Em outras palavras, o gênero não é fixo, ou essencial, mas é modificado de acordo com diferentes contextos em diferentes épocas. Dessa maneira, a relação de causa e efeito existente entre sexo e gênero é destruída por Butler, creditando ao gênero uma relativa flexibilidade.

Por outro lado, como afirma Carvalho (2010), é necessário propor uma diferenciação entre sexo e gênero, já que ambos são construtos culturais e se encontram em fase de desenvolvimento. Embora seja provado que, biologi- camente, homem e mulher são diferentes, o processo de construção de cada sexo é o mesmo e se dá por meio do social, pois, ao nascer e ser anunciado menino(a), antecipa-se todo o percurso _ culturalmente estabelecido _ a ser traçado pela criança ao longo de sua vida social. Nesse percurso, estão inseridas as sanções sociais cabíveis a esse gênero, considerando que, ao se aceitar um gênero, aceita-se aquilo que nele está imposto:

[...] o sexo e o gênero não se relacionam entre si como o fazem a natureza e a cultura, pois a própria sexualidade é uma diferença construída cul- turalmente. Butler enfatiza que a diferença sexual não é meramente um fato anatômico, uma vez que a construção e a interpretação da diferença anatômica é, ela própria, um processo histórico e social. Que o macho e a fêmea da espécie humana diferem é fato, mas é um fato também construído socialmente. Trata-se, portanto, de evidenciar que não apenas o gênero, mas o par sexo/gênero é instável, pois se encontra em constante construção (CARVALHO, 2010, p. 86).

Além do caráter de transformação constante do gênero, Butler afirma, também, que, para se assumir homem ou mulher, não é necessariamente obri- gatório ter nascido com órgãos sexuais masculino ou feminino, respectiva- mente. Por se tratar de um construto social, o indivíduo assume-se com o sexo desejado, seguindo as inscrições inseridas no gênero que melhor lhe couber. Dessa maneira, Butler deixa claro o gênero como questão resultado ou efeito do poder dos discursos que constituem o efeito-sujeito. No entanto, como dito

anteriormente, trata-se de um processo no qual estão subentendidos compor- tamentos sociais esperados para aquele determinado gênero:

Se o gênero são os significados culturais assumidos pelo corpo sexuado, não se pode dizer que ela decorra de um sexo desta ou daquela maneira. Levada a seu limite lógico, a distinção sexo/gênero sugere uma descon-

tinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros culturalmente cons- truídos. Supondo por um momento a instabilidade do sexo binário, não

decorre daí que a construção de ‘homens’ aplique-se exclusivamente a

corpos masculinos, ou que o termo ‘mulheres’ interprete somente corpos femininos (BUTLER, 2003, p. 24, grifos nossos).

Sabemos que a construção da identidade não pressupõe, como discutimos anteriormente, o simples fato de uma criança nascer com o órgão reprodutor masculino e já ser inserida dentro do gênero masculino. Aqueles que, apoiados em seu desejo pelo mesmo sexo, deixam de lado a sanção social e optam por construir uma identidade de gênero, tendem a fazer parte do grupo dos corpos abjetos, regida pela heterossexualidade que, diga-se de passagem, nada tem de natural, pois impõe relacionamentos, devendo acontecer entre dois indivíduos de sexo opostos, ganhando, assim, status de compulsória.

Butler (2003, p. 39) considera que a sociedade está inserida em uma matriz cultural “por intermédio da qual a identidade de gênero se torna inteligível e exige que certos tipos de ‘identidade’ não possam ‘existir’ _ isto é, aquelas em que o gênero não decorre do sexo e aquelas em que as práticas do desejo não ‘decorrem’ nem do ‘sexo’ nem do ‘gênero’”. Como se pode notar, Judith Butler afirma existir, além das identidades culturais (feminino e masculino), outras que se inserem na intersecção dessas, como é o caso de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, dragqueens etc. É fato que, como afirma Senkevics (2012), esses grupos existem e subvertem a ordem imposta de que gênero e sexo se interligam e que o desejo deva sempre ser heterossexual. Porém, nota-se que há um esforço da sociedade para que esses grupos não existam, ou sejam colocados à margem e ignorados. Butler (2003) deixa claro que esses grupos abjetos são mais do que simplesmente ignorados: são indignos de serem nomeados, pronunciados, considerando o não pertencimento a uma matriz cultural. Não possuem um rosto para serem vistos, tampouco uma voz para serem ouvidos.

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A filósofa considera que esses grupos precisam lutar por seus direitos para que assim possam ganhar um status de existência, sendo legitimados dentro de um contexto cultural. É, então, que, a partir da nomeação, tais grupos poderão ser pensados, vistos, compreendidos e reconhecidos. Considerando que, para Butler, “a sexualidade se constitui historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre o sexo, discursos que regulam, que normatizam, que instauram saberes, que produzem ‘verdades’” (CARVALHO, 2010, p. 89), pode-se afirmar as identidades de gênero estabelecendo-se discursivamente de acordo com a performance do sujeito, em relação às instituições públicas e políticas que imperam socialmente. Butler procura mostrar que o indivíduo tem o livre arbítrio para escolher pelo gênero que melhor lhe atende. Sendo assim, a vivência homossexual não deve ser considerada um crime ou algo do tipo. Infelizmente, na época em que Sontag escreve o conto aqui analisado, muito preconceito ainda rondava as pessoas homossexuais. Como se não bastasse, a associação com a AIDS fez com que a discriminação de homossexuais masculinos aumentasse, como se realmente pudessem representar algum perigo aos indivíduos “normais”, segundo os padrões. Com a configuração das masculinidades, cria-se espaço para masculinidades subordinadas, em identidades muitas vezes homossexuais. Parte dos corpos abjetos é associada com a marginalidade, a promiscuidade, dentre outras questões negativas e com o caos existente proveniente da AIDS. Essas identidades sofrem com o preconceito e discriminação (homofobia) de grupos pertencentes, na maioria das vezes, ao padrão hegemônico, que não aceitam fuga das regras estabelecidas violentamente. Sontag segue exatamente o caminho oposto a esse pensamento preconceituoso. O que a autora deseja é desconstruir essa visão e mostrar, conforme havia sido provado, que a doença é transmitida por meio de relações sexuais ou transfusões de sangue. Sendo assim, no mundo de nossa protagonista, não há segregação:

Ele não queria ficar sozinho, de acordo com Paolo, e muitas pessoas vieram na primeira semana, e a enfermeira Jamaicana disse que havia outros pacientes no andar que ficariam felizes em receber visitas, e as pessoas não tinham medo de visitar, não era como nos velhos tempos, como observou Aileen, eles não estavam mais segregados no hospital (SONTAG, 1986, p. 10)4.

Observa-se que, no próprio hospital, há uma mudança no tratamento, já que nem todos os infectados ficam segregados, excluídos, como se trans- mitissem algo altamente contagioso. Ainda a respeito da desconstrução do gênero, é válido enfatizar que Butler (1990), ao propor a inversão do social- mente estabelecido, consegue desconstruir o conceito do sujeito sexuado, e assim livrar o “ser” do papel social restrito. No âmbito masculino, é possível aceitar, para ser homem, a não necessidade de se constituir como “machão” e provar isso a todo instante. Nota-se que homens sensíveis, homens vaidosos, homens interessados em culinária, por exemplo, vêm ganhando espaço na contemporaneidade.

Os estudos de gênero ficaram, por muito tempo, vinculados a um estudo do feminino. Hoje é sabido que é possível interpelar feminilidades e masculinida- des. A ideia do masculino como imprescindível, por ser superior e natural, está perdendo espaço. Como afirmam Breines e Connell (2000), o gênero envolve o feminino e o masculino também. Por ter ficado tanto tempo escondida atrás de seu status de grupo dominante, a masculinidade pode ocultar complexidades existentes, até então, apenas no universo feminino.

Desde a década de 70, a preocupação em se estudar o comportamento masculino vem aumentando. Se a mulher adquiriu o tão sonhado espaço, saiu às ruas, ganhou o direito ao voto e ao trabalho, consequentemente, a posição do homem na sociedade também sofreu alteração. Ele teve que dividir espaço. Nos tempos atuais, presumir o homem como dominador nem sempre é sensato. Seu papel está sendo reivindicado pelas mulheres e novas masculinidades irrompem.

Breines e Connell (2000, p. 2) definem a masculinidade como sendo:

[...] o padrão ou a configuração de práticas sociais ligadas à posição dos homens na ordem do gênero, e socialmente distintas das práticas relacionadas com a posição das mulheres. A masculinidade, entendida como uma configuração de prática do dia a dia, é substancialmente uma construção social. Masculinidade refere-se a corpos masculinos (por vezes simbólica e indiretamente), mas não é determinada pela biologia do sexo masculino. (É, portanto, perfeitamente lógico falar sobre as mulheres ‘masculinas’, quando as mulheres se comportam ou

week, and the Jamaican nurse said there were other patients on the floor who would be glad to have the surplus flowers, and people weren’t afraid to visit, it wasn’t like the old days, as Kate pointed out to Aileen, they’re not even segregated in the hospital anymore.” (SONTAG, 1986, p. 10).

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apresentam-se de forma que a sociedade considera essas atitudes ‘pro- venientes’ dos homens)5.

Nota-se que a masculinidade está ligada a uma ideia socialmente constitu- ída de que o homem precisa seguir determinadas tendências para justificar ou confirmar seu papel. Assim como afirma Beauvoir (1959), “não se nasce mulher, torna-se mulher”, a categoria do “ser homem” também é construída ao longo de um processo de criação de um gênero, porém carrega mais sanções do que a feminina. Ser homem (de acordo com supostos padrões) pressupõe afastar de si quaisquer comportamentos femininos e internalizar apenas normas sociais que interessem ao universo masculino. No processo de formação de gênero, o menino é cobrado e pressionado pela sociedade a agir como homem e a seguir certas atitudes típicas desse grupo.

No entanto, a masculinidade não é única e exclusiva. Existem masculini- dades múltiplas que se interligam e se constroem. As formas de “ser homem” podem, até mesmo, ser contraditórias. Na pesquisa sobre masculinidades, Breines e Connell (2000, p. 1) concluem que:

[...] existem múltiplas masculinidades; há hierarquia nas masculini- dades; muitas vezes, há a definição de um padrão ‘hegemônico’ para determinada sociedade; masculinidades são coletivas, bem como in- dividuais; masculinidades são ativamente construídas na vida social; masculinidades são internamente complexas; masculinidades mudam na história6.

Nota-se a masculinidade, mas esta se insere em graus diferentes. Há uma ruptura no homem patriarcal, já que este perde lugar para o homem sensível, o homem “do lar”, dentre outros. A masculinidade pode ser vista, na contemporaneidade,

5 Cf. o original: “I mean the pattern or configuration of social practices linked to the position of men in gender order, and socially distinguished from practices linked to the position of women. Masculinity, understood as a configuration of practice of everyday life, is substantially a social construction. Masculinity refers to male bodies (sometimes symbolically and indirectly), but is not determined by male biology. (It is, thus, perfectly logical to talk about ‘masculine’ women, when women behave or present themselves in a way their society regards as distinctive of men).” (BREINES; CONNELL, 2000, p. 2).

6 Cf. o original: “important conclusions of this research are: there are multiple masculinities.; there are hierarchy masculinities; often defining a ‘hegemonic’ pattern for a given society; masculinities

como mais efeminada, o que contribui para a afirmação da identidade homossexual (que já existe há séculos).Essa crise do homem contemporâneo comprova um novo desenho na hierarquia das masculinidades.

Connell (2005) cunha o conceito de masculinidade hegemônica em meio à desigualdade no contexto escolar australiano, por meio do qual a masculinidade se forma redefinindo o papel do homem nas políticas australianas. A autora utilizou-se da ideia de hegemonia proposta por Gramsci para explicar a esta- bilização das relações entre classes e transferiu tal dualidade para as questões de gênero. Para a autora:

Masculinidade hegemônica foi entendida como o padrão de prática (isto é, já pronta, não apenas um conjunto de expectativas de papel ou uma identidade) que permitiu a continuidade da dominação dos homens sobre as mulheres. A masculinidade hegemônica não foi distinta de outras masculinidades, especialmente masculinidades subordinadas. Não assumimos as masculinidades hegemônicas como normais no sentido estatístico; apenas uma minoria de homens pode representá-lo. Mas foi certamente normativa. Ele encarna a atual forma mais honrada de ser um homem (CONNELL, 2005, p. 832)7.

Connell afirma a questão da masculinidade hegemônica representada por uma pequena parcela do grupo masculino, o que faz essa forma de masculinida- de não ser mais utilizada, apesar de ser a mais desejada. Nota-se que a forma de representação está ligada a práticas de discriminação contra os outros grupos.

Após interlocuções com outros pensadores, Butler define o que acredita ser o gênero. Para a teórica, gênero não é categoria natural e resume-se na palavra ato. Dito de outra forma, o gênero nada mais é do que uma “performance repetida” (BUTLER, 2003, p. 200, grifo da autora) nova e reencenada na esfera

are collective as well as individual; masculinities are actively constructed in social life; masculinities are internally complex; masculinities change in history” (BREINES; CONNELL, 2000, p. 1). 7 Cf. o original: “hegemonic masculinity was understood as the pattern of practice (i.e., things done,

not just a set of role expectations or an identity) that allowed men’s dominance over women to continue. Hegemonic masculinity was distinguished from other masculinities, especially subordi- nated masculinities. Hegemonic masculinity was not assumed to be normal in the statistical sense; only a minority of men might enact it. But it was certainly normative. It embodied the currently most honored way of being a man” (CONNEL, 2005, p. 832).

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pública e coletiva. Assim, a identidade de gênero deixa de ser estável e fixa e é “tenuemente constituída no tempo, instituindo um espaço externo por meio de uma repetição estilizada dos atos” (BUTLER, 2003, p. 200, grifo da autora). Conforme postulado anteriormente, “não há identidade de gênero por trás das expressões do gênero; essa identidade é performativamente constituída, pelas próprias “expressões” tidas como seus resultados” (BUTLER, 2003, p. 48, grifo da autora), tornando-se possível afirmar que o gênero se dá em situações de performatividade, não de expressão, já que diz respeito à forma como um corpo se coloca em relação aos demais.

De modo geral, partindo da premissa de Butler (2003, p. 26), “não a biologia, mas a cultura se torna o destino”, pode-se afirmar que, assim como o gênero _ constituído perante performances sociais _, a concepção de sexo como essencial também é constituída de acordo com performances, muitas vezes taxativas, colocando o homem na posição de dominador e a mulher na de dominada.

A performatividade é um fator importante na construção do gênero: graças à repetição estilizada de atos dentro de um contexto, o sujeito pode se iden- tificar, a cada momento de sua vida, com o gênero que melhor lhe satisfaça,